No Senado, Moro nega conluio com Lava Jato, rebate PT e aposta no encolhimento da crise

Em audiência no Senado, ministro diz que vazamento de conversas busca inocentar corruptos

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Brasília

​​Diante de senadores para explicar a troca de mensagens vazadas com o procurador Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato, o ministro Sergio Moro (Justiça) afirmou que sempre agiu conforme a lei, tratou como naturais conversas entre juízes, promotores e advogados e disse não poder garantir a veracidade dos diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil.

​ Nesta quarta (19), desde às 9h, Moro presta esclarecimentos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Na sessão, travou embates com senadores petistas e afirmou ainda ser alvo de um ataque hacker que mira as instituições e que tem como objetivo anular condenações por corrupção.

"O que posso assegurar é que, na condução dos trabalhos de juiz no âmbito da Operação Lava Jato, sempre agi conforme a lei", disse o ex-juiz.

RESUMO DOS VAZAMENTOS EM 3 PONTOS

  1. Mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil indicam troca de colaboração entre Moro, então juiz, e Deltan, procurador e coordenador da força-tarefa da Lava Jato.
  2. Segundo a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo
  3. Vazamento pode levar à anulação de condenações proferidas por Moro, caso haja entendimento que ele era suspeito (comprometido com uma das partes). Isso inclui o julgamento do ex-presidente Lula
 
O ministro da Justiça, Sergio Moro, fala na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sobre o vazamento de mensagens com o procurador Deltan Dallagnol - André Coelho/Folhapress

A sessão tem sido marcada por embates com senadores do PT, que questionam as ações do ministro diante da força-tarefa da Lava Jato. "Estou absolutamente tranquilo em relação à conduta que realizei como juiz. Houve aplicação imparcial da lei em casos graves de corrupção e lavagem de dinheiro."

Moro se ofereceu para ir à CCJ para esfriar o trabalho de coleta de assinaturas para a criação de uma CPI para investigá-lo. Ao iniciar sua fala, disse não ter nada a esconder, que gostaria de fazer esclarecimentos "em cima do sensacionalismo que tem sido criado" e focou a defesa da Lava Jato.

"Se falou muito em conluio. Aqui um indicativo de que não houve conluio nenhum", afirmou, ao citar embates com a Procuradoria. "É normal no Brasil esses contatos entre juiz, advogado e Ministério Público ou policiais. O que tem que ser avaliado é o conteúdo destes contatos."

Nas conversas publicadas pelo site Intercept, Moro sugere ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a realização de novas operações, dá conselhos e pistas, antecipa ao menos uma decisão judicial e propõe aos procuradores uma ação contra o que chamou de "showzinho" da defesa do ex-presidente Lula.

Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.

As conversas entre Moro e a Lava Jato também provocaram reação no STF. Na semana que vem, dia 25 (terça-feira), um pedido dos advogados de Lula pela anulação do processo do tríplex em Guarujá (SP), que levou o petista à prisão em abril do ano passado, será analisado pela Segundo Turma da corte.

Após ser anunciado como um dos principais nomes do novo governo, o ex-juiz acumulou derrotas em menos de seis meses mandato. Sob desgaste devido à divulgação de mensagens do período da Lava Jato, ainda teve que aguardar a cautela de Bolsonaro em defendê-lo abertamente.

O presidente chegou a manter silêncio por três dias e, no último sábado (15), embora tenha defendido o legado de Moro, afirmou que não existe confiança 100%. "Meu pai dizia para mim: Confie 100% só em mim e minha mãe", disse Bolsonaro. ​

 

Na audiência no Senado, Moro tentou reforçar o discurso de que a crise esperada com a divulgação das conversas não prosperou já que, para ele, os diálogos não mostram nada mais que a atividade normal de um juiz.

Moro citou mais de uma vez artigo de Matthew Stephenson, professor de direito em Harvard, cujo título é “O Incrível Escândalo que Encolheu? Novas Reflexões sobre o Vazamento da Lava Jato”. 

O texto, publicado no blog Global Anticorruption, Stephenson elenca motivos pelos quais mudou de opinião sobre a série de reportagens do The Intercept. "Tendo a pensar que esse ‘escândalo’ é consideravelmente menos escandaloso do que o Intercept relatou ou do que eu acreditava originalmente."

Moro tem recorrido ao artigo durante a audiência para reafirmar seu discurso de que, "tirando o sensacionalismo", as conversas não revelam nenhuma ilegalidade.

Ao longo de seu depoimento, Moro repetiu diversas vezes não poder confirmar a veracidade das mensagens, mas relativizou algumas delas, como a que cita o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal). O ministro disse não ver problema na mensagem "in​ Fux we trust" (em Fux confiamos).

"Posso ter mandado. Qual o problema de uma mensagem assim? Eu confio no Supremo, confio na instituição", afirmou.

No início da audiência, Moro afirmou que "ainda que tenha alguma coisa verdadeira, essas mensagens podem ser total ou parcialmente alteradas para caracterizar uma situação de escândalo".

