Documentos indicam que EUA previam eleição após golpe de 1964

Após a queda de João Goulart, CIA afirma que regime manteria eleições livres em 65

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São Paulo

Documentos da CIA e do Departamento de Estado do Estados Unidos, tornados públicos nos últimos anos, apontam que o governo americano acreditava que os militares brasileiros manteriam o calendário eleitoral após o golpe de 1964.

No entanto, com o avanço da repressão nos anos seguintes e as edições de atos institucionais, a gestão Lyndon Johnson se arrependeu de não ter se afastado do regime iniciado pelo ex-presidente Castello Branco (1964-1967).

A divulgação dos documentos foi feita em rede social pelo professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas) Matias Spektor, colunista da Folha, e pelo pesquisador da instituição Vitor Sion, doutorando pela Unesp.

Tanque do Exército nas ruas de São Paulo, em 1964 - João Marques/Folhapress

Pouco após o golpe de 31 de março, em 22 de abril de 1964, documento assinado pela chefia da CIA diz que "em boa medida pelo nosso respeito às habilidades dele [Castello], nós estimamos que o regime interino provavelmente conseguirá sobreviver e manter eleições livres em outubro [de 1965]".

A ficha começou a cair em 1965, especialmente após a edição do Ato Institucional nº 2, que determinava em definitivo eleições indiretas para presidente, dissolvia os partidos que atuavam na época e aumentava o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, entre outras medidas.

Em telegrama do então embaixador americano Lincoln Gordon que descrevia ao Departamento de Estado uma conversa que teve com Castello Branco, ele afirma que o impacto do AI 2 nele foi de "choque e tristeza".

"Eu fiquei chocado com a extensão dos poderes arbitrários tomados por meio do ato e entristecido com o fato de que isso simbolizava um grande revés no esforço dele [Castello Branco], que as autoridades americanas acompanhavam com grande simpatia, em trazer a total normalidade constitucional sem comprometer os princípios básicos da revolução", diz o texto.

Nos anos seguintes, já no governo Costa e Silva (1967-1969), os EUA voltam a relatar que o aparelho repressivo vinha engrossando. Em 1968, no apagar das luzes do governo Johnson e com o republicano Richard Nixon já eleito, os americanos resolveram suspender a transferência de ajuda financeira ao Brasil.

"Mas, depois disso, chega o governo Nixon e redobra a aposta na ditadura", afirma Matias Spektor. Segundo ele, a principal revelação desses documentos é a percepção do governo norte-americano de que "cometeu um erro de avaliação que ao apoiar o marechal Castello Branco".

Em um documento de 25 de dezembro de 1968, dias após o AI 5, o secretário de Estado Dean Rusk faz uma autocrítica sobre a relação que teve com o regime brasileiro.

"Em retrospectiva, acreditamos que erramos após o ato de outubro de 1965 em não nos afastarmos da nossa associação e identificação pública com o governo de Castello", afirmou.

Segundo ele, o Brasil foi incapaz de obter sucesso com a tentativa de "democracia meio que aberta" entre 1945 e 1964 e "agora perdeu a chance —ao menos no presente— de seguir adiante mesmo debaixo de uma democracia semiautoritária".

No ano passado, Spektor já havia publicado outros documentos liberados pelo governo americano sobre a ditadura. Neles, a CIA diz que o ex-presidente Ernesto Geisel  (1974-1979) aprovou a continuidade de uma política de "execuções sumárias" de adversários.

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