Descrição de chapéu Lava Jato

Entenda vazamento de conversa entre Moro e Deltan e impacto para a Lava Jato

Caso pode abrir margem para anulação de sentenças, segundo especialistas

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São Paulo

A Folha teve acesso ao pacote de mensagens trocadas pelos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato nos últimos anos e obtidas pelo site The Intercept Brasil.

O site, que vem publicando o material desde o dia 9 de junho, permitiu que o jornal analisasse o seu acervo, que diz ter recebido de uma fonte anônima há semanas. A Polícia Federal abriu inquéritos para investigar suspeitas de ataques de hackers a telefones de procuradores e do ministro Sergio Moro (Justiça). Nesta terça (23), quatro pessoas foram presas, mas ainda não se sabe se a operação está ligada aos pacotes de mensagens.

Os diálogos indicam uma troca de informações sobre ações da Lava Jato e sugerem que Moro pode ter interferido na atuação da Procuradoria. Na época das conversas, Moro era juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos ligados à operação.

Para entender as conversas

O que são Desde 9.jun, o site The Intercept Brasil vem divulgando um pacote de conversas envolvendo procuradores da República em Curitiba e Sergio Moro, na época juiz responsável pelos processos da Lava Jato

Período Os diálogos aconteceram no aplicativo Telegram entre 2014 e 2019

Fonte O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que procurou a reportagem há cerca de um mês. O vazamento, segundo o Intercept, não está ligado ao ataque ao celular de Moro, em 4.jun

Análise A Folha teve acesso ao material e não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. Os repórteres, por exemplo, encontraram diversas mensagens que eles próprios trocaram com a força-tarefa nos últimos anos

Conteúdo As mensagens indicam troca de colaboração entre Moro e a força-tarefa da Lava Jato. Segundo a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo

Consequências O vazamento pode levar à anulação de condenações proferidas por Moro, caso haja entendimento que ele era suspeito (comprometido com uma das partes). Isso inclui o julgamento do ex-presidente Lula
 


Abaixo, veja o que foi revelado nos diálogos e quais as possíveis consequências para a Lava Jato e para Sergio Moro.

O que mostram as conversas divulgadas pelo site The Intercept Brasil?
O site divulgou um amplo pacote de conversas entre procuradores da República em Curitiba e entre o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, e Sergio Moro, na época juiz federal responsável pelos processos da Lava Jato. Os diálogos se dividem nas seguintes frentes:

  • Troca de colaborações entre Moro e Deltan, envolvendo, por parte do juiz, a indicação de uma testemunha, a antecipação de ao menos uma decisão e a sugestão de uma resposta ao “showzinho” da defesa de Lula, que havia prestado depoimento a ele

  • Dúvidas de Deltan a respeito da solidez das provas que sustentaram a primeira denúncia apresentada pela força-tarefa contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex de Guarujá (SP). O petista foi condenado nesse processo e cumpre pena há um ano em Curitiba

  • Conversas em um grupo em que procuradores comentam a solicitação feita pela Folha para entrevistar Lula na cadeia e combinam estratégias para minimizar o impacto da entrevista caso a autorização fosse concedida em definitivo

  • Em conversa com Deltan, Moro sugeriu melhorar o desempenho de uma procuradora durante interrogatórios. A orientação foi repassada à força-tarefa, que externou a preocupação de que isso não ocorresse no caso Lula. Alvo da crítica, Laura Tessler não participou da audiência do petista

  • Moro se posicionou contra investigações sobre o ex-presidente FHC na Lava Jato por temer que elas afetassem “alguém cujo apoio é importante”

  • Procuradores se articularam para proteger Moro e evitar que tensões entre ele e o STF paralisassem as investigações em 2016. Entre as medidas estava a antecipação de uma denúncia

  • Procuradores trataram o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, com desconfiança durante quase todo o tempo em que se dispôs a colaborar com as investigações. Seu depoimento foi fundamental para a condenação de Lula pelo caso do tríplex de Guarujá (SP). Ele só passou a ser considerado merecedor de crédito após mudar diversas vezes sua versão sobre o apartamento que a empresa afirmou ter reformado para o líder petista.

  • Moro orientou Deltan a incluir prova contra réu da Lava Jato em denúncia oferecida pelo MPF

Veja mais detalhes sobre o contexto das mensagens neste link.

Como elas foram obtidas?
O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que procurou a reportagem há cerca de um mês. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram. Segundo o The Intercept Brasil, o vazamento não está ligado ao ataque ao celular de Sergio Moro, ocorrido no último dia 4 de junho.

De início, nem Moro nem os procuradores negaram a autenticidade das conversas, apenas criticaram o vazamento. Depois, em uma mudança de discurso, o ministro e a força-tarefa começaram a levantar dúvidas sobre a veracidade das mensagens.

O que diz a lei sobre o papel do juiz?
É papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.

O artigo 254 do Código de Processo Penal (CPP) afirma que “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se "tiver aconselhado qualquer das partes".

