Relatório enviado à PF sugere caminho para rastrear fake news

Pesquisador coletou dados de 277 grupos de WhatsApp durante as eleições

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São Paulo

A Procuradoria-Geral da República recebeu, em 26 de novembro de 2018, um parecer técnico com rastreamento de algumas das principais notícias falsas disseminadas na campanha eleitoral.

O relatório, elaborado pelo especialista em telecomunicações da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Miguel Freitas, permitiria identificar quem foram os primeiros propagadores das mentiras que mais circularam na eleição passada.

Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa
Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa - Reprodução

O documento foi recebido pela procuradora Raquel Branquinho e enviado para a Polícia Federal.

Após negar ter recebido o relatório, a assessoria da PF afirmou que a documentação foi recebida fora dos autos pelo delegado Thiago Marcantonio, responsável por inquérito sobre envio em massa de mensagens pelo WhatsApp nas eleições.

O inquérito foi aberto em 20 de outubro, logo após reportagem da Folha mostrar que empresários bancaram envio em massa de mensagens contra o PT pelo aplicativo durante a campanha.

Em email a Branquinho, Freitas afirmou que o relatório poderia "auxiliar em algumas linhas de investigação quanto ao uso e disseminação das 'fake news' na eleição de 2018".

Segundo ele, o material reúne "informações técnicas e indícios sobre as origens de algumas das postagens falsas mais relevantes observadas neste processo eleitoral em grupos públicos de WhatsApp". 

Freitas diz que sua iniciativa é de caráter pessoal e se colocou à disposição para dar mais esclarecimentos. No entanto, até hoje, quase dois meses depois, ninguém entrou em contato com o pesquisador.

A Folha indagou à PF quais medidas haviam sido tomadas a partir do parecer técnico, mas a assessoria limitou-se a dizer que o material foi recebido fora dos autos e não especificou se foi incorporado à investigação eleitoral.

Freitas coletou dados inicialmente de 115 grupos de WhatsApp e posteriormente acrescentou rastreamento de outros 162 grupos, totalizando 277. Identificou 16 notícias falsas de grande circulação na campanha, citadas por órgãos de imprensa.

O relatório chegou a identificadores sobre o primeiro "upload" de cada vídeo ou imagem no WhatsApp.

"Se a Justiça requerer ao WhatsApp os registros que a plataforma mantém em relação a esses identificadores que nós localizamos, será possível chegar ao endereço IP da pessoa que primeiro fez o upload, ou seja, identificá-la", diz ele, coordenador do laboratório de Pesquisa em Tecnologia de Inspeção (CPTI/PUC-Rio).

Segundo o pesquisador, quando um arquivo de mídia é carregado pela primeira vez, ele produz nos servidores do WhatsApp um registro (log) que permite recuperar posteriormente a identificação do usuário que enviou esse conteúdo.

Também é possível conhecer as informações de conexão, como o endereço IP (identificação única de cada computador ou smartphone conectado à rede), a data e a hora.

As mensagens enviadas por um determinado usuário são criptografadas no próprio celular antes de serem enviadas à rede ou aos servidores da plataforma WhatsApp. Esse processo envolve uma chave de segurança que apenas o destinatário possui, e isso garante que nenhum intermediário seja capaz de acessar o conteúdo.

"Esta é a razão da alegação frequente do WhatsApp perante a Justiça de que não seria capaz de fornecer, por motivos técnicos, o conteúdo das mensagens solicitadas", diz.

Os artigos 13 e 15 do Marco Civil da Internet estabelecem obrigações para os provedores de acesso (empresas operadoras de internet) guardar e fornecer por um ano os registros de conexão e, para os provedores de aplicações (caso do WhatsApp), por seis meses.

O parecer do pesquisador chegou a "identificadores" sobre o primeiro upload dessas fake news, que, segundo ele, permitem ao WhatsApp localizar os registros. Não se trata de revelar conteúdo, que não fica nos servidores da plataforma, mas de trabalhar com metadados (dados por trás desse conteúdo).

"É tecnicamente possível obter, via judicial, informações sobre a origem de uma mídia digital enviada ou encaminhada na plataforma WhatsApp. Essas informações incluem o número do celular associado, a hora do acesso e o endereço IP do usuário que realizou o primeiro envio dessa mídia para a plataforma. Mídias digitais, tais como fotos e vídeos, encaminhados entre grupos e entre diferentes usuários dentro da plataforma WhatsApp preservam a capacidade de rastreamento ao usuário de origem", afirma o relatório recebido por Procuradoria e PF.

Segundo Freitas, a solicitação judicial ao WhatsApp deve ser embasada tecnicamente a respeito do funcionamento da plataforma, porque assim se evita que a empresa diga que é inviável atender ao pedido.
Como o IP identifica a máquina, seria ainda necessário aprofundar a investigação para encontrar o usuário real.

Nos EUA, o WhatsApp já forneceu esses metadados ao FBI (polícia federal americana) algumas vezes, mediante ordem judicial durante investigação de crimes.

Não é possível dizer se uma pessoa repassou um vídeo ou imagem que veio originalmente do Facebook ou por email.

Mas é possível identificar a primeira pessoa que fez o upload de um conteúdo no WhatsApp. Por mais que não tenha criado o conteúdo, essa pessoa é chave na disseminação —e pode ser um IP de uma agência de marketing ou alguém ligado a algum partido.

 

Entenda as suspeitas envolvendo o uso do WhatsApp na eleição

O que está em apuração na Polícia Federal?
Um inquérito foi aberto pela PF após a Folha revelar, no dia 18 de outubro, que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT na campanha eleitoral. As agências que prestavam o serviço eram a Quickmobile, Yacows, Croc Services e SMS Market. A Procuradoria-Geral da República, à época, defendeu a apuração para identificar se a integridade do processo eleitoral tinha sido afetada. A investigação ainda não foi concluída

Quais foram os desdobramentos da reportagem?
No dia seguinte à publicação da reportagem, o WhatsApp, que pertence desde 2014 ao Facebook, bloqueou contas ligadas às quatro agências. Anunciou ainda que baniu centenas de milhares de contas em uma tentativa de conter spam e notícias falsas. Jair Bolsonaro na época negou envolvimento em qualquer irregularidade e disse não ter controle sobre o que empresários apoiadores fazem

Um candidato pode fazer campanha usando o WhatsApp?
Sim, mas as regras previstas em lei precisam ser seguidas. O político pode divulgar propagandas e seus apoiadores podem repassar as mensagens, desde que isso não envolva pagamentos nem sejam usados meios tecnológicos para burlar o sistema do WhatsApp (com o uso deliberado de diferentes chips, por exemplo)

Quem pode receber os conteúdos?
A lei impede que o candidato compre listas de telefones com a intenção de disparar mensagens em massa. O político só pode usar contatos que tenham sido fornecidos pelos donos dos números e que façam parte de base de dados do partido ou do próprio candidato. Empresas estão proibidas pelo Supremo Tribunal Federal de financiar despesas de campanha

O que diz o relatório produzido por Miguel Freitas?
Freitas, especialista em telecomunicações da PUC do Rio, rastreou um total de 277 grupos de WhatsApp e identificou 16 notícias falsas de grande circulação na campanha. O relatório chegou a identificadores que podem apontar a origem de vídeos ou imagens que circularam na eleição

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