Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Em 100 dias, turbulências de Bolsonaro vão de tensão com o Congresso a crise no MEC

Escândalo das candidaturas de laranjas do PSL, partido do presidente, também marcou período

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São Paulo

​Os primeiros cem dias do governo de Jair Bolsonaro (PSL) foram fartos em polêmicas, recuos e casos de imobilidade política e administrativa.

Ainda sem base parlamentar, a gestão patina para obter apoio para seus projetos prioritários, como a reforma da Previdência. Além dos problemas de articulação política, o presidente enfrenta desgastes gerados por casos como o do esquema de candidaturas de laranjas no seu partido, o PSL, por disputas de poder entre seus próprios apoiadores e recuos sucessivos.

Veja abaixo as principais crises que surgiram no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios nestes primeiros cem dias de governo. ​

Desarticulação e derrotas no Congresso
Bolsonaro ainda não conseguiu formar algo que possa ser considerado como sua base parlamentar. Em seu discurso, o presidente diz que atua contra a “velha política” e se nega a conceder espaço no governo em troca de apoio no Congresso. Os parlamentares, por sua vez, já impuseram derrotas ao governo, como a revogação de mudanças na Lei de Acesso à Informação e a aprovação do Orçamento impositivo, considerada uma “pauta-bomba”.

Bolsonaro também vem colecionando desentendimentos com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao longo do mandato. O deputado chegou a afirmar que Bolsonaro “estava brincando de ser presidente” e que deveria “usar menos o Twitter”.

O presidente e Maia firmaram uma trégua, mas o deputado diz que cabe a Bolsonaro articular uma base no Congresso que permita a aprovação de temas de interesse do governo, como a reforma da Previdência.

Os problemas no Congresso também incluem conflitos dentro do próprio partido do presidente, o PSL, e queixas dos parlamentares em geral quanto ao diálogo com os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Santos Cruz (Secretaria de Governo), responsáveis pela articulação junto ao Legislativo.

Laranjas do PSL
A Folha revelou, em 4 de fevereiro, que o ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em Minas Gerais em 2018, patrocinou um esquema de quatro candidaturas de laranjas no estado, abastecidas com verba pública do PSL.

Dias depois, em 10 de fevereiro, nova reportagem da Folha revelou que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018.

Álvaro Antônio nega as acusações e afirma que elas visam atingir o governo Bolsonaro. Já Bivar se esquiva das acusações e afirma que o responsável pelo partido durante a eleição de 2018 foi Gustavo Bebianno, braço direito de Bolsonaro. Esse envolvimento, inclusive, foi um dos motivos que levou à queda de Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência.

O ministro do Turismo descarta ainda se afastar do cargo, embora haja pressão para que ele peça demissão para cuidar da própria defesa. Ele chegou a tentar censurar a Folha, pedindo que o jornal retirasse do ar as reportagens sobre o esquema de laranjas no PSL. A Justiça negou o pedido de liminar.

Fritura e demissão de Bebianno
A queda de Gustavo Bebianno, a primeira de um ministro no governo Bolsonaro, está relacionada à crise dos laranjas no PSL, mas virou um capítulo à parte.

Presidente do PSL no período eleitoral, Bebianno foi responsável pela filiação de Bolsonaro ao partido e atuou como seu braço direito na corrida presidencial. Também era o responsável formal por autorizar repasses dos fundos partidário e eleitoral a candidatos da legenda.

A revelação de que Bebianno teria liberado R$ 250 mil de verba pública para a campanha de uma ex-assessora, que repassou parte do dinheiro para uma gráfica registrada em endereço de fachada, colocou o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência no centro das atenções do esquema. Ele nega ter feito essa liberação.

A Folha havia publicado que Bolsonaro –à época ainda internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo– se recusava a atender Bebianno. O então ministro rebateu, dizendo ao jornal O Globo que tinha falado três vezes no mesmo dia com o presidente.

Já Carlos Bolsonaro –com quem Bebianno já tinha uma relação pouco amistosa desde antes do começo do governo– foi às redes sociais declarar que o ministro mentia sobre a tentativa de contato com o pai.

Bolsonaro endossou nas redes sociais os ataques do filho, inclusive de que Bebianno mentiu, e ainda afirmou, em entrevista à TV Record, que seu ministro poderia "voltar às suas origens” se fosse responsabilizado pelo caso dos laranjas.

A gota d'água foi o vazamento de áudios trocados entre Bebianno e Bolsonaro, que contradiziam a versão do presidente de que não havia feito contato com o aliado. Políticos e militares chegaram a intervir em favor de Bebianno, temerosos de que a crise afetasse a tramitação de projetos importantes como a reforma da Previdência no Congresso. No entanto, ela apenas prolongou a fritura pública de Bebianno, que foi demitido oficialmente em 19 de fevereiro.

Filhos de Bolsonaro
Os três filhos de Bolsonaro que estão na política —o vereador Carlos (PSC-RJ), o senador Flávio (PSL-RJ) e o deputado federal Eduardo (PSL-SP)— são presença constante nas atividades do pai e também protagonizam polêmicas que envolvem o governo.

Vereador do Rio de Janeiro, Carlos é dos três o que mais exerce influência sobre o pai e foi figura marcante na polêmica demissão de Bebianno. Carlos coordenou a comunicação de Bolsonaro nas redes sociais durante a campanha e até desfilou em carro aberto ao seu lado do pai e da primeira-dama Michelle na cerimônia de posse.

