Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Para bolsonaristas, presidente deve voltar a falar com seus eleitores

Apoiadores ouvidos pela Folha rejeitam Congresso e querem Bolsonaro na TV e em redes sociais

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São Paulo

​Enquanto analistas e políticos pedem que Jair Bolsonaro pare de fazer campanha, saia do Twitter e comece a governar, uma parcela de apoiadores dele faz um apelo em sentido contrário: presidente, pare de tentar negociar com o Congresso e volte a falar diretamente com o povo.

Esse foi o sentimento dominante entre as oito pessoas reunidas pela Folha na última terça-feira (2), todos eleitores de Bolsonaro que se mantêm fiéis a ele, apesar do desgaste de seus cem primeiros dias de governo. 

Grupo de apoiadores de Bolsonaro na Redação, para uma conversa sobre os 100 dias de governo
Grupo de apoiadores de Bolsonaro na Redação, para uma conversa sobre os 100 dias de governo - Danilo Verpa/Folhapress

Não que o governo seja todo perfeito, tá ok? Para o grupo (formado por participantes de conversa da Folha com eleitores em 2018 e por simpatizantes encontrados em redes bolsonaristas na internet), o presidente vem, sim, mostrando um calcanhar de aquiles: a comunicação.

Para o estudante de sociologia Jonas Buccini, 20, o presidente deveria ir à TV e às redes sociais mostrar o real estado da economia. Só assim para cair a ficha na população de que a reforma da Previdência é importante e que é preciso pressionar o Congresso para aprová-la logo.

"O [Ronald] Reagan, quando assumiu [como presidente dos EUA, em 1981], mostrou com gráficos como estava deteriorada a situação."

Opinião parecida tem a aposentada Leocádia de Castro, 63. "O pessoal fala para [Bolsonaro] não falar, mas ele tem de falar para nós, seus eleitores. Porque a mídia faz tudo para dificultar o trabalho dele."

Todos lá adoram WhatsApp e redes sociais. Mas nos rincões do país as pessoas assistem à TV Globo, afirmam.

"Quanto mais ele falar, melhor. É como se fosse o nosso chefe e estivesse dando detalhes de tudo que está acontecendo na empresa", diz a turismóloga Talita Freitas, 31.

De maneira geral, os percalços deste início de mandato são atribuídos pelo grupo a uma trinca: a imprensa (que, para eles, persegue o capitão), a "velha política" e os interesses contrariados dentro da máquina do governo.

 

Se o Ministério da Educação não vai bem, por exemplo, não é porque o ministro Ricardo Vélez Rodríguez o administra mal: anos de petismo o teriam aparelhado de tal forma que o estrago não vai sumir da noite pro dia.

"Todas as áreas, os ministérios, estão dominados pelo esquerdismo", diz a aposentada Neusa de Oliveira, 73. Ela sugere que o presidente distribua cartilhas à população explicando seus projetos e aproveita para dar um puxão de orelha na Folha (um dos muitos em duas horas de conversa) pela importância dada à marca de cem dias. "Precisa de um ano, é muito pouco."

O empresário Raphael Daniele, 35, concorda que é cedo para uma cobrança mais incisiva, sobretudo em sua área. "A economia ainda é uma marola do governo passado. O Brasil tem muito remédio para tomar, sair da cama, e o governo está resolvendo uma coisa por vez."

Mesmo assim, diz o professor Aelison Queiroz, 54, há um novo clima gerado pela eleição de Bolsonaro. "O ponto mais forte desse início é o otimismo. Já fechei com três clientes desde a eleição", afirma ele, que dá aulas de idiomas para executivos de multinacionais alemãs.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), protagonista de bate-bocas com Sergio Moro (Justiça) e Bolsonaro, é desprezado enquanto representante da velha política. "O Congresso vai ter que se emendar, porque vai sofrer pressão da população. A gente sabe que sempre a negociação foi troca de cargos, e a população não quer mais isso", diz Stefanny Papaiano, 36, assessora parlamentar.

E o que dizer do entorno do presidente? Moro e Paulo Guedes (Fazenda) são unanimidade. Recebem menções positivas também Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e, talvez para a surpresa de muitos, Ernesto Araújo (Relações Exteriores).

