'PSDB paz e amor' prometido por Doria exigirá superação de mágoas após dura eleição

PSDB flertou com direita e esquerda ao longo de toda a sua história

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São Paulo

João Doria não terá vida fácil para concretizar seu discurso de que o PSDB agora manterá “relações respeitosas” com siglas desde a extrema direita até a extrema esquerda.

Depois de dinamitar pontes com legendas como o PT durante a passagem pela prefeitura da capital e a campanha para governador de São Paulo, o tucano quer apaziguar.

Mas precisará, na avaliação de observadores do cenário político, que muitas mágoas sejam superadas.

O governador João Doria (PSDB) e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) em reunião em Brasilia, em novembro de 2018; tucano pregou voto BolsoDoria durante a campanha - Reprodução/Twitter

No pano de fundo da movimentação estão suas pretensões para 2022 —Doria é desde já cotado como candidato à Presidência. Se o plano for esse, cairá bem chegar lá com uma imagem que o diferencie de Jair Bolsonaro (PSL), mais beligerante com opositores.

O governador começou a imprimir o novo tom da legenda já no discurso da vitória, quando falou que ela passará a ter posições claras: “No meu PSDB, acabou o muro”.

Há alguns dias, disse à Folha que o partido será de centro. “E terá relações respeitosas com a esquerda e com a direita, seja centro-direita, extrema direita, centro-esquerda, extrema esquerda. Um partido de diálogo, mas com posições claras e bem definidas.”

Doria fala do lugar de quem teve o resultado mais significativo do PSDB na campanha de 2018. Ganhou apertado de Márcio França (PSB) no segundo turno, enquanto seu padrinho político, Geraldo Alckmin (PSDB), chorava a derrota na corrida pelo Planalto.

Alckmin ainda ocupa a presidência da sigla, mas deve ceder lugar a um aliado de Doria, fortalecido internamente após a conquista em São Paulo.

O discurso moderado, que passou a ser repetido nas últimas semanas, pode ser ouvido também na boca de outros líderes em evidência no partido, como o prefeito da capital paulista, Bruno Covas (que herdou a cadeira de Doria), e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

O esforço para ampliar o diálogo com diferentes correntes remonta, para o cientista político Carlos Melo, ao PSDB original —que nasceu de centro-esquerda, inspirado na social-democracia europeia.

“Doria está tentando ficar com mais cara de PSDB”, afirma o professor do Insper. “Não o PSDB de cima do muro, do Alckmin, que não tomava decisão em nada, mas aquele PSDB do Fernando Henrique Cardoso, do [Mário] Covas, que tinha uma perspectiva econômica liberal e preocupação social.”

Para Melo, o cálculo do governador é que “esse surto de direita que elegeu Bolsonaro talvez passe” e o caminho para uma voz moderada se abra.

“Se ele, depois de pregar o voto BolsoDoria, vai conseguir ou não, a história vai contar.”

Em política, lembra a professora Simone Diniz, coerência é tudo —e aí reside o principal obstáculo a ser superado. “Há um elemento central que é a confiança, o quanto o seu discurso é crível. É difícil ficar com um pé em cada canoa”, diz a cientista política da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos).

“Acho pouco provável que agora ele consiga aprofundar laços com a esquerda ou a extrema esquerda. Ele afastou os eleitores desse campo.”

Nas mudanças recentes do secretariado municipal, Bruno Covas iniciou um flerte. Nomeou para a Educação João Cury Neto, próximo do ex-governador França (PSB), e colocou na Cultura um ex-filiado do PSOL, Alê Youssef.

O momento é de metamorfose na sigla, que “já está em crise há muito mais tempo”, diz o cientista político Glauco Peres, da USP. “O símbolo maior foi a eleição de 2010, quando [José] Serra começou a falar de aborto, religião, temas que nada tinham a ver com o partido em sua fundação.”

Na opinião dos analistas, vários fatores contribuíram para a diluição do DNA tucano: 1) a aliança com o PFL para a eleição de FHC significou abraçar uma sigla de egressos da sustentação do regime militar; 2) jogado para a oposição com a ascensão do PT, o PSDB assumiu o lugar da direita; 3) tragado pela crise dos partidos, sucumbiu diante do fenômeno Bolsonaro e se esvaziou.

“Os tucanos sofreram fortemente na eleição, mas devem voltar a uma trajetória ascendente. Existe uma máquina partidária que sabe participar das eleições”, diz Peres.

Presidente do PSDB Esquerda pra Valer —movimento de filiados com 5.500 integrantes—, Fernando Guimarães Rodrigues põe fé na guinada de Doria. “O desafio é manter as nossas raízes e buscar sintonia com a sociedade”, diz ele. Põe também panos quentes na brusca mudança do governador. “No momento da campanha, é normal ter posicionamentos mais acalorados.”

Procurados pela Folha para comentar o presente e o futuro da sigla, pensadores historicamente ligados ao PSDB declinaram do convite.

O cientista político Bolívar Lamounier, um dos fundadores da legenda, mandou dizer que “não gostaria de falar sobre partidos no momento”.

O historiador Boris Fausto, simpático ao grupo de FHC no partido, respondeu: “Estou distante do PSDB. Não sou a melhor pessoa para atendê-lo”.

Tempos de reacomodação.

 

PSDB flertou com direita e esquerda ao longo de sua história

AS ORIGENS

  • Legenda é criada em 1988 por dissidentes à esquerda do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Proposta era ser um partido social-democrata de centro-esquerda
  • No ano seguinte, Mário Covas, fundador e primeiro presidente da sigla, disputa a eleição presidencial, a primeira a ser realizada no país por via direta desde 1960. Apoia Lula (PT) no segundo turno

A CHEGADA AO PODER

  • Fernando Henrique Cardoso se alia ao PFL, futuro Democratas, e vence a eleição para a Presidência. A aliança enfrentou resistência, já que o PFL tinha em seus quadros egressos do regime militar
  • Com um discurso conciliador, aliando seu passado de esquerda e uma agenda neoliberal, Covas é eleito em 1994 governador de São Paulo, dando início à hegemonia do PSDB no estado —são sete vitórias seguidas

NA OPOSIÇÃO

  • Com a chegada de Lula ao poder, em 2003, o PSDB passa a fazer oposição sob liderança de Aécio Neves, papel que ocuparia até 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Relação com o governo Michel Temer (MDB) foi ambígua

CHEGA MAIS

  • Geraldo Alckmin convida Márcio França (PSB), em 2014, para vice na disputa pelo governo paulista, gesto que foi considerado um aceno à esquerda

VAI PRA LÁ

  • João Doria assume em 2017 a Prefeitura de São Paulo e, com planos de disputar a Presidência, passa a antagonizar com Lula, dando início à sua forte retórica anti-PT

VOLTA ÀS ORIGENS?

  • Doria é eleito governador de São Paulo em 2018 após campanha com forte tom antiesquerda e associação a Jair Bolsonaro (PSL). Já no cargo, diz que o partido voltará a ser de centro
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