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Depoimento: Generoso, Rossi ensinava até crianças a fazer jornalismo

Ficou comigo a lembrança daquele gigante ensinando umas pivetinhas a fazer o ofício em que ele era mestre

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Brasília

Clóvis Rossi foi o meu primeiro entrevistado.

Jornalistas incríveis e experientes já escreveram coisas lindas sobre ele hoje. Então quem sou eu para querer dizer algo sobre esse titã do jornalismo brasileiro?

Acho que o ponto deste texto é que, para o Clóvis, não faria diferença. Ele tratava sempre com deferência e a gentileza que era só dele até o mais foca dos colegas de profissão. 

Jornalista Clóvis Rossi, decano da Redação da Folha - Eduardo Knapp/Folhapress

Na nossa primeira entrevista, ainda não era nem possível me definir com o jargão usado para falar de jornalistas iniciantes, já que eu tinha só dez anos de idade.

Foi em 2005, em uma escolinha de bairro em São Paulo onde, sorte a minha, por acaso eu estudava com os netos dele. A tarefa da turminha da quarta série era produzir um jornal e estávamos buscando matérias na feira de ciências. 

Minha mãe, que havia trabalhado com ele nesta mesma Folha nos anos 1980 (quando ela era a foca), apontou para o meio do pátio. "Olha lá aquele grandão, é o maior jornalista do Brasil. Vão perguntar pra ele", é o que ela lembrou nesta sexta-feira (14) de ter dito há 14 anos, naquele sábado. 

De repente, Clóvis se viu cercado por um bando de menininhas que provavelmente não batiam nem nos seus joelhos (além de um gigante do jornalismo, era um gigante de altura). E topou falar com a gente sobre como é ser um jornalista. 

Eu estava alvoroçada, um clássico da foca empolgada, e não conseguia ligar o gravador —um treco esquisito que nunca tinha visto na vida. Do alto de um prêmio Maria Moors Cabot, ele riu, ajudou e deu uma primeira lição simples, mas valiosa: "A primeira coisa que um bom jornalista precisa saber é fazer o gravador funcionar." 

Respondeu às nossas perguntas com a maior seriedade, sem pressa, como se estivesse dando uma entrevista para repórteres premiadas.

Anos depois, virei repórter da Folha. Como foca de verdade, vi a delicadeza dele com os que o cercavam e admiravam. Volta e meia, por exemplo, algum repórter aparecia contente na Redação porque sua reportagem tinha sido citada na coluna. 

Era generoso nos elogios e não perdia a piada ("puxa, Angela, vou denunciar a Folha na Justiça do Trabalho por exploração do trabalho infantil. Daqui a dois anos, indico de novo", me escreveu em novembro do ano passado, quando eu expliquei que não podia participar de um concurso para o qual ele tinha me indicado porque não tinha atingido a idade mínima). 

Clóvis inspirou profissionalmente a geração de jornalistas dos meus pais, a minha e com certeza o fará para as próximas que vierem. Arrisco dizer que é também uma inspiração de como devemos olhar o mundo e tratar os outros —e não tenho dúvidas de que ficamos mais pobres enquanto humanidade hoje.

Não tenho mais a fita do gravador e nem o jornalzinho da aula de português (que na época a gente guardou em uns disquetes cinzas identificados com letrinha de criança). 

Mas ficou comigo para sempre a lembrança daquele gigante sentado na salinha de uma escola do Paraíso, ensinando com a maior paciência do mundo umas pivetinhas a fazer o ofício em que ele era mestre, o jornalismo.

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