Tribunal considera indulto de Natal inconstitucional, e especialistas criticam medida

Decisão contraria a maioria do STF, para quem não cabe ao Judiciário interferir em ato do presidente

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São Paulo

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), criticada por especialistas, ampliou o debate sobre os indultos de Natal, que já são objeto de discussão no STF (Supremo Tribunal Federal).

Nesta terça (8), a Corte Especial do TRF-4 declarou inconstitucional parte do decreto editado em 2013, no qual a Presidência da República concede indulto coletivo a réus condenados criminalmente. A decisão vale para Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A corte seguiu o entendimento do desembargador Leandro Paulsen de que, ao reduzir penas por meio do indulto de Natal, o presidente da República legislaria sobre direito penal por meio de medida provisória, o que a Constituição Federal proíbe em seu artigo 62.

A mesma Constituição, porém, no artigo 84, determina que compete ao presidente com exclusividade “conceder indulto e comutar penas”. Por isso, a decisão do TRF-4 foi considerada equivocada por especialistas consultados pela Folha.

"Com todo respeito, é uma decisão equivocada. Bem ou mal a Constituição estabelece que trata-se de competência privativa do presidente. Nada tem que ver com o artigo 62", diz Carlos Velloso, ex-ministro do STF. 

A decisão foi tomada a partir de um recurso em que o Ministério Público Federal questionava a concessão do indulto a um condenado por tráfico de drogas. Mas, ainda que o tribunal tenha se debruçado sobre um ponto específico do decreto de 2013, a fundamentação valeria para todos os indultos de Natal.

“É uma decisão inusitada, como se o presidente estivesse proibido de publicar indulto”, diz Fábio Tofic Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Thiago Bottino, professor da FGV-Rio, considera a decisão equivocada. Os especialistas apontam primeiramente um erro técnico, já que a Constituição proíbe medidas provisórias sobre direito penal e o indulto de Natal é feito por meio de decreto.

Indo além da superfície, eles veem uma discussão sobre a interferência do Judiciário em outros Poderes. A decisão é especialmente polêmica porque, em novembro, o STF formou maioria no sentido de que o indulto é uma prerrogativa constitucional do presidente da República e o Judiciário não pode interferir em seu conteúdo.

O STF analisou um indulto de Natal concedido por Michel Temer (MDB) em 2017. O julgamento ainda não foi concluído. Por conta disso, Temer não editou um novo indulto em 2018. Jair Bolsonaro (PSL) é contrário à prática. “Qualquer criminoso tem que cumprir sua pena de maneira integral”, afirmou.

“Impressiona que um tribunal de segunda instância decida assim, mesmo sabendo que essa não é a posição do STF. Mesmo os ministros que votaram contra o decreto, por considerar inconstitucionais alguns dispositivos, concordam que o presidente pode editar o indulto”, diz Tofic.

A decisão do TRF-4 tende a ser contestada e deve ser discutida em instâncias superiores. Na prática, avalia Bottino, as varas de execução desses três estados terão que ver caso a caso quais condenados podem ser afetados, considerando a passagem de tempo entre 2013 e 2018.

O professor lembra que, quando o STF concluir o julgamento sobre o indulto, a decisão do TRF-4 perderá validade.

“Como o STF formou maioria não tem nem dois meses, a postura do TRF-4 pode ser uma pressão sobre qual seria a decisão correta ou pode significar um descaso completo com o bom funcionamento do serviço público, porque vai gerar um custo enorme diante de uma alta probabilidade de reversão”, diz Bottino.

O desembargador Paulsen argumenta que o indulto vem sendo ampliado a cada ano sem justificativas e gera impunidade. “O perdão irrestrito de delinquentes por mera vontade política de um único governante viola a Constituição Federal por fazer letra morta inúmeras garantias da sociedade”, afirmou.

“Identifica-se de forma clara que o figurino constitucional do indulto, instrumento excepcional para correção de pontuais e eventuais falhas no sistema de persecução criminal do Estado democrático de Direito, vem sendo banalizado e utilizado como verdadeiro método de administração da população carcerária”, disse Paulsen.

O argumento da banalização é rebatido por Tofic. “Para fazer um paralelo, é como se, por estar tendo muito divórcio, o casamento devesse ser declarado inconstitucional.”

O advogado afirma que não é uma decisão isolada. “Há um movimento ideológico de criar restrições de direitos à revelia do que o ordenamento jurídico brasileiro prevê. Abriu-se a caixa de Pandora para que, com a mera retórica jurídica, se faça o que queira.”

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