Segundo o artigo 564, sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

E o Código de Ética que rege a atividade dos juízes?
O Código de Ética da Magistratura afirma em seu artigo 8º que "O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de  comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito.". Também diz, no artigo seguinte, que "Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento".

O que disse Moro?
O ministro afirmou que não viu nada “de mais” nas mensagens e que não houve nenhuma orientação ao Ministério Público. Sobre ter repassado pistas de uma investigação por mensagem no Telegram, o ministro disse que foi um "descuido" seu. Especialistas, porém, avaliam que o modo como isso foi feito contraria a legislação.

Por iniciativa própria, Moro falou às comissões de Constituição e Justiça do Senado e da Câmara sobre os vazamentos. Seus argumentos podem ser resumidos nos seguintes tópicos:

  • colocou-se como vítima de ataque hacker de um grupo criminoso organizado; 
  • disse não ter como garantir a autenticidade integral das mensagens e apontou que elas podem ter sido adulteradas;
  • refutou a possibilidade de conluio com o Ministério Público;
  • qualificou a divulgação das mensagens de sensacionalista;
  • desqualificou os que apontaram irregularidades na sua atuação quando juiz da Lava Jato;
  • negou comandar a investigação realizada pela Polícia Federal e disse acompanhar como vítima;
  • sugeriu que o objetivo do vazamento das mensagens seria invalidar as condenações da Lava Lato. ​

O que está por trás da iniciativa do ministro de prestar esclarecimentos ao Congresso?
O ministro buscou se antecipar à aprovação de requerimentos para convocá-lo e tentou esfriar o clima para a criação de uma CPI sobre o caso.

Quais os indicativos de que os diálogos aconteceram de fato?
A Folha teve acesso ao material e não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. Os repórteres, por exemplo, encontraram diversas mensagens que eles próprios trocaram com a força-tarefa nos últimos anos.

Em reportagem sobre as mensagens, a revista Veja menciona um diálogo entre Moro e Deltan em que o ex-juiz fala de um encontro com Faustão. O apresentador confirmou que se encontrou com Moro e que tratou dos assuntos citados pela reportagem.

Contudo, como mostrou a Folha, há diversos entraves para a realização de uma perícia que conseguisse atestar a veracidade das mensagens. Um dos problemas: segundo o Telegram, caso um usuário tenha apagado a conta no aplicativo, todos os dados são apagados do sistema. Quem volta a utilizá-lo aparece como um novo usuário, sem histórico de mensagens ou grupos.

Moro e os procuradores da força-tarefa já afirmaram que apagaram o app e os registros das mensagens.

A prisão de quatro pessoas pela PF está relacionada às conversas divulgadas?
Nesta terça (23), quatro pessoas foram presas sob suspeita de hackear telefones de autoridades, incluindo Moro e Deltan. Foram cumpridas 11 ordens judiciais, das quais 7 de busca e apreensão e 4 de prisão temporária nas cidades de São Paulo, Araraquara (SP) e Ribeirão Preto (SP). Os quatro presos foram transferidos para Brasília, onde prestam depoimento à Polícia Federal. 

A investigação ainda não conseguiu estabelecer com exatidão se o grupo sob investigação em São Paulo tem ligação com o pacote de mensagens.

Também não há provas de que os diálogos foram obtidos pela fonte anônima do Intercept a partir de ataque hacker.

Como a investigação começou?
O inquérito em curso foi aberto em Brasília para apurar, inicialmente, o ataque a aparelhos de Moro, do juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), do juiz federal no Rio Flávio Lucas e dos delegados da PF em São Paulo Rafael Fernandes e Flávio Reis. Segundo investigadores, a apuração mostrou que o celular de Deltan também foi alvo do grupo.

A Lava Jato corre risco?
Decisões proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas, segundo o artigo 564 do Código de Processo Penal. Especialistas, contudo, acham difícil que haja uma anulação em massa dos processos ligados à operação e afirmam que a análise deve ser feita caso a caso.

A condenação de Lula pode ser anulada?
Ainda é cedo para dizer, mas alguns advogados afirmam que há indícios da suspeição de Moro, o que pode resultar na anulação.

A defesa de Lula já havia pedido a suspeição de Moro, e o caso está com a Segunda Turma do STF. Em dezembro, o relator, Edson Fachin, votou contra, mas o julgamento foi suspenso por pedido de vistas de Gilmar Mendes. Nova sessão havia sido marcada para o próximo dia 25, mas a corte decidiu adiar.

No último dia 13 de junho, os advogados incluíram as reportagens do The Intercept Brasil na ação. 

 
Moro pode ser punido caso seja comprovado que ele agiu de forma indevida?
Juízes que adotam comportamentos considerados incompatíveis com a atividade jurídica estão submetidos a sanções no âmbito da magistratura, mas Moro pediu exoneração do cargo para assumir o Ministério da Justiça. O Conselho Nacional de Justiça negou a abertura de investigação contra Moro por entender que não pode punir alguém que já não tem ligação com o Judiciário.

