Bolsonaro diz que indicará para vaga no STF ministro 'terrivelmente evangélico'

'O Estado é laico, mas somos cristãos', afirma presidente em culto na Câmara

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Em culto religioso promovido na Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (10) que indicará a uma das vagas do STF (Supremo Tribunal Federal) um nome "terrivelmente evangélico".

Na cerimônia promovida pela bancada evangélica, na qual recebeu bênção do bispo licenciado da Universal Marcos Pereira (PRB-SP), o presidente lembrou que o Estado brasileiro é laico, mas ressaltou que isso não impede que ele seja "terrivelmente cristão".

O presidente Jair Bolsonaro participa de culto na Câmara dos Deputados
O presidente Jair Bolsonaro participa de culto na Câmara dos Deputados - André Coelho/Folhapress

A indicação de ministros do Supremo é uma atribuição do presidente da República que depois precisa ser aprovada pelo Senado. Até o final de seu mandato, Bolsonaro poderá indicar ao menos dois deles.

O primeiro ministro do Supremo que deve deixar a corte é o decano Celso de Mello, que completa 75 anos —a idade de aposentadoria obrigatória— em novembro de 2020. A segunda vaga no STF deve ficar disponível com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, em julho de 2021.

Bolsonaro chegou a dizer neste ano que havia reservado uma das vagas a Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato que deixou a magistratura para se tornar ministro da Justiça do governo. Depois, negou haver qualquer acordo e disse apenas buscar alguém com o perfil dele. 

O presidente disse que apontará um nome "terrivelmente evangélico" em dois momentos em sua visita ao Poder Legislativo: no culto religioso e no plenário da Câmara, quando participou de sessão solene em homenagem aos 42 anos da Igreja Universal do Reino de Deus.

"O Estado é laico, mas somos cristãos e, entre as duas vagas que terei direito a indicar para o STF, um será terrivelmente evangélico", repetiu.

A declaração causou mal-estar na equipe de Moro, que até então era considerado o favorito para a vaga de 2020.

O receio do grupo é de que, por conta do desgaste causado na imagem do ministro com o vazamento de mensagens privadas, Bolsonaro postergue sua indicação para 2021, dando o primeiro posto a um evangélico. Em diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil, Moro, então juiz da Lava Jato, dá conselhos a procuradores, indica testemunhas e sugere alterações na ordem das fases da operação.

Segundo relatos feitos à Folha, o presidente já manifestou incômodo com a possibilidade de um nome indicado por ele ser rechaçado pelo Senado, risco que passou a ser levado em conta para uma indicação de Moro.

Caso Bolsonaro opte por segurar a escolha do ex-juiz da Lava Jato em Curitiba, dois nomes são considerados favoritos para a vaga de Celso de Mello: o do ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), André Luiz Mendonça, e o do juiz federal Marcelo Bretas, que conduz a operação no Rio de Janeiro.

Os dois são evangélicos, o que contempla a promessa feita pelo presidente à frente parlamentar. De acordo com assessores presidenciais, o primeiro leva vantagem, uma vez que há resistência dos ministros da suprema corte à indicação de um magistrado de primeira instância.

A escolha de um advogado-geral não é novidade na história recente do STF. Os ministros Gilmar Mendes e José Dias Toffoli comandaram a pasta durante as administrações de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), respectivamente.

No início da noite, o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, disse que "terrivelmente evangélico" é apenas uma força de expressão e que, na verdade, o presidente se refere a um perfil que seja de "respeito" e "confiabilidade".

"Quando cita um evangélico, ele gostaria de expressar pessoas que têm respeito, confiabilidade, conhecimento técnico e jurídico e que possam colaborar e somar à bela equipe do STF", disse.

Ele ressaltou que Bolsonaro ainda não escolheu um nome para a vaga e afirmou que ele valoriza tanto a importância de um Estado laico que participará em outubro, em Salvador, das comemorações da canonização de Irmã Dulce.

"O presidente não decidiu sobre quem poderá eventualmente substituir os ministros que estão por terminar seus mandatos. Então, não há decisão de momento, porque a vaga não está aberta", disse.

A expressão usada por Bolsonaro é semelhante à que a ministra Damares Alves (Direitos Humanos) adotou em seu discurso de posse. 

 "O Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã e, por ser cristã, acredito nos desígnios de Deus", disse, em janeiro.

'Espírito cristão'

Em seu discurso, Bolsonaro disse ainda que o "espírito cristão" deve estar presente nos três Poderes e elogiou a bancada evangélica, afirmando que, apesar de ela sofrer críticas, tem um "superávit enorme" junto à sociedade brasileira.

