Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

'Falou que é Rio, vamos para o Rio', diz Flávio Bolsonaro sobre decisão do Supremo

Senador disse respeitar determinação do ministro Marco Aurélio para envio de investigações à Justiça do Rio

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Brasília

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) disse nesta sexta (1) que vai respeitar a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, que determinou o envio de investigação sobre movimentações financeiras de um de seus assessores para o Ministério Público do Rio de Janeiro.

"Respeito a decisão do ministro Marco Aurélio. Foi o que ele fez: dizer qual é o foro e esse foi meu questionamento. Falou que é Rio de Janeiro, vamos para o Rio de Janeiro", afirmou.

A declaração foi dada após a posse do congressista no Senado, que decidirá nesta terça quem será o presidente da Casa pelos próximos dois anos. Os senadores discutem se a eleição se dará por voto aberto ou secreto. A primeira hipótese favoreceria a vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP) e a segunda, a de Renan Calheiros (MDB-AL), considerado favorito até o início do dia.

Questionado pela Folha, Flávio Bolsonaro declarou ter assinado documento pelo voto aberto.

O senador negou que tenha pedido foro especial para si. Argumentou apenas que, na reclamação apresentada ao Supremo, solicitava ao ministro que avaliasse qual era a instância judicial competente para o trâmite do caso.

"A verdade é o seguinte: nunca fui pedir foro privilegiado. Cumpri a legislação, cumpri a decisão do Supremo, que é a autoridade responsável por analisar caso a caso, qual é o foro competente, foi a única coisa que fui pedir", alegou.

O senador disse que permanece ainda alguma controvérsia sobre se o caso deve tramitar perante a primeira ou a segunda instância da Justiça no Rio de Janeiro. "Não há uma definição sobre isso ainda. Onde tiver que ir, eu irei", comentou.

O Ministério Público do Rio de Janeiro investiga desde julho do ano passado, com base em relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), movimentações financeiras atípicas de R$ 1,2 milhão feitas por um ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio, Fabrício Queiroz. Entre elas, consta repasse de R$ 24 mil para a primeira dama, Michelle Bolsonaro.

No mês passado, o então senador eleito pediu ao Supremo que analisasse a possibilidade de foro perante a corte, pois ele já havia sido diplomado congressista. Além disso, solicitou que as provas fossem consideradas ilegais.

Depois disso, o Jornal Nacional mostrou que um relatório do Coaf aponta movimentações suspeitas do próprio Flávio Bolsonaro.

O ministro Luiz Fux concedeu liminar suspendendo a investigação até a volta do relator da reclamação, Marco Aurélio, do recesso do Judiciário.

Marco Aurélio arquivou o processo justificando que não cabe foro especial perante o Supremo, pois Flávio Bolsonaro era deputado estadual à época dos fatos. Ele não analisou o pedido de anulação das provas.

Entenda o caso

​A atual crise em torno do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho de Jair Bolsonaro, jogou luz na antiga e ainda pouco esclarecida relação da família do presidente da República com as milícias do Rio de Janeiro.

Segundo relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ligado ao Ministério da Justiça, Fabrício Queiroz, que era policial militar e motorista do filho de Bolsonaro, movimentou R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017 —entraram em sua conta R$ 605 mil e saíram cerca de R$ 600 mil.

Além desse valor, considerado incompatível com o patrimônio de Queiroz, chamaram a atenção dos investigadores o volume de saques (que chegaram a cinco num mesmo dia) e o fato de ele ter recebido repasses de oito funcionários do gabinete de Flávio.

O pagamento de outros funcionários a Queiroz sugere a possibilidade de pedágio no gabinete, também apelidada de "rachadinha", que ocorre quando alguém determina a retenção de uma parte dos salários de servidores nomeados. Em tese, essa situação pode configurar o crime de peculato (desvio de dinheiro público). Queiroz e Flávio negam a prática. 

Em entrevista ao SBT, em dezembro, Queiroz atribuiu a movimentação a negócios particulares, como a compra e venda de automóveis. Reportagem do jornal O Globo afirma que, além do R$ 1,2 milhão inicialmente revelado, passaram por sua conta corrente mais R$ 5,8 milhões nos dois exercícios anteriores, totalizando R$ 7 milhões.

Fabrício Queiroz, que foi nomeado em 2007 e deixou o gabinete de Flávio no dia 15 de outubro de 2018, é amigo de longa data do atual presidente. Entre as movimentações milionárias que chamaram a atenção na conta de Queiroz está um cheque de R$ 24 mil repassado à primeira-dama, Michelle Bolsonaro. 

Segundo o presidente, esse montante chegava a R$ 40 mil e o dinheiro se destinava a ele. Essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda. Jair Bolsonaro afirmou ainda que os recursos foram para a conta de Michelle porque ele não tem "tempo de sair".

Segundo revelou o jornal O Globo, quando o escândalo veio à tona, Queiroz se escondeu na comunidade do Rio das Pedras, berço das milícias cariocas, onde sua família operaria um negócio de transporte alternativo (atividade tipicamente controlada por milicianos). 

Em meio à apuração do caso Queiroz, o Coaf apontou que Flávio Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 48 depósitos, em dinheiro, em junho e julho de 2017, sempre no valor de R$ 2.000, totalizando R$ 96 mil. De acordo com reportagem do Jornal Nacional sobre o caso, os depósitos foram feitos no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Alerj, e os remetentes não foram identificados.

Em entrevista à TV Record, ele disse que recebeu dinheiro em espécie pela venda de um imóvel e que depositou R$ 2.000 por ser o limite no caixa eletrônico.

A situação do senador eleito ficou mais complicada com a revelação de que seu gabinete na Assembleia mantinha como funcionárias a mãe e a mulher de Adriano da Nóbrega, um ex-policial militar suspeito de comandar uma milícia na zona oeste do Rio de Janeiro, acusada de sequestrar, torturar e assassinar pessoas, além de explorar mercado imobiliário clandestino e extorquir moradores de comunidades carentes.

Segundo Flávio, Queiroz, seu motorista, estaria por trás da contratação da mãe e da mulher do ex-PM para o gabinete da Assembleia. A defesa de Queiroz confirma essa versão. Alvo de operação policial, Adriano  está foragido.

Fabrício Queiroz foi assessor de Flávio Bolsonaro por mais de dez anos
Fabrício Queiroz foi assessor de Flávio Bolsonaro por mais de dez anos - Reprodução/Facebook

MILÍCIAS

Uma série de discursos do atual presidente e de seus filhos aponta que a família Bolsonaro minimizou, ao longo dos anos, a gravidade das ações de milícias —além de ter defendido e exaltado policiais suspeitos de atuação criminosa nesses grupos. 

O ex-PM Nóbrega, hoje foragido, estava preso quando foi homenageado por Flávio com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria da Assembleia Legislativa, conforme mostrou a Folha.

Em janeiro de 2004, Nóbrega foi preso preventivamente, acusado pelo homicídio do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24. O então policial chegou a ser condenado no Tribunal do Júri em outubro de 2005, mas conseguiu recurso para ter um novo julgamento, foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte.

Nesse meio-tempo, em junho de 2005, Flávio considerou Nóbrega merecedor da homenagem. Entre outras razões, de acordo com Flávio, por esse PM ter êxito ao prender 12 "marginais" no morro da Coroa, no centro, além de apreender diversos armamentos e 90 trouxinhas de maconha.

Flávio Bolsonaro já havia homenageado o policial em outubro de 2003, quando apresentou moção de louvor em seu favor. Segundo o senador eleito, Nóbrega desenvolvia sua função com "dedicação, brilhantismo e galhardia".

Nóbrega também foi destaque de um discurso de Jair Bolsonaro, conforme mostrou a Folha. No plenário da Câmara dos Deputados, em 2005, o então deputado federal afirmou que Nóbrega era um “brilhante oficial” e criticou um coronel que depôs contra o acusado, relatando ao júri o resultado de uma sindicância interna da PM.

“Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente [Nóbrega], acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele [Nóbrega] sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”, afirmou Bolsonaro, segundo registros da Câmara.

Na ocasião, ele relatou ter sido aquela a primeira vez que assistira a um julgamento do Tribunal do Júri. Ele foi deputado de 1991 a 2018, tendo sempre como bandeira a defesa de policiais.

No caso de Flávio, há ao menos outro episódio em que seu nome se misturou ao de milicianos. No ano passado, a polícia desbaratou uma quadrilha especializada em extorsões. Entre os presos estavam dois ex-PMs que teriam atuado como segurança em eventos do então candidato a senador.

O presidente Jair Bolsonaro, quando deputado federal, chegou a proferir críticas à CPI das Milícias, realizada pela Alerj. Ele defendeu que alguns policiais militares são confundidos com milicianos por organizar a segurança da própria comunidade, mas que não praticam extorsão.

"Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de 'gatonet', venda de gás ou transporte alternativo. Então, sr. Presidente, não podemos generalizar."

À época da criação da CPI, em 2008, Flávio Bolsonaro também minimizou a gravidade das milícias. "[O policial militar] É muito mal remunerado, precisa buscar outras fontes e vai então fazer segurança privada, vai buscar atividades que muitas vezes são reprováveis pela opinião pública, pela imprensa", disse na Alerj.

O então deputado estadual afirmou que "não raro é constatada" a felicidade dos moradores de comunidades supostamente dominadas por milicianos. 

"Não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública."

MARIELLE

Entre as principais atividades criminosas praticadas pelos milicianos, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, estão a grilagem, construção, venda e locação ilegal de imóveis —motivo pelo qual a vereadora Marielle Franco teria sido morta, conforme afirmou no ano passado o ex-secretário de Segurança Pública general Richard Nunes.

Há a suspeita de que os assassinatos da parlamentar e de seu motorista Anderson Gomes tenham sido cometidos pelo braço armado da milícia que atua na zona oeste do Rio, por receio de que ela atrapalhasse os negócios. O Ministério Público não confirmou a ligação, mas disse que a hipótese não é descartada.

Um dos elementos que sustentam essa tese é que o Chevrolet Cobalt usado pelos matadores de Marielle foi abastecido em um posto de gasolina em Rio das Pedras na véspera do crime. Seis testemunhas também citam Adriano Nóbrega no inquérito do caso ainda não concluído, segundo ​o site The Intercept Brasil.

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