"O governo está usando muito o Itamaraty para conseguir investimentos para o Brasil. Ele não é essa figura que a mídia internacional e a nacional retratam", diz o estudante Matheus Galdino, 18.

Já Vélez, talvez o ministro mais torpedeado até aqui, está patinando por ter uma missão complicada demais, dizem os apoiadores do governo.

"O MEC tem muita demanda. O ministro precisa ser muito bem assessorado", diz Matheus. "O MEC é como trocar o pneu do carro com o carro andando. Precisa de um pente fino. Primeiro, tem que sanear a máquina", afirma Aelison, ecoando a visão de que é uma pasta "esquerdizada" nos últimos anos.

 

A unanimidade é bem menor ao tratar de outras figuras que rodeiam Bolsonaro. Os filhos, por exemplo.

Talita diz que gosta da prole "até certo ponto. Se começa a passar do ponto, já vira uma piada. Intromissão demais".

Para Leocádia, Bolsonaro vê os filhos como crianças. "Não acredito que eles falem alguma coisa sem a concordância do pai", diz.

Já Stefanny tem um parecer com o qual muitas pessoas não concordariam sobre Carlos, conhecido como o "pitbull" do pai e gerente de suas redes sociais. "Adoro o Carlos. Ele é muito humilde."

Já o senador Flávio seria a verdadeira "fraquejada" entre os irmãos, e não a caçula Laura, única filha mulher do presidente, que já a definiu assim. É uma piada que circula em rodas bolsonaristas e é lembrada pelo octeto.

O primogênito, afinal, deu dor de cabeça a Bolsonaro pelo escândalo envolvendo seu ex-motorista Fabrício Queiroz, que trabalhou no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Aliás, é justo cobrar que Bolsonaro saiba tudo o que se passa em seu governo? Certa vez, lembra Aelison, "perguntaram para o Abílio Diniz se ele estava a par de tudo no Pão de Açúcar. Ele disse: 'Se tem um cara roubando uma lata de ervilha, não tenho como saber'".

Para Talita e Raphael, Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, é considerado "sensacionalista". "Ele coloca alguns tópicos que não têm relação com o momento. Não contribui para formar uma opinião do que o brasileiro pensa do governo. Geralmente, quem se acha dono do governo acaba perdendo a credibilidade", diz o empresário.

Para Jonas, o escritor merece crédito por ter quebrado a "hegemonia cultural da esquerda". Pena que a mídia, diz ele, só dá destaque aos palavrões que profere.

Mais polêmica suscita o vice, general Antonio Hamilton Mourão. Matheus solta rápido um "traíra" quando a Folha o menciona. E começa a listar uma série de posições do vice que divergem das de Bolsonaro, como aborto e transferência da embaixada em Israel.

"Mourão fala coisas que podem confundir as pessoas", reforça Talita. Já Raphael considera o vice uma espécie de seguro para dar estabilidade ao presidente no cargo. "Se alguma coisa acontecer com o Bolsonaro, vão ter que parar de falar com o capitão e falar com o general."

O encontro ocorreu dois dias após o aniversário de 55 anos do golpe de 1964, e a discussão inevitavelmente foi parar nesse tema. A mesa converge ao dizer que não foi golpe, e sim uma reação a uma suposta escalada comunista do presidente João Goulart.

"Tudo que nós sabemos sobre o regime militar é sob a ótica da esquerda. A falha dos militares foi essa, não fizeram propaganda, não escreveram o que realmente aconteceu", diz Leocádia.

Neusa, que tinha 18 anos em 1964, diz que as pessoas eram ingênuas na época. "A gente era ignorante, gostava do [ex-presidente] Jânio Quadros, que era um comunista. Dom Evaristo Arns [ex-arcebispo de São Paulo] era o maior comunista, e a gente considerava ele um santo."

Para a aposentada, a esquerda criou “um ranço com o AI-5, que foi necessário”. Ela completa: “Do meu ponto de vista deviam ser fuzilados”.

Stefanny enxerga problemas na ditadura: tecnocracia, aparelhamento do Estado, economia fechada. Nenhuma palavra sobre tortura e morte de opositores do regime. Justifica: não era preciso combater a esquerda armada da época? 

"Não acho que direitos humanos foi um problema. Como acho que não seria um problema combater o PCC duramente", afirma.

 
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