O clima de tensão seguiu durante os questionamentos feitos pelo líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que acusou Moro de sensacionalismo na Lava Jato, disse não ser possível que o ministro não lembre de algumas das conversas e questionou se o ministro estava a serviço de algum projeto político.

"Estou absolutamente tranquilo em relação à conduta que realizei como juiz. Houve aplicação imparcial da lei em casos graves de corrupção e lavagem de dinheiro", afirmou.

O ex-juiz da Lava Jato disse que a operação atingiu "vários partidos" e que "não teve nenhum projeto político envolvido". Disse ainda que as acusações de Humberto Costa eram '"bastante ofensivas". "Eu vou declinar de responder", reagiu o ministro.

O ministro também foi alvo de provocações, como quando o senador Otto Alencar (PSD-BA) disse, ironicamente, que era exigir demais que Moro se lembrasse das conversas. "Não exijam muito da memória do ministro. Ele tem péssima memória."

Moro também reagiu com rispidez em alguns momentos. Ao ser indagado pela segunda vez pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA) se autorizaria que o Telegram divulgasse as mensagens, afirmou que o parlamentar "deveria se informar melhor".

Mas houve espaço para brincadeira. "Hoje não tenho controle do meu Telegram, está lá com o hacker", disse sorrindo ao responder o senador Marcos Rogério (DEM-RO). Ao comentar as mensagens, o senador disse que "se houve excessos, vocês são seres humanos e podem cometer erros, sim".

 

Em um tom duro contra a atuação de Moro (Justiça), o senador Cid Gomes (PDT-CE) disse que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, tinha postura "de querer aparecer, se colocar como salvador da pátria" e que, atualmente, ninguém fala no nome de quem o sucedeu na 13ª Vara de Curitiba. "Eu dou um doce a quem disser o nome do atual juiz."

Mais cedo, Moro afirmou que o país não precisa de heróis, mas de instituições fortes, e negou que tenha atuado politicamente na Lava Jato.

"Nunca atuei nestes processos movido por questão ideológica ou político-partidária. O fato de ter emitido sentenças a agentes políticos me trouxe dissabores, me trouxe pesos. Sou constantemente atacado há quatro, cinco anos, por ter cumprido meu dever", afirmou.

Cid Gomes também propôs que o Congresso instale uma CPI para apurar a conduta o ex-juiz à frente dos processos da Lava Jato. Ele também defendeu que os parlamentares abram uma investigação "isenta e imparcial" sobre o autor dos vazamentos e sobre a segurança das comunicações no país.

Primeiro a propor a CPI, o senador Angelo Coronel disse que considera retomar a coleta de assinaturas após a vinda de Deltan Dallagnol à CCJ. O procurador foi convidado à comissão, mas ainda não confirmou presença.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) lançou algumas provocações a Moro e disse que não prejulgaria o ministro.

"Defendo sua presunção de inocência, o direito de defesa e acho, mais do que isso, que o senhor não está obrigado a responder sobre questões concretas destes vazamentos, mas são coisas graves", disse Renan, que, pedindo desculpas pela "coincidência", afirmou ter 13 (número do PT do ex-presidente Lula) perguntas ao ex-juiz.

​Moro repetiu ter havido "um sensacionalismo exacerbado" na divulgação das conversas e, pela quarta vez, citou o artigo de Matthew Stephenson. 

Na tentativa de encurralar o ministro, Renan perguntou a Moro o que ele pensava sobre o pacote de dez medidas contra a corrupção, no qual haveria previsão para usar os vazamentos na Justiça.

"Sobre as dez medidas, precisava reavivar minha memória", esquivou-se Moro.

Ataque hacker

Durante a sessão, Moro também deu detalhes do ataque hacker de que foi vítima há algumas semanas.

Afirmou que, em 4 de junho, por volta das 18h, seu próprio número o telefonou três vezes. Segundo a Polícia Federal, os invasores não roubaram dados do aparelho do ministro —apenas o procurador Deltan Dallagnol teve informações captadas durante o ataque que sofreu.

Moro afirmou ainda que deixou de usar o Telegram, de onde as mensagens vazadas foram extraídas, em 2017, quando houve notícias de ataques hackers nas eleições dos Estados Unidos e ele começou a desconfiar da segurança do aplicativo, que tem origem russa.

pacote de diálogos que veio à tona inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018. As mensagens, segundo o site, foram entregues à reportagem por fonte anônima.

No Senado, Moro falou que houve interação de seu número com uma apresentadora de TV do Paraná.

"Chamamos a PF, no mesmo dia, a PF examinou meu aparelho celular. Entreguei meu celular à polícia para fazer exame. Não tenho nenhum receio em relação ao que tem dentro daquele aparelho", disse Moro, reforçando haver autonomia na investigação da Polícia Federal.

O ministro afirmou acreditar ser alvo da atuação de um grupo criminoso, pois "quem faz isso não é um adolescente com espinha na frente do computador".

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