Raquel Dodge tenta unir Ministério Público contra inquérito sobre fake news

Procuradora-geral conclama membros da instituição a arquivarem eventuais provas obtidas por investigação aberta pelo Supremo

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Brasília

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, conclamou membros do Ministério Público de todo o país a se unirem ao entendimento da PGR de que deve ser arquivado o inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal para apurar fake news e ofensas aos ministros da corte.

Em reunião em Campo Grande (MS) na quarta-feira (24), Dodge indicou que o ideal para a unidade do Ministério Público é que qualquer membro que venha a receber provas obtidas na investigação do STF se manifeste pelo arquivamento, de acordo com relatos feitos à Folha por três pessoas presentes.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, planta árvore durante encontro com representantes indígenas em Brasília
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, planta árvore durante encontro com representantes indígenas em Brasília - José Cruz - 25.abr.2019/Agência Brasil

Não houve orientação expressa porque membros do Ministério Público gozam de autonomia funcional —não há hierarquia que os submeta às ordens da cúpula.

O ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que preside o inquérito aberto em março pelo presidente da corte, Dias Toffoli, tem declarado que eventuais indícios de crime coletados na apuração serão remetidos, ao final, ao órgão do Ministério Público que tiver atribuição para analisá-los.

Em tese, por investigar supostos crimes contra órgão da União (o STF), eventuais elementos de prova colhidos por Moraes deverão ser remetidos ao Ministério Público Federal nos estados, e não aos Ministérios Públicos estaduais, cujos representantes compunham a maior parte da plateia em Campo Grande.

Mas a fala de Dodge, depois de um embate com Moraes e Toffoli na semana passada, foi interpretada como um ato político contra a ofensiva do Supremo.

"É fato que existem ataques ao STF e nós todos, de modo unânime, concordamos com a necessidade de preservar sua autoridade", afirmou o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, Paulo Cezar dos Passos, presidente do CNPG (Conselho Nacional de Procuradores-Gerais).

"No entanto, em relação ao inquérito, temos uma avaliação crítica, porque a maneira como ele foi instaurado viola a Constituição, o sistema acusatório e, principalmente, decisões anteriores do próprio Supremo", completou.

Estavam presentes na reunião fechada do CNPG os chefes dos Ministérios Públicos dos estados e da União —representantes dos Ministérios Públicos do Trabalho, Militar e do Distrito Federal.

Para procuradores que participaram, a união defendida por Dodge visa resguardar o sistema acusatório vigente no país, pelo qual o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.

Esse foi o principal argumento dela ao ir para o enfrentamento, na semana passada, pedindo o arquivamento do inquérito, instaurado por Toffoli de ofício (sem provocação de outro órgão) e entregue aos cuidados de Moraes sem sorteio.

Há uma pressão do Ministério Público e de setores da sociedade civil para que o inquérito seja submetido ao plenário, solução que encontra resistência no próprio Supremo.

Para Passos, a análise colegiada daria respaldo às investigações. "Confiamos e esperamos que o próprio Supremo e os ministros cumpram a missão de guardião da Constituição", afirmou.

O presidente do CNPG disse que o conteúdo apurado no inquérito precisa ser submetido a Dodge para ter seu destino selado.

A atuação da procuradora-geral no episódio indica que ela conseguiu restabelecer parte do apoio interno que havia perdido em momentos anteriores, como quando acionou o Supremo contra a criação de uma fundação pelos procuradores da Lava Jato em Curitiba.

Até o presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), José Robalinho, que vinha criticando Dodge publicamente —ele é apontado como pré-candidato à sucessão na PGR—, elogiou, em Campo Grande, o posicionamento da procuradora-geral no caso.

Na semana passada, Dodge contestou o inquérito enviando ao STF uma manifestação de arquivamento, afirmando que o relatório que vier a ser produzido será arquivado ao chegar na PGR, porque o procedimento, desde sua origem, feriu o ordenamento jurídico.

Horas depois de Dodge afirmar ter arquivado o inquérito, Moraes rebateu dizendo que a medida da PGR não tinha respaldo legal. O inquérito foi prorrogado por 90 dias e segue em sigilo e sem a participação do Ministério Público.

O mandato de Dodge à frente da PGR termina em setembro. Caberá ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) reconduzi-la ao cargo ou indicar um outro nome, que precisa ser aprovado em sabatina no Senado.

Aliados e adversários dão como certo que Dodge não deve concorrer em eleição interna que, tradicionalmente, forma uma lista tríplice levada ao presidente da República. Apesar disso, todos a veem como candidata por fora da votação.

A fala de Dodge na sessão do CNPG se deu em momento em que elogiava uma nota técnica divulgada dias antes pela entidade a apoiando.

A procuradora-geral chegou a brincar que a nota técnica tinha argumentos tão bons que, se tivesse sido publicada antes, teria sido incorporada à manifestação enviada ao STF.

Dodge, que foi criticada por não ter se posicionado contra o inquérito de imediato, explicou aos colegas que esperou 30 dias para se manifestar porque esse é o tempo previsto no Código de Processo Penal para que uma investigação seja relatada ao Ministério Público. Quando o relatório não chegou, disse, resolveu agir.

Um procurador de Justiça perguntou se Toffoli disse a ela que o inquérito seguirá para o Ministério Público. Ela respondeu que soube pela imprensa.

Dodge e Toffoli se encontraram dias depois do embate. Na ocasião, o presidente do STF afirmou que o encontro havia sido "muito positivo".

"Sobre o inquérito, ela tem a visão dela e eu expliquei que, ao final das investigações, tudo será remetido aos respectivos Ministérios Públicos para eventual proposição de medidas cabíveis", disse o presidente do Supremo à Folha na ocasião. "Ou seja, não procede a ideia de que o STF investiga, acusa e julga", afirmou.

Um grupo de 464 profissionais do direito divulgou um manifesto nesta semana de apoio ao STF devido ao inquérito para apurar fake news.


Entenda o inquérito

O que é?
Apuração instaurada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, contra fake news, ameaças e ofensas contra ministros do tribunal. Alexandre de Moraes é o relator

O que foi feito até agora?
Moraes determinou o cumprimento de mandados de busca e apreensão e mandou tirar do ar reportagem que ligava Toffoli à Odebrecht, mas voltou atrás e derrubou a decisão

O que diz a PGR?
A procuradora-geral Raquel Dodge enviou ao STF um ofício no qual afirma que suspendeu o inquérito. Para Dodge, como o Ministério Público é o único órgão com legitimidade para levar adiante uma acusação

O que pode acontecer agora?
Há a expectativa de que o caso seja discutido no plenário

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