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Decisão de Toffoli contraria natureza do Coaf e dificulta apurações, diz órgão federal

Em nota, conselho afirma que dados globais não são suficientes para seguir a 'rota do dinheiro'

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Brasília

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de suspender investigações com dados pormenorizados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) contraria a natureza do órgão, afirmou à Folha o próprio Coaf em manifestação sobre a polêmica.

Em sua decisão, do último dia 15, Toffoli afirmou que o plenário do STF já decidiu anteriormente, quando julgou ações que discutiam o repasse de dados pela Receita Federal, que “o acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados genéricos e cadastrais dos correntistas”.

A decisão de Toffoli, que deve passar por análise do plenário da corte no segundo semestre, atinge informações compartilhadas com o Ministério Público, para fins penais, por órgãos de controle em geral —como Coaf, Receita e Banco Central— sem autorização judicial prévia.

Presidente do STF, Dias Toffoli, durante abertura de audiência pública no CNJ - Andre Coelho/Folhapress

No entendimento do Coaf, porém, uma determinação para que os compartilhamentos sejam somente de dados genéricos pode inviabilizar que o órgão cumpra seu dever legal.

“Ao Coaf interessa conhecer aspectos qualitativos de operações consideradas suspeitas, como as partes envolvidas, o valor negociado, a forma de sua realização, os instrumentos utilizados —elementos essenciais para definir se há, efetivamente, fundