Sem experiência política, Zema enfrenta motim em 100 dias de gestão em MG

Ele assumiu um estado endividado e cujo déficit previsto para este ano é de R$ 11 bilhões

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Belo Horizonte

Eleito no segundo maior colégio eleitoral do país com o discurso da “nova política”, Romeu Zema (Novo) chega aos 100 dias de mandato sob embates com a política de verdade.

Estreante, filiado a um partido recente e ideológico, alcançou 72% dos votos válidos com críticas aos governos anteriores, de PT e PSDB. Assumiu um estado endividado e cujo déficit previsto para este ano é de R$ 11 bilhões.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que enfrenta dificuldades em seu começo de mandato
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que enfrenta dificuldades em seu começo de mandato - Pedro Ladeira - 14.nov.2018/Folhapress

Ainda sem consolidar uma base de apoio na Assembleia Legislativa para votações essenciais ao estado, Zema tenta passar uma imagem pública de austeridade nas redes sociais ao anunciar, por exemplo, a doação do seu salário para entidades beneficentes ou abrir mão de morar no Palácio das Mangabeiras, residência oficial dos governadores mineiros.

A situação do governador tem sido comparada, por aliados da própria base, à do presidente Jair Bolsonaro (PSL): aposta em um discurso populista para o público da internet, enquanto não avança na negociação para aprovar projetos que devem causar desgaste à gestão. 

As primeiras medidas, como a de expor quadros do ex-governador Fernando Pimentel (PT) que estavam em órgãos públicos, são criticadas até pelo prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, também estreante e eleito com o bordão “chega de político”.

“Tenho certeza que pegar quadro de ex-governador, botar no chão, falar que isso é economia, isso não foi ideia dele [Zema]. Alguém deu essa ideia maravilhosa pra ele. Que é horrível”, disse à Folha no início deste mês. Kalil é filiado ao PHS, que compõe a base governista.

Segundo o prefeito, “a eleição acabou” e está na hora de Zema “descer do palanque”. “Temos 77 deputados que foram eleitos que estão esperando uma proposta.”

Na mesma semana, o governador conseguiu a maior vitória da sua gestão: fechou um acordo com a Associação Mineira dos Municípios que prevê pagamento de quase R$ 7 bilhões em repasses atrasados às cidades. A entidade ameaçava cobrar do Legislativo abertura de processo de impeachment.

Logo no primeiro mês do governo, Zema também teve que lidar com as repercussões da tragédia de Brumadinho (MG), onde o rompimento de barragem da Vale na mina do Córrego do Feijão deixou ao menos 224 mortos e 69 desaparecidos. 

Por causa dos repasses atrasados aos municípios mineiros, Zema passou a cobrar dos deputados que aprovem um projeto de reforma administrativa enviado à Assembleia e outro, mais importante, de reforma fiscal, ainda em elaboração.

Essa reforma fiscal deve incluir mudanças na Previdência do funcionalismo estadual, além de tentativas de privatizações de estatais como a Cemig (energia), Codemig (mineração e desenvolvimento) e Copasa (saneamento). 

O temor é que, como o pagamento da dívida com a União está congelado desde o governo Pimentel, a ausência de uma reforma fiscal faça Minas perder repasses federais.

As medidas da reforma, consideradas desgastantes pelos deputados, prometem meses de discussões e negociações. Acontece que Zema nem sequer tem o apoio dos próprios partidos que se declaram governistas.

No papel, o bloco de base do governo tem 21 dos 77 deputados e é composto por PSDB, Cidadania, PP, PSC, Avante, PSB, PHS e SD, além do Novo, com 3 parlamentares.

Na prática, legendas da base têm feito ataques ao governador e ao seu partido em reservado e esperam maior participação no Executivo, com cargos e secretarias, além de reconhecimento público de Zema e participação em agendas de entregas de obras.

O PSL, que não está na base, por exemplo, tem duas secretarias, comandadas pelo mesmo secretário. O governo afirma que seus quadros não foram indicados por questões políticas, mas sim de competência.

A oposição, segundo o líder Ulysses Gomes (PT), reclama que não foi chamada para conversar. Ele também afirma que o governador precisa "descer do palanque".

O próprio Zema minimiza os atritos e diz que a relação com os deputados “é a melhor possível”.

”Falaram que nunca um governador esteve tão presente na Assembleia. Me reuni aqui na Cidade Administrativa, quatro vezes com deputados de bancadas, e ainda tem uma bancada com a qual eu vou me reunir”, afirmou o governador à Folha.

“Nós estamos fazendo esse trabalho de construção do diálogo e tudo vai caminhar bem. Esses mal entendidos, no início de governo, são plenamente compreensíveis e normais no meu ponto de vista. Eu diria que nesses 100 dias, sem sombra de dúvida, nós avançamos mais do que nos quatro anos anteriores, em muitas questões."

Membros do partido Novo têm sido alvo preferencial das críticas da base do governador, especialmente Igor Mascarenhas Eto, 27, nomeado para a Secretaria-Geral do Estado, que gere a agenda e logística do governador. Deputados reclamam que ele tem travado audiências e eventos com Zema —foi apelidado de “primeiro-ministro” do governo. 

Procurado, Igor se disse surpreso com as afirmações. “Tento ser o mais democrático, público e transparente com isso. Obviamente, uma agenda de governador é muito atribulada e intensa, mas ele tem recebido deputados federais e estaduais em boa constância”, disse.

Coordenador da campanha ao governo no ano passado, o vereador Mateus Simões (Novo) rebate as críticas. Diz que a gestão ainda precisa trabalhar nas relações institucionais, mas afirma que as pequenas medidas de economia anunciadas pelo governador são importantes para os eleitores.

“Ele foi eleito com esses temas”, diz Simões. “O que as pessoas esperam dele? Não é o que os políticos esperam.”

Para Simões, Zema iniciou uma “ruptura com a lógica dos cargos” que fez “machucar as estruturas políticas” de Minas Gerais. Ele diz que a reforma fiscal, se bem comunicada à população, é o que irá unir os interesses políticos e do eleitorado.

Atualmente, o desafio de Zema é aprovar uma reforma bem menor, administrativa, que deve levar os cofres do estado a uma economia de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão em quatro anos, relativa às administrações direta e indireta. O pacote é visto como uma prova de fogo para as medidas que estão por vir.

Relator dessa reforma, o deputado estadual Guilherme da Cunha (Novo) reconhece que o governo terá que melhorar no trato com o Legislativo para discutir o tema. “Quando falam de [falta de] diálogo, me parece que se referem a um pouco de protocolo, de carinho, que são alguns erros que a gente reconhece que o governo tem praticado, sim, no trato com a Assembleia”, afirmou.

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