Entidades de imprensa criticam censura do STF a reportagem sobre Toffoli

Para organizações e advogados, decisão constitui ameaça à liberdade de expressão

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São Paulo

Entidades de defesa da liberdade de imprensa e advogados que pesquisam o tema criticaram nesta segunda-feira (15) a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que determinou que os sites da revista Crusoé e O Antagonista retirem do ar reportagem e notas publicadas sobre o presidente da corte, Dias Toffoli.

Para as organizações, a determinação para que as duas publicações excluam o texto que liga Toffoli ao empresário e delator Marcelo Odebrecht caracteriza censura, põe em risco um direito constitucional e merece repúdio.

O ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), alvo de reportagem que foi censurada pela corte
O ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), alvo de reportagem que foi censurada pela corte - Mauro Pimentel - 11.abr.2019/AFP

A multa por descumprimento é de R$ 100 mil por dia. Moraes também determinou que os responsáveis pelos sites prestem depoimento em até 72 horas.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) divulgaram nota em que protestam contra a medida.

Para elas, a decisão de proibir a divulgação da reportagem "configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF".

"As entidades assinalam que a legislação brasileira prevê recursos no campo dos danos morais e do direito de resposta para quem se julgar injustamente atingido pelos meios de comunicação. A censura é inconstitucional e incompatível com os valores democráticos", diz o texto da Aner e da ANJ.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou em nota que "causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal".

A organização assinalou que Moraes não explica na decisão o que considera "claro abuso no conteúdo da matéria veiculada" nem "esclarece como o tribunal conceitua fake news, já que não há consenso sobre o tema nem entre especialistas em desinformação".

O magistrado escreveu que se fazia necessária a intervenção do Poder Judiciário no caso porque se estava diante de "típico exemplo de fake news".

"O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender", escreveu a Abraji.

A associação de jornalistas disse ainda esperar que a medida seja revista e que se "restabeleça aos veículos atingidos o direito de publicar as informações que consideram de interesse público".

Na mesma linha, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) divulgou comunicado no qual argumenta que, "como guardião da Constituição, não pode o Supremo advogar em causa própria, criando casuísmos jurídicos que violam princípios e direitos que deveriam ser por ele protegidos de qualquer tipo de ofensa e violação".

"A ABI espera que o Supremo reveja essa decisão teratológica e restabeleça, com a urgência que o caso requer, o direito à informação e à liberdade de imprensa como determina a lei", afirmou.

Para a Transparência Internacional, a iniciativa do Supremo "fere a liberdade de imprensa e afeta a imagem internacional do Brasil, por atentar contra princípios basilares do Estado democrático de Direito".

"A medida é intolerável e precisa ser repudiada sob o risco de abrir precedente para grave retrocesso no império da lei e defesa de liberdades no país", disse a ONG em nota.

A entidade escreveu ainda que o episódio ameaça jornalistas "que ousarem produzir reportagens envolvendo membros da corte de serem alvo de semelhante tratamento: censura e persecução inquisitorial —ambas há muito abolidas pelo sistema de direito brasileiro".

Para a advogada Camila Marques, da Artigo 19, organização que milita pela liberdade de expressão e acesso à informação, faltaram vir a público detalhes da decisão do ministro que justificassem por que "o STF está tomando uma decisão altamente restritiva num caso que envolve justamente seu atual presidente".

A coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19 considera ainda que determinar a remoção total de uma reportagem é uma medida absolutamente desproporcional.

"Qualquer restrição à liberdade de expressão, para ser legítima em uma democracia, deve obedecer a critérios objetivos e concretos", seguiu Camila. "Preocupa-nos o cenário de violações ao direito de defesa em que essa decisão está inserida."

Ex-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP, o advogado e professor Walter Vieira Ceneviva endossou as críticas ao que chamou de "uma agressão contra a liberdade de expressão e uma forma de censura inconstitucional".

"O STF já julgou diversos casos deixando claro que a liberdade de expressão prevalece mesmo sobre outros direitos que a Constituição assegura, de tal maneira que a intimidade e a imagem de pessoas públicas têm uma proteção menor e um escrutínio maior em benefício do bom funcionamento da democracia", afirmou à Folha.

Para Ceneviva, Toffoli tinha à disposição outras maneiras de rebater o conteúdo da reportagem, se assim quisesse. "O ministro tem a possibilidade de se pronunciar publicamente e tem direito de resposta na revista. São os meios que ele deveria ter usado."

O advogado acrescentou que a notícia envolvendo o magistrado só deveria ser suprimida se viesse a ser considerada falsa após processo judicial em que todas as partes fossem ouvidas, "segundo o ritual normal a que se sujeitam os cidadãos no Brasil".

Ceneviva disse ainda lamentar que o imbróglio possa vir a ser usado para reforçar a onda de protestos contra o Supremo em marcha no país. "Lamento que hoje em dia a sociedade brasileira, tão imbecilizada e inculta como ela está, acredite que seja importante esculhambar o STF", afirmou o advogado.

Também ex-integrante da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP, a advogada Taís Gasparian disse, com a ressalva de que não atua no processo e só conhece o caso por meio de reportagens, que "a remoção de conteúdo jamais deve ser feita".

"A internet permite que matérias jornalísticas sejam complementadas com outras informações ou notas. A meu ver, teria sido suficiente que a nota da PGR fosse publicada junto à matéria original e, ainda, uma nota ou despacho do STF ou do ministro Toffoli esclarecendo o caso", disse Taís, que também é advogada da Folha.

A Procuradoria-Geral da República, como lembrou Moraes em sua decisão, divulgou nota na última sexta-feira (12), após a publicação da reportagem, afirmando que o documento com a menção de Odebrecht a Toffoli não havia sido remetido ao órgão —diferentemente do que dissera o texto da revista.

O diretor de Redação de Crusoé, Rodrigo Rangel, afirmou que "Dias Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem agora censurada".

Na avaliação de Taís, "a definição do que seja fake news é complexa e, evidentemente, não compreende interpretações divergentes sobre um assunto. Nesse sentido, o texto publicado pela revista, ao que parece, não constitui o que se denomina fake news".

A Crusoé divulgou nota, assinada pelo publisher da revista, Mario Sabino, informando que foi surpreendida pela decisão e que seus advogados entrarão com recurso no STF "para tentar reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa, aspecto fundamental da democracia garantido pela Constituição".

"Na nossa visão, trata-se de ato de intimidação judicial. A liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a usamos. Continuaremos a lutar por ela", diz a nota.

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