Presidente de clube militar diz haver 'mimimi' sobre celebrar golpe de 1964

Em almoço, militares também chamaram a Comissão da Verdade de Comissão da Mentira

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Rio de Janeiro

Lá para o final da conversa, o brigadeiro Marco Antonio Carballo Perez resume qual é, afinal, o intuito de um encontro que não pouparia o Ministério Público Federal, a ex-presidente Dilma Rousseff e a Comissão Nacional da Verdade ("Comissão da Mentira").

"Vamos voltar a fita um pouquinho: nós não estamos aqui para fazer um julgamento dos 21 anos do governo militar. Estamos aqui para fazer um comentário desse mimimi que está acontecendo porque o presidente Bolsonaro autorizou o ministro da Defesa a [deixar] que os militares comemorassem a revolução de 1964."

Perez, que comanda o Clube da Aeronáutica, divide o sofá com os presidentes do Clube Militar (onde estamos), general Eduardo José Barbosa, e do Clube Naval, o vice-almirante Rui da Fonseca Elia. Nesta quinta-feira (28), lembrariam com três dias de antecedência, num almoço para sócios do Clube Militar, os 55 anos daquilo que o brigadeiro chamou de revolução: o golpe militar que inaugurou no Brasil uma ditadura que se estendeu de 1964 a 1985.

O presidente Jair Bolsonaro participa, ao lado do vice presidente general Hamilton Mourão, de cerimônia em comemoração ao aniversário da Justiça Militar da União - Pedro Ladeira/Folhapress

Antes do garfo, a trinca de oficiais da reserva se reuniu com jornalistas para dar sua visão dos acontecimentos, isso na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro determinou ao Ministério da Defesa que as unidades militares fizessem as "comemorações devidas" do ano inaugural do regime militar.

Nesta quinta, também o presidente voltou a fita um pouquinho: disse que a ordem não foi para "comemorar, foi rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro".

O general Eduardo, que sucede o hoje vice-presidente Antonio Hamilton Mourão, um general quatro estrelas como ele, no comando do Clube Militar, passou parte da conversa contemporizando a ideia de celebração.

Claro que ninguém quer se regozijar por mortes que, sim, aconteceram naquele período. Mas não se pode usar exceções do regime (fala de mortes e torturas praticadas pelos militares) como régua. 

Aliás, "tem que agradecer aqueles que tomaram a decisão em 1964", diz o general, que foi da mesma turma de 1977 da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) que o capitão reformado Bolsonaro (mas eles não conviveram, e do ex-colega Eduardo só lembra do apelido Cavalão, por causa do porte físico robusto).

Ele argumenta que, se hoje temos democracia, é graças à ditadura, porque a alternativa era correr o risco de ser engolido pelo comunismo que se via em Cuba, na Rússia, na China. "De 1985 pra cá tudo piorou", diz, afirmando que no país se vê hoje "um estado quase de anarquia". Hoje, diz, perigaríamos virar uma Venezuela.

O vice-almirante Elia pede a palavra, "no limiar dos meus 80 anos", para afirmar que o que os militares fizeram, fizeram "no sentido de evitar o mal maior".

Ele diz que "pode ter havido tortura aquilo ou ali", mas que mesmo o conceito de tortura pode ser relativizado. Ela pode ser entendida como "técnica de interrogatório um pouco mais severo", segundo Elia.

A versão oficial do Estado brasileiro para a era militar absorve o que consta no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, de 2014: a ditadura matou ou desapareceu com 434 acusados de dissidência política e mais de 8.000 indígenas.

"Chamo de Comissão Nacional da Mentira", afirma o vice-almirante, que critica a composição do grupo convocado para investigar crimes da ditadura, todos, ao seu ver, mancomunados com o "outro lado".

Ele aponta que Desmond Tutu, que liderou a Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul pós-apartheid, "leu os dois lados e chorou quando os negros falaram da atrocidade que fizeram contra os brancos".

Em 1998, a comissão sulafricana acusou por violações de direitos humanos tanto as autoridades do regime racista vigente o país até 1994 quanto organizações e líderes negros que lutaram contra a segregação.

O general Eduardo questiona por que Dilma não foi presa, se a Comissão da Verdade realmente estava interessada em punir os dois lados. 

Em seguida, Elia questiona se Dilma, a ex-guerrilheira que virou presidente, foi mesmo torturada. Em 2001, nove anos antes de chegar ao Planalto, ela contou ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais que militares a submeteram a pau de arara, choques elétricos, espancamento e palmatória.

Eduardo defende o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores da ditadura. Já reverenciado por Bolsonaro e Mourão, Ustra ganhou homenagem do Clube Militar em 2015. Para o atual presidente da instituição, que é privada, ele "cumpriu a missão atribuída a ele, ninguém está falando da exceção".

O general faz pouco caso do Ministério Público Federal, que na terça (26) divulgou uma nota reservando "repúdio social e político" a eventuais celebrações do golpe militar e recomendando que as Forças Armadas não festejem a data.

"Se a gente fosse levar ao pé da letra o que o MPF recomendou, o MPF devia proibir estudo de história nas escolas. Quando a gente estuda qualquer tipo de conflito qualquer tipo de guerra a gente tá falando de matanças de coisa ruim de morte."

Para o brigadeiro Perez, há algo de peculiar na história do Brasil: é a esquerda quem teria monopolizado a narrativa sobre as duas décadas sob jugo militar. "No mundo inteiro quem conta a história são os vencedores. Só neste país os vencidos estão contando a história há 34 anos."

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