Especialistas em direito afirmam que há margem para processos administrativos por quebra de decoro ou mesmo uma ação penal por fraude processual. Para que isso ocorresse, porém, seria necessária uma investigação oficial que apresentasse provas próprias de que Moro e Deltan agiram em desacordo com a lei.

Os procuradores podem ter infringido a lei?
Depende de como a atitude de Deltan e demais procuradores pode ser interpretada.

O parágrafo 1º do artigo 127 da Constituição afirma que “são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.” A Carta também diz que é vedado a membros do Ministério Público “exercer atividade político-partidária”.

O corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, instaurou um processo administrativo disciplinar contra Deltan e demais colegas da força-tarefa. 

As mensagens vazadas podem ser consideradas provas pela Justiça?
Há suspeitas de que as mensagens podem ter sido obtidas de forma ilegal, a partir de invasões aos celulares de procuradores. Alguns advogados afirmam que, ainda assim, as conversas podem ser aceitas como provas em determinados casos, como nos julgamentos de suspeição do juiz. 

Dificilmente, contudo, as conversas serão aceitas em uma possível ação penal contra Moro e Deltan por fraude processual, por exemplo. Segundo os especialistas ouvidos, para que isso ocorresse seria necessário obter provas lícitas por meio de uma investigação oficial.

A opinião do ministro do STF Gilmar Mendes resume o caso: provas obtidas ilegalmente podem vir a ser usadas para inocentar o réu, mas não para puni-lo.

A Polícia Federal vai investigar o caso?
A PF investiga o vazamento das mensagens e o possível ataque aos celulares dos procuradores. Segundo a instituição, há suspeita de que o hackeamento tenha acontecido de forma orquestrada

Ainda não foi anunciada nenhuma investigação oficial sobre o teor das conversas, ou seja, que apure se houve comportamento inadequado da Procuradoria ou de Moro.

O que disse a força-tarefa da Lava Jato?
Em nota, a Procuradoria da República no Paraná disse que os procuradores “foram vítimas de ação criminosa de um hacker”.O texto também afirma que a força-tarefa agiu com “pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial”.

Em vídeo, Deltan afirmou que a ideia de que a investigação tem viés partidário é “teoria da conspiração”. Ele também disse que a denúncia contra Lula foi feita com base em provas robustas.

Os argumentos da força-tarefa podem ser resumidos nos seguintes pontos: 

  • busca desqualificar o teor das reportagens afirmando que o grupo é vítima de uma ação criminosa
  • nega que tenha havido qualquer ilegalidade em sua atuação
  • afirma que não é possível confirmar se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material obtido pelo site
  • diz que fazer comentários sobre “supostos diálogos” incentiva os criminosos que deles se apropriaram

Qual foi a reação do Palácio do Planalto? 
O presidente Bolsonaro tem defendido Moro, mas levou tempo para se pronunciar. Ele só foi falar sobre o caso quatro dias depois da publicação das primeiras reportagens. Na ocasião, minimizou o efeito das mensagens, criticou o vazamento e disse que o legado de Moro "não tem preço". Dias depois, voltou a defender o ministro, mas disse que Moro não tinha 100% de sua confiança

Bolsonaro chegou a encerrar uma entrevista ao ser questionado sobre o ministro. Aliados do presidente e seus filhos defenderam Moro em postagens nas redes sociais.

O escândalo ameaça o pacote anticrime de Moro, em tramitação na Câmara?
É possível que a crise desencadeada com o vazamento das conversas atrase a tramitação do pacote. Moro e seu projeto são vistos com desconfiança por uma parcela da Câmara, que considera pouco ortodoxa sua atuação na Lava Jato. À Folha líderes partidários afirmaram que certas propostas do pacote podem indicar uma tentativa de criar uma legislação para amparar a atuação do ex-juiz.

Em março, após ser cobrado por Moro, Maia chamou o projeto de “copia e cola” e disse que o ministro era “funcionário do presidente Bolsonaro”. Posteriormente, os dois afirmaram que a troca de farpas eram águas passadas.

E sua possível indicação para o STF?
Ainda é cedo para dizer, visto que a próxima vaga para o Supremo só será aberta no fim de 2020. A indicação para o STF é feita pelo presidente e precisa ser aprovada pelo Senado.

Na corte, a conduta de Moro revelada nas mensagens foi criticada pelo ministro Marco Aurélio Mello e, segundo a coluna Painel, o caso provocou indisposição de membros do tribunal com Moro.

O cargo de Moro como ministro da Justiça corre risco?
Segundo o porta-voz da Presidência, o general Otávio Rêgo Barros, a saída de Moro nunca foi discutida pelo governo

A oposição, por sua vez, pediu o afastamento de Moro e afirmou que obstruirá votações no Congresso. A OAB também defendeu que Moro e Deltan se afastem de suas funções.

Durante sessão na CCJ do Senado, Moro disse que não tem apego ao cargo e que deixaria o posto se houvesse irregularidade da sua parte.

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