"A força do Executivo e do Legislativo juntos é inimaginável, ainda mais tendo paz e Deus no coração", disse. "Com todas as críticas que porventura vocês [bancada evangélica] sofram, no final das contas, o saldo é muito positivo para todos os brasileiros, inclusive para aqueles que têm outras religiões", acrescentou.

Ele reconheceu que seu governo pode cometer "equívocos e erros", mas que estará "sempre aberto" a ouvir a bancada evangélica em busca de soluções para problemas.

A expectativa inicial era de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acompanhasse Bolsonaro durante a sua passagem pelo Legislativo. Ele, no entanto, não apareceu. 

Bolsonaro disse que, mais cedo, Maia lhe telefonou para informar que não compareceria à visita devido ao desgaste físico da noite anterior. A discussão em plenário para a votação da reforma previdenciária avançou até o início da madrugada.

Mesmo com a ausência, o presidente não poupou elogios públicos ao parlamentar, responsável por comandar o trâmite da proposta em plenário. Bolsonaro afirmou que conversaria com ele durante esta quarta-feira (10).

"Ele aqui neste recinto é o nosso general. É o homem que conduzirá os destinos da nossa votação e, obviamente, os destinos da nossa querida nação", disse. 

No culto evangélico, no qual foi chamado de "o escolhido" e orou de olhos fechados, Bolsonaro aproveitou para pedir apoio aos projetos do governo e disse que está otimista com a votação da reforma da Previdência. 

"Aqui, entre nós, está o escolhido, Jair Messias Bolsonaro, um homem simples", disse o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil). "Hoje vivemos em um Brasil sem medo e hoje teremos uma grande vitória no plenário da Câmara dos Deputados para começar a transformar o Brasil", ressaltou.

O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que também estava presente e é evangélico, foi chamado para conduzir parte da cerimônia religiosa.

"O presidente disse que já era hora de um ministro evangélico ir ao Supremo. Deus sabe das coisas. O presidente colocou um evangélico na articulação política", disse.

Em sua fala, ele disse que já estava escrito nas escrituras sagradas que ele ajudaria o presidente e que a luta da vida não é pela carne ou pelo sangue, mas pelo espírito.

"Deus me deu a sabedoria de Salomão, a capacidade de articular e gerenciar de José do Egito e a força de um guerreiro que foi David", disse.

Bolsonaro fez questão de parabenizar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que também participou do culto religioso e comemora aniversário nesta quarta-feira.

"Estive em Israel com Onyx e meus filhos. Um deles está fazendo trinta e...? Trinta e quantos anos?", questionou. "Trinta e cinco anos", acrescentou, quando lhe disseram a idade.

'Legislando'

Em maio, durante evento em Goiânia, Bolsonaro já havia cobrado a presença de um ministro evangélico no Supremo.

“Será que não está na hora de termos um ministro do STF evangélico?”, perguntou o presidente, ao falar para um público da igreja Assembleia de Deus Ministério Madureira. 

Na ocasião, ele questionou se a corte não estaria “legislando” ao julgar uma ação que trata da criminalização da homofobia.

O Supremo tem maioria católica (ao menos sete ministros), dois judeus e nenhum evangélico.

“Em uma República laica é absolutamente irrelevante a fé religiosa que um juiz da suprema corte possa ter, pois, nesse domínio, há de prevalecer, sempre, um comportamento de absoluta neutralidade dos magistrados em assuntos de ordem confessional”, afirmou à Folha no mês passado o decano do tribunal, ministro Celso de Mello, que não declarou se professa religião e qual seria essa.

O presidente do STF, Dias Toffoli, e os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes são católicos.

O ministro Luiz Fux é judeu, e Luís Roberto Barroso é reconhecido como judeu pela comunidade judaica por ser filho de mãe judia e pai católico. A ministra Rosa Weber não se manifestou.

Bolsonaro poderá fazer ao menos 89 nomeações em 35 tribunais até o final de seu mandato, em 31 de dezembro de 2022.  Considerando todas as cortes superiores, serão 13 vagas.

A RELIGIÃO DOS MINISTROS DO STF

Católicos
Dias Toffoli
Alexandre de Moraes
Cármen Lúcia
Edson Fachin
Gilmar Mendes
Marco Aurélio
Ricardo Lewandowski

Judeus
Luís Roberto Barroso* 
Luiz Fux

Não declaram
Celso de Mello 
Rosa Weber

*Reconhecido pela comunidade judaica por ser filho de mãe judia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.