CNJ quer varas exclusivas para julgar delitos de organizações criminosas

Órgão se inspira em modelo de Alagoas, que dilui responsabilidade individual de juízes para preservá-los

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São Paulo

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) vai propor aos tribunais a criação de varas colegiadas para processar e julgar exclusivamente delitos de organizações criminosas.

A ideia é reproduzir nacionalmente a experiência de Alagoas, que, em 2007, instituiu a 17ª Vara Criminal da Capital, centralizando em Maceió os inquéritos e denúncias vindos de todo o estado.

A ampliação das varas colegiadas será um dos itens de encontro que o CNJ promoverá nestas segunda (25) e terça (26), em Brasília. O grupo de Segurança Pública do CNJ é coordenado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), um defensor do modelo.

O presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do STF, Dias Toffoli, durante sessão plenária
O presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do STF, Dias Toffoli, durante sessão plenária - Fabio Rodrigues Pozzebom - 18.dez.2018/Agência Brasil

Moraes entregou ao Congresso, em maio de 2018, sugestões de juristas para o combate ao crime organizado.

Em janeiro deste ano, foram presos em Alagoas quatro policiais militares acusados de chefiar uma organização criminosa envolvida em crimes de roubo, tráfico de drogas e armas e invasão a residências. A 17ª Vara expediu 21 mandados de prisão, busca e apreensão.

Dois anos depois da criação da vara, foi registrada a redução de sequestros em Alagoas. Em 2015, a vara colegiada determinou a prisão domiciliar de advogados acusados de extorsão.

A vara possui três juízes titulares. As decisões são unânimes, assinadas pelos três.

Não há publicação de voto divergente, mesmo que não tenha havido unanimidade nas discussões. Acredita-se que isso dilui a responsabilidade individual, preserva o magistrado de pressões e reduz o risco de erro judicial. É uma versão amenizada dos "juízes sem rosto" da Itália.

De janeiro de 2013 (quando começou a contabilizar os dados) até este mês, a 17ª Vara julgou 512 processos. O pico ocorreu em 2016, com 216.

O fato é atribuído à lei que reduziu o número de juízes (eram cinco, que acumulavam outras varas), mas determinou que eles deveriam ser titulares, com dedicação exclusiva.

O juiz André Avancini, titular da 17ª Vara Criminal de Maceió, diz que "a vara colegiada preserva a integridade física dos juízes e dá mais tranquilidade nos julgamentos, livres de influências externas".

Em 2008, o Tribunal de Mato Grosso criou a 7ª Vara Criminal de Cuiabá, especializada em combate ao crime organizado, crimes tributários e de administração pública.

Dois juízes titulares julgam crimes praticados em todo o estado. As decisões, contudo, são individuais.

A juíza Ana Cristina Silva Mendes, titular dessa vara de Cuiabá, diz que o juiz da capital, que centraliza os processos, está mais protegido pela proximidade do Ministério Público, da polícia e da Defensoria Pública.

"O juiz de uma pequena comarca no interior também é preservado, pois fica distante do processo, sem ser alvo de perseguições ou atentados", afirma a magistrada.

"As varas colegiadas são eficazes na segurança dos magistrados e no compartilhamento de informações de inteligência", diz Gilson Dipp, ex-corregedor nacional de Justiça. Ele foi inspirador das varas federais especializadas em lavagem de dinheiro.

Dipp diz que a ampliação das varas colegiadas deveria ter sido contemplada no projeto de lei anticrime do ministro Sergio Moro. "Bastaria uma sinalização forte do ministro para estimular os governos estaduais", afirma.

"Já introduzimos em lei anterior a proposta do colegiado de juízes para decisões contra o crime organizado", diz Moro. "O Supremo Tribunal Federal já reputou constitucional a lei estadual de Alagoas que criou a vara colegiada. Então, os estados já podem criar as suas varas", afirma ele.

Moro refere-se à lei 12.694/2012, que possibilitou ao juiz ameaçado instaurar um colegiado, com mais dois juízes que são escolhidos por sorteio eletrônico.

"Foi tímida a resposta legislativa ao instituir tão somente o colegiado julgador, não preservando o sigilo da identidade dos magistrados, que continuarão sendo obrigados a assinar suas decisões", escreveu em 2012 o procurador de Justiça criminal Ricardo Antonio Andreucci, de São Paulo.

As varas colegiadas dependem de lei estadual. A especialização foi prevista em recomendação do CNJ, em 2006, na gestão de Ellen Gracie.

A vara de Alagoas foi aprovada no ano seguinte pela Assembleia Legislativa e sancionada no mesmo dia pelo então governador Teotônio Vilela Filho (PSDB). Para justificá-la, ele citou "o assassinato de deputado federal, o sequestro de magistrado e o envolvimento de deputados estaduais com atividades típicas de grupos de extermínio".

Em 2012, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) questionou no STF a constitucionalidade da vara de Maceió. Um ano antes, a então corregedora Eliana Calmon arquivara, por falta de provas, uma ação da seccional alagoana da OAB contra juízes da 17ª Vara.

"Quem ganha com a eventual extinção dessa vara é exatamente o crime organizado", afirmou o relator, ministro Luiz Fux. O STF manteve a vara alagoana, com ajustes em dispositivos da lei julgados inconstitucionais.

Em 2014, o então presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, José Carlos Malta Marques, disse que a vara colegiada contribuiu para que o estado deixasse de ser rotulado como a terra da "pistolagem" e dos crimes de mando.

O alagoano Humberto Martins, corregedor nacional de Justiça, diz que "é de interesse de toda a sociedade que esses juízes tenham a estrutura necessária para trabalhar sem temer pela sua segurança".

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