Careta de João Gilberto foi fotografada com câmera de 2 megapixels

Câmeras digitais eram raras e caríssimas em 1999

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João Wainer
São Paulo

Estávamos em 1999 e, sob o comando de João Bittar, a editoria de fotografia da Folha vivia um momento de grande transformação. 

Eu tinha 22 anos e fiquei feliz quando soube que iria fotografar o show dos gênios João Gilberto e Caetano Veloso na inauguração de uma casa de shows. 

Como o fechamento aconteceria só no dia seguinte, não havia pressa, mas resolvi experimentar uma das duas novas câmeras digitais que haviam sido compradas pelo jornal para a Copa no ano anterior e eram tão concorridas que nunca chegavam às mãos de um novato como eu.

O fotógrafo João Wainer posa com foto de João Gilberto, de sua autoria - Diego Padgurschi/Folhapress

O projeto da direção da Folha de digitalizar todo o processo de produção e edição de imagens tinha dado seu primeiro passo em 1992, com a implantação de scanners para os negativos e a recepção digital de fotos de agências internacionais. 

Em 21 de março de 1994, a Folha publicou pela primeira vez na América Latina uma foto 100% digital, do clique à impressão. A imagem, do jogador corintiano Viola comemorando o gol da vitória por 1 a 0 sobre a Portuguesa, foi feita com uma câmera NC 2000, o primeiro equipamento digital adequado ao fotojornalismo, que havia sido lançado nos EUA havia apenas um mês.

Na noite do show de João Gilberto, em 1999, o equipamento era caro e a qualidade sofrível. Uma DCS 520, parceria da Canon com a Kodak, custava US$ 25 mil (equivalente hoje a cerca de R$ 95 mil) e a resolução era de ridículos 2 megapixels, menos do que qualquer celular vagabundo de hoje em dia.

Foi meu primeiro contato com essa câmera e não fazia ideia de como configurá-la, mas consultei alguns colegas e fui na raça tentar a sorte.

Logo na primeira música João Gilberto reclamou do som. A plateia, composta por convidados vaiou, e João foi imediatamente defendido por Caetano Veloso que disse que quem o vaiava não morava em seu coração.

Os fotógrafos, que estavam no fundo do auditório, fecharam em Caetano que gesticulava muito. Instintivamente enquadrei João e por sorte só eu fiz a foto em que ele mostrava a língua para a plateia enquanto dizia que vaia de bêbado não vale.

O cantor João Gilberto mostra a língua para o público após criticar o sistema de som do Credicard Hall, na inauguração da casa, em São Paulo, onde se apresentava com Caetano Veloso - João Wainer/Folhapress

Olhei na tela da câmera, o que era uma novidade para mim, e vi que tinha algo de extraordinário ali. Na bilheteria, eu consegui uma linha telefônica emprestada para transmitir a foto.

A cena aconteceu às 23h30 e a foto chegou a tempo do fechamento. Quando o dia amanheceu a imagem já estava nas bancas e na porta dos assinantes enquanto os filmes da concorrência ainda nem haviam sido revelados.

Foi usando o exemplo dessa foto que João Bittar convenceu a direção da Folha sobre a importância de investir em câmeras digitais e notebooks para seus 30 fotógrafos, que a partir de então passaram a andar sempre prontos para enviar em minutos qualquer imagem produzida em qualquer canto do país ou do mundo, acelerando uma mudança que transformaria para sempre a nossa profissão.

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