Descrição de chapéu Lava Jato

Caixa eleitoral é abordado em quase 30% das sentenças da Lava Jato

Envio de casos à Justiça Eleitoral deixa sob incerteza ações julgadas por Moro

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São Paulo e Curitiba

Pelo menos 14 de 48 sentenças já proferidas na Lava Jato em Curitiba desde 2014 têm conexão com suspeitas sobre caixa dois e financiamento de campanha, o que pode provocar contestações de defesas com base na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) favorável à remessa de casos para a Justiça Eleitoral.

Entre esses processos, há condenações que tratam doações oficiais de campanha como atos de corrupção; acusações de desvios na Petrobras para bancar gastos eleitorais; e delações que relatam uma mistura do caixa de propina de empreiteiras entre propina para benefício pessoal de políticos e verba para eleição.

As duas sentenças que condenaram o ex-presidente Lula no Paraná estão dentro dessa última circunstância. No caso do sítio de Atibaia (SP), em que o ex-presidente recebeu pena de 12 anos e 11 meses em fevereiro, os advogados já haviam defendido durante o processo o envio do caso para a Justiça Eleitoral. 

No processo do sítio e no do tríplex de Guarujá (SP), a acusação aponta a existência de um caixa geral de propinas de empreiteiras, descrito pelos próprios ex-executivos das empresas, destinado ao PT.

Nessa espécie de conta-corrente, com origem em percentuais de contratos de obras públicas, o dinheiro para benefício pessoal de políticos ou para financiamento de campanhas estava reunido sem distinção.
Por 6 votos a 5, o Supremo decidiu no último dia 14 que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados juntos com caixa dois, devem ser processados na Justiça Eleitoral, e não na Federal, o braço do Judiciário responsável pela Lava Jato desde o seu início.

O efeito concreto sobre casos da operação iniciada no Paraná ainda é incerto.

Na Lava Jato, são recorrentes os relatos de mistura entre o dinheiro para campanhas e o que vai para benefícios individuais. Personagem da primeira e decisiva delação da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou em seus depoimentos que um percentual de 2% dos contratos de sua área ia para o PT e outro 1% para o PP, sem distinguir se as verbas eram para campanha ou não. Relato parecido foi repetido pelo ex-gerente na estatal Pedro Barusco.

Com o avanço das investigações, detalhes dessas supostas remessas para partidos foram sendo revelados. 

Em uma das fases da Lava Jato mais rumorosas durante o governo Dilma Rousseff, em 2016, foi preso o marqueteiro do PT João Santana sob suspeita de receber no exterior, por campanhas para o partido, pagamentos com recursos de construtoras. Hoje delator, ele foi duas vezes condenado por lavagem de dinheiro.

O ex-ministro Antonio Palocci, em uma dessas ações, recebeu pena de 12 anos e dois meses de prisão por gerenciar uma conta de propinas da Odebrecht com o PT.

Em outro caso ligado ao financiamento de campanha, o doleiro Alberto Youssef, outro delator primordial da operação, contribuiu para a condenação do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), ao relatar entregas de dinheiro que aumentaram em 2010, quando a filha do político foi candidata.

Fora desse roteiro, estão ações que geralmente não envolvem beneficiários políticos, como processos que acusam operadores financeiros e suborno para ex-executivos.

Houve ainda quem usasse o argumento de uso de dinheiro sob suspeita em campanha como álibi, como o ex-deputado pelo PT Paulo Ferreira, que ainda em 2018 disse que Curitiba era um “juízo incompetente” —ou seja, que não tem poder sobre o caso. A defesa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, que também foi condenado em Curitiba, adotou estratégia parecida.

O ex-juiz Sergio Moro, à frente da Lava Jato no Paraná até novembro, rebatia argumentos desse tipo com veemência: se há acerto com agentes públicos, se trata de corrupção. 

Seu ex-colega de segunda instância, o juiz João Pedro Gebran Neto, demonstrou concordar com o raciocínio. “Não faz diferença se foi para o bolso ou se foi para a campanha. O problema não é para onde vai [o dinheiro], mas de onde vem”, disse durante o julgamento de Lula, em 2018.

A possibilidade de anulação de ações já julgadas por causa do novo entendimento do Supremo já foi levantada por autoridades como o procurador Deltan Dallagnol, no Paraná, e o juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato do Rio.

A crítica principal deles é sobre a falta de estrutura para julgar crimes financeiros da Justiça Eleitoral, ramo do Judiciário responsável por organizar eleições. Também afirmam que a medida altera um modelo de investigações que tem sido bem-sucedido.

Voto favorável à medida do STF, o ministro Marco Aurélio Mello disse, após o julgamento do caso na corte, que “decisões proferidas por órgão incompetente” não subsistem.

 

Na semana passada, o novo entendimento do Supremo repercutiu na operação que deteve o ex-presidente Michel Temer (MDB). Bretas, ao mandar prender Temer, se antecipou e já rejeitou na decisão qualquer elo do caso com crimes eleitorais, evitando assim a mudança de juízo. Um dos presos com o emedebista, o ex-ministro Moreira Franco, porém, encaminhou pedido com argumento na direção exatamente oposta ao STF.

Na Lava Jato no Paraná, especialistas ouvidos pela reportagem dizem que a repercussão nas sentenças ainda é indefinida porque o Supremo pode delimitar no acórdão ainda não publicado a amplitude de sua decisão. Uma hipótese seria definir que casos em tramitação avançada fiquem na jurisdição de origem, enquanto novos processos iriam para a Justiça Eleitoral.

O advogado Luiz Flávio Borges D’Urso, que defende um dos mais longevos presos da Lava Jato, o ex-tesoureiro petista João Vaccari, já analisa pedir a anulação de sentenças contra seu cliente. “Pode parecer inusitado na Lava Jato, mas não é. Todas as decisões, independentemente do tempo, da tramitação, que forem proferidas por juízo incompetente, têm que ser anuladas, e o processo refeito.”

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