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Depoimento: Será mais difícil compreender o mundo sem o olhar de Clóvis Rossi

Lendo o que ele escrevia aprendi que o texto pode ser simples, direto e, se for irônico, melhor

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Mariliz Pereira Jorge

Consagração. Foi o título de um dos emails que Clóvis Rossi me mandou. “Estou consagrado: escrevi hoje a mesma coisa que minha ídala, Mariliz: ninguém vai voltar para o armário.” Todo mundo sabe da genialidade do jornalista, mas apenas os que tiveram algum convívio com ele puderam desfrutar de sua generosidade, além do seu senso de humor, que eram da mesma grandeza de seu talento.

Eu não teria a honra de dividir a profissão com Clóvis Rossi não fosse a influência que ele teve sobre mim desde a adolescência. Comecei a ler jornais muito cedo, recortava os artigos do Clóvis e guardava para ler mais vezes. Aos 13, 14 anos, já queria ser jornalista. E para trabalhar na Folha. Eu não queria só ser jornalista. Eu queria trabalhar na Barão de Limeira com aquele gênio que despertou em mim o amor pela notícia.

O jornalista Clóvis Rossi na Redação da Folha, em 1989
O jornalista Clóvis Rossi na Redação da Folha, em 1989 - Homero Sergio - 15.nov.1989/Folhapress

Foi lá no final dos anos 1980, lendo o que ele escrevia, que aprendi que jornalista não idolatra políticos e sempre deve ser crítico com quem está no poder. Que o texto pode ser simples, direto e, se for irônico e debochado, ainda melhor. Que nossas convicções não podem ser maiores do que nossa coerência. Que pau que bate de um lado bate também no outro. Parece simples, mas poucos como Clóvis são assim.

Já contei que, no período em que trabalhei na Folha como repórter, eu me encolhia no elevador quando ele entrava, porque me sentia muito pequenininha, não só porque ele tivesse quase dois metros de altura, mas porque tinha medo de num arroubo adolescente pedir um autógrafo. Nunca passei do bom dia.

Apenas anos depois, quando comecei a assinar colunas no jornal, tivemos nosso primeiro contato. Recebi um email do Clóvis com um elogio. Consagração, Clóvis, é isso. Você nem sabe, mas ainda eram sete da matina e eu fiz uma dancinha bem louca no quarto, acordei meu marido, pulei em cima da cama e gritei para o mundo que tinha zerado a vida. Clóvis Rossi lê o que eu escrevo, Brasil.

Àquela mensagem se seguiram outras, com sugestões de pautas para minha coluna, com comentários sobre meus textos, que eu vou imprimir e pendurar na parede como se cada um deles fosse um Pulitzer. E também promessas de que quando eu fosse a São Paulo tomaríamos um café.

Nunca aconteceu. E, hoje, a maior inspiração profissional que tive na vida se foi.

Clóvis, querido, ninguém vai voltar para o armário, como você bem observou e eu talvez tenha tido a mesma impressão apenas inspirada por você. O mundo vai continuar andando para frente, mas será muito mais difícil compreender todas as mudanças sem o seu olhar. O jornalismo ficou hoje um pouco sem chão e eu me sinto meio sem luz. 

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