Descrição de chapéu Folha, 98

Ideia de que devemos ter orgulho de onde nascemos é bizarra, diz Contardo Calligaris

Para Nizan Guanaes, no Brasil proposta de reforma da Previdência é motivo de orgulho

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São Paulo

Dá para ter orgulho de ser brasileiro? Ao tentar responder à pergunta, os colunistas da Folha Contardo Calligaris e Nizan Guanaes, que participaram de debate na sede do jornal na sexta-feira (22), optaram por caminhos e interpretações diferentes.

Para Contardo, que é psicanalista, a reunião do ser humano em grupos, incluindo a identificação de milhões de pessoas com um sentimento patriótico, é essencialmente detestável. “O grupo é a raiz do mal, confio apenas em indivíduos separados. Anos atrás em Brasília, cinco adolescentes acharam divertido atear fogo em um índio. Nenhum deles teria feito isso se estivesse sozinho. A estupidez humana piora em grupo”, afirmou.

Segundo o colunista, nascido na Itália, apesar de ser possível sentir orgulho de ações e momentos históricos específicos —dando o exemplo, em seu caso, dos Cinco Dias de Milão, evento que iniciou a Primeira Guerra de Independência Italiana—, a ideia de que devemos ter determinadas opiniões por causa do lugar onde nascemos é bizarra.

Movimentos de exaltação do patriotismo, a exemplo do “Brasil acima de tudo” que marcou a campanha do presidente Bolsonaro, "costumam ser usados como forma de dar significado social a uma parte da população que não o tem", de acordo com o psicanalista. “O patriotismo pega momentos de subdesenvolvimento e entrega à massa que passa fome, que não tem nada, a pátria como a sua principal significação.”

Uma das coisas de que Contardo afirmou não sentir orgulho no Brasil são as tentativas artificiais de valorizar eventos históricos que não merecem. “Por exemplo, quando alguém vem me falar do grito do Ipiranga. É um cara atravessando um riacho sem nenhum risco pessoal. Independência ou morte? Qual morte? Morte de gripe?”

Mas ele faz uma ressalva à sua aversão a grupos. O raciocínio só se refere àqueles que se reúnem em torno de uma ideologia, como partidos políticos, excluindo movimentos sociais como o feminismo. “Você não encontra duas feministas que pensam da mesma forma, e acho isso ótimo. Fico feliz de viver no começo do século 21 porque a coisa mais significativa, interessante e revolucionária em toda a modernidade, desde a metade do século passado, é o feminismo”, afirmou.

Para Nizan, a questão é complexa. “Em breve 50% da humanidade viverá um tipo de vida que talvez os deixe orgulhosos de serem humanos. E os outros 50%, que antes estavam condenados à exploração, estarão fadados à irrelevância por conta da inteligência artificial. Então temos coisas maravilhosas produzindo coisas terríveis”, afirmou.

Ao reduzir o foco e analisar especificamente o Brasil atual, o publicitário/empreendedor disse se orgulhar da reforma da Previdência proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que, segundo o colunista, pode vir a garantir dez anos de prosperidade ao país. "O que não significa que eu ache esse governo bom. Tem um monte de problemas. Deixar o Acordo de Paris, por exemplo, é uma besteira."

Fake news foi outro tema do debate. Para Contardo, a guerra entre as notícias falsas e o jornalismo será uma das grandes batalhas da sociedade nas próximas décadas. “Como as fontes de informação se enfraqueceram e as mídias favorecem as notícias falsas, a paranoia se tornou uma modalidade de pensamento comum e dominante”, afirmou.

Nizan diz que "hoje se faz a manipulação da mentira". "Se a pessoa é desinformada, continua-se a provê-la com desinformação, para que ela tenha elementos suficientes para continuar pensando errado.”

Sobre a polêmica envolvendo sua mulher, Donata Meireles, acusada de racismo após realizar uma festa de aniversário com negras fantasiadas de baianas, o colunista preferiu não comentar o caso específico.

"Evidentemente na resposta vou ter o viés da emoção. Nesta semana, o foco é a atriz Marina Ruy Barbosa, na anterior foi outra. São coisas que vão levar a consequências nefastas para nações, indivíduos e minorias”, disse.

O debate encerrou a programação de eventos nesta semana em comemoração dos 98 anos do jornal. A mediação foi feita pela repórter especial Patrícia Campos Mello.

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