Descrição de chapéu Lava Jato

OAS fez parceria com gigante francesa para escoar propina ao MDB, dizem delatores

Operação relacionada à usina de Angra 3 também funcionou para subornar altos funcionários da Eletronuclear

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São Paulo

A OAS fez uma parceria com uma gigante francesa do setor de energia nuclear para intermediar a propina que a multinacional europeia tinha que pagar no Brasil a políticos do MDB, segundo ex-executivos da empreiteira que assinaram acordo de delação premiada na Lava Jato.

Segundo os depoimentos de ao menos dois delatores, a operação também funcionou para subornar altos funcionários públicos da Eletronuclear, estatal responsável por operar e construir usinas termonucleares no Brasil.

Vista geral das obras da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ), em 2011
Vista geral das obras da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ) - Divulgação/Eletronuclear

Os ex-funcionários da Controladoria, nome dado ao setor responsável pelo caixa dois e os pagamentos de propina da empresa baiana, relataram cerca de 240 episódios de corrupção envolvendo a OAS. A delação premiada desses executivos foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Os delatores disseram que, em 2013, o grupo baiano montou uma empresa de logística em Viena, na Áustria, com o objetivo de auxiliar a Areva, empresa francesa do setor de energia nuclear, no pagamento de propina a políticos do MDB e funcionários públicos brasileiros ligados às obras da usina de Angra 3.

A Areva, que no ano passado foi vendida e hoje se chama Framatome, assinou, em 2013, um contrato de 1,25 bilhão de euros (R$ 5,23 bilhões) para fornecer equipamentos e serviços de engenharia, além de instrumentação digital e sistema de controle para a usina.

Até então a construção de Angra 3, iniciada no final dos anos 1980, estava parada. Em 2010, o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resolveu retomar as obras e, em vez de fazer novas licitações para a retomada das atividades, optou por "atualizar" os contratos feitos em 1983, no governo de João Figueiredo. A Areva ficou responsável pelo fornecimento de tecnologia da usina, como reatores nucleares.

Segundo os delatores da OAS, em Angra 3 se repetiu o esquema de divisão de propinas que era usado nos contratos feitos com a Petrobras. Do valor de cada obra era descontado 5% para pagamento de suborno. Metade ia para políticos MDB e metade para a "casa", ou seja, funcionários da estatal Eletronuclear.

Os delatores não nomearam os políticos e funcionários públicos que receberam o suborno, mas apontaram o nome de um operador do MDB que era responsável pela intermediação. A Folha não conseguiu confirmar a identidade desse operador.

Segundo os depoimentos, a companhia francesa não estava recebendo pelos serviços prestados na obra da usina justamente porque estava com dificuldades em gerar caixa dois para honrar o compromisso com os agentes públicos corruptos.

O problema da Areva, segundo os colaboradores da Lava Jato, começou a ser solucionado quando os executivos da OAS conheceram um lobista franco-argentino chamado Nuno, que dizia representar os interesses da companhia francesa.

Nuno teria relatado as dificuldades da empresa em Angra 3 e pediu para ser apresentado ao diretor responsável pela área de energia na OAS. O contato foi feito e ficou decidido que a companhia baiana criaria uma filial na Áustria exclusivamente para prestar serviços à Areva.

Em 2013, então, foi fundada a OAS Energy, que, segundo os delatores, imediatamente assinou um contrato superfaturado com a Areva para fornecimento do serviço de logística para a empresa francesa, que precisava enviar peças e reatores ao Brasil.

O contrato foi superfaturado e ultrapassou 116 milhões de euros. O serviço de entrega do material para as obras de Angra 3 foi realizado pela OAS Energy, mas, segundo os delatores, pelo menos metade do valor pago no contrato virou caixa dois para pagamento de propina.

A empreiteira recebeu esse pagamento na Europa e posteriormente doleiros que prestavam serviços à OAS foram acionados para distribuir a propina no Brasil. Os delatores dizem que os pagamentos de suborno aconteceram a partir de 2013, no governo da presidente Dilma Rousseff (PT).

Para a OAS, esse negócio era vantajoso porque, além de lucrar com a operação, a companhia baiana fazia caixa dois na Europa para pagar agentes corruptos de países africanos em que a empreiteira atuava.

A Lava Jato já havia avançado sobre ex-dirigentes da Eletronuclear. O almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, que presidiu a estatal entre 2005 e 2015, foi preso duas vezes na operação e hoje está condenado a 43 anos de prisão após ser acusado de pelos crimes de lavagem de dinheiro, embaraço a investigações, evasão de divisas, corrupção e organização criminosa.

Segundo a Procuradoria, Othon recebeu R$ 4,5 milhões em propinas por conta de contratos com as empreiteiras Andrade Gutierrez e Engevix para a construção da usina nuclear Angra 3.

Outro lado

Em nota, a Framatome, novo nome da Areva, "confirma que um contrato entre a Areva NP e a OAS Energy foi firmado em outubro de 2013". "Em função da reorganização do setor nuclear francês, a maioria dos ativos da Areva NP, incluindo o referido contrato, foi transferida para a Framatome no final de dezembro de 2017. A Framatome não tem conhecimento de nenhuma investigação sobre o referido contrato", diz a mensagem.

A OAS disse que tem contribuído com as autoridades competentes e com a Justiça, prestando todos os esclarecimentos. "Entretanto, não temos conhecimento ou qualquer relação com depoimentos de ex-executivos da companhia", diz o informe.

A Eletronuclear disse, em nota, que numa investigação independente foram registrados ajustes relacionados a atos ilícitos praticados.

"Os executivos da Eletronuclear apontados na Operação Lava Jato como integrantes do esquema de corrupção na construção de Angra 3 foram imediatamente afastados da companhia e foram propostas pelo Ministério Público as respectivas ações penais para apuração de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que ainda se encontram em andamento" diz.

"As obras relacionadas à construção da usina foram imediatamente interrompidas, com a suspensão dos respectivos contratos", completa.

O diretório nacional do MDB não quis se manifestar.

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