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Lava Jato

Soltura de Temer decorre de decisão frágil, não de sabotagem à Lava Jato

Prisão do ex-presidente foi feita com investigação inconclusiva sobre tentativa de depositar R$ 20 milhões

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São Paulo

Não acredite na teoria conspiratória de que a Lava Jato sai enfraquecida com a decisão de soltura do ex-presidente Michel Temer, que isso fere de morte a luta contra a corrupção.

A questão é muito mais simples e rasteira: o juiz Antonio Ivan Athié, da segunda instância, mandou Temer para casa porque a decisão do juiz federal Marcelo Bretas era muito frágil por não contemplar os fatos recentes que a lei exige para a decretação de prisão preventiva. Parece ser um ponto fora da curva no histórico da Lava Jato no Rio.

Há outro problema na investigação que resultou na prisão. Ela foi apressada e inconclusiva ao menos em um fato recente que, se provado, justificaria a prisão de João Baptista Lima Filho, apontado pelos investigadores como operador de recursos ilícitos de Temer há 40 anos, e eventualmente do ex-presidente.

 

Os procuradores relatam no pedido que houve uma tentativa, em outubro de 2018, de depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo em conta de uma empresa do coronel Lima.

O banco não aceitou a dinheirama porque o depositante não sabia a origem dos recursos. A Lava Jato diz que ficou sabendo dessa tentativa por meio do Coaf, o órgão que recebe informações de bancos sobre operações suspeitas.

A apuração do fato era tão precária que não se sabe o nome de quem tentara fazer o depósito. Não havia uma mísera imagem de vídeo das câmeras do banco. Nada, enfim.

A procuradora Fabiana Schneider, que integra a Lava Jato do Rio, reconheceu a fragilidade da informação sobre a suposta tentativa: "Esse fato ainda precisa ser investigado e apurado. É apenas uma comunicação do Coaf, mas esse fato aconteceu em outubro de 2018. Ou seja, um fato extremamente recente", afirmou.

A tese sobre o enfraquecimento da Lava Jato ficou mais robusta após três derrotas da operação, no período em que ela completava cinco anos:

1) O ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a criação de um fundo que teria à disposição R$ 2,5 bilhões;

2) O STF decidiu que casos em que haja caixa dois e corrupção serão tratados na Justiça eleitoral, que tem uma estrutura precária, e não na Justiça Federal, como queriam os procuradores da Lava Jato;

3) O presidente do Supremo, Dias Toffoli, mandou abrir um inquérito para apurar fake news que pode atingir procuradores da operação que usaram as redes sociais para pressionar essa corte.

Nesses cinco anos, a Lava Jato tornou-se eletrizante como um filme policial, tocou numa questão central da democracia (a relação promíscua entre empreiteiras e políticos), mas cometeu uma série de ilegalidades, das quais a mais célebre talvez seja a decisão do ex-juiz Sergio Moro de divulgar conversas telefônicas entre os ex- presidentes petistas Dilma Rousseff e Lula.

O caminho para ilegalidades foi se estreitando nesses cinco anos. Prisões que Moro havia decretado no início da operação, com justificativas tão frágeis quanto as de Bretas no caso de Temer, já não são mais aceitas, sobretudo pelo Supremo.

O primeiro a vocalizar o incômodo com essas prisões foi o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, eleito pelos ativistas das redes como o inimigo número um da Lava Jato. Em março de 2015, quando a operação tinha um ano, Gilmar disse o seguinte num julgamento: "Estamos nos aproximando do limite em que a prisão preventiva se torna antecipação de execução".

Em fevereiro de 2017, ele voltou à carga: "Temos encontro marcado com essas alongadas prisões que se determinam em Curitiba".

Há duas visões ao menos sobre estratégias de combate à corrupção. Uma segue estritamente o que diz a lei para evitar que as decisões sejam reformadas. A outra acredita que a lei feita pelos políticos corruptos não basta.

A tolerância a ilegalidades da Lava Jato está diminuindo, mas isso não significa uma tentativa de sabotar a operação, como escreveu o juiz que soltou Temer:

"Reafirmo que sou a favor da operação chamada Lava Jato. Reafirmo também que as investigações, as decisões, enfim tudo que, não só a ela concerne mas a todas sem exceção, devem observadas as garantias constitucionais e as leis, sob pena de não serem legitimadas".

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