Já Eduardo, reeleito deputado federal por São Paulo com a maior votação da história, exibe força nas relações internacionais. Foi ele quem avalizou a indicação feita pelo escritor Olavo de Carvalho do chanceler Ernesto Araújo. E participou da reunião a portas fechadas de Bolsonaro com o presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca.

O filho mais velho, Flávio, também é ouvido pelo pai, embora esteja ofuscado pela investigação das movimentações financeiras suspeitas do seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Mesmo assim, foi ele quem acompanhou Bolsonaro na viagem a Israel.

A influência dos filhos de Bolsonaro sobre o pai já foi alvo de queixas tanto de parlamentares como de outros integrantes do governo. As Forças Armadas, outro sustentáculo do governo Bolsonaro, também guardam receios a esse livre trânsito. O presidente, no entanto, dá sinais de que o canal com os filhos deve continuar.

Gafes internacionais
Na primeira viagem internacional como presidente, para o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), Bolsonaro desmarcou na última hora uma entrevista coletiva com jornalistas.

O cancelamento pegou de surpresa a organização da tradicional conferência, que costuma reunir a nata do capitalismo mundial, e também fez a delegação do Planalto bater cabeça. Ministros também não foram à coletiva.

Um assessor do Planalto afirmou que o cancelamento se devia “ao comportamento da imprensa” com o presidente. Depois, cobrou explicações da Folha pela divulgação da informação.

Outras viagens de Bolsonaro ao exterior também renderam polêmicas. Nos Estados Unidos, disse que “a maioria dos imigrantes não tem boas intenções”; e em Israel, reforçou a tese revisionista da chamada nova direita que vê o nazismo como um movimento de esquerda –refutada internacionalmente.

Comemorações do golpe de 1964
Entusiasta do regime militar (1964-1985), Bolsonaro ordenou no último dia 25 ao Ministério da Defesa que as Forças Armadas fizessem “comemorações devidas” ao 31 de março de 1964, data que marcou o início da ditadura no Brasil. O presidente nega que o Brasil tenha vivido uma ditadura e considera o golpe como uma intervenção militar que “salvou o país do comunismo”.

A ordem gerou reações tanto na sociedade civil como no meio político. Até militares, que temiam uma tensão ainda maior do ambiente político, ficaram incomodados com a ordem de Bolsonaro.

Uma juíza chegou a determinar na sexta-feira (29) que fossem suspensas as celebrações da data. No dia seguinte, a liminar foi cassada. Na prática, unidades militares exaltaram o 31 de março em eventos internos ao longo da semana.

No aniversário do golpe, a comunicação do Palácio do Planalto divulgou um vídeo que defendia a atuação militar. Um empresário bolsonarista assumiu a autoria da peça. O Planalto, por sua vez, não quis se manifestar.

Crise no MEC
Considerado um setor chave para a linha ideológica bolsonarista, o Ministério da Educação se vê imerso em uma crise institucional que paralisa a pasta desde o começo do governo.

Os servidores nomeados pelo ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez, indicado pelo escritor Olavo de Carvalho, estão divididos entre os de perfil técnico —oriundos em sua maioria do Centro Paula Souza—, os indicados por militares e os indicados por Olavo. O racha resultou em uma série de demissões e desencontros na pasta.

No último dia 4, depois de Vélez defender revisão do golpe de 1964 nos livros didáticos, militares começaram a pressionar o governo para sua demissão. A avaliação é que a atitude do ministro criou um desgaste desnecessário pouco depois do aniversário de 55 anos do golpe.

Olavo e militares
Considerado uma espécie de guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho diz que apoia o presidente “por ser honesto”, mas que até hoje “não sabe quais são suas ideias políticas”. E afirmou, durante jantar nos EUA em 17 de março, que o governo Bolsonaro “acaba em seis meses” se continuar como está.

Olavo também defende que os militares no governo são má influência e têm atuado para prejudicar Bolsonaro desde o início do mandato. Os alvos principais são o vice-presidente, general Hamilton Mourão, e o ministro general Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo).

Embora negue oficialmente, Olavo goza de grande influência no governo. De temperamento explosivo, ele foi o responsável pela indicação de dois ministros –Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Vélez Rodríguez (Educação), depois substituído por Abraham Weintraub, também próximo a Olavo.

Outro alvo das críticas de Olavo é a mídia, que ele acusa de “tentar um golpe contra o presidente”.

Polêmica no Carnaval
Na terça-feira de Carnaval, Bolsonaro publicou no Twitter um vídeo no qual um homem urina na cabeça de outro –um fetiche conhecido como “golden shower”. Ele disse que “não se sentia à vontade” em divulgar tais cenas, mas que precisava “expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades".

O compartilhamento do vídeo obsceno foi criticado até mesmo por seguidores de Bolsonaro, e ganhou novo impulso quando o próprio presidente, no dia seguinte, usou novamente o Twitter para perguntar o que era “golden shower”.

Em nota, Bolsonaro afirmou que não pretendia criticar o Carnaval de forma genérica. Dias depois, diante da repercussão negativa, Bolsonaro apagou de suas redes as duas postagens –a do vídeo e a do questionamento sobre “golden shower”. A defesa dos dois homens retratados no vídeo também havia ingressado com pedido de mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) requerendo a exclusão das imagens da conta do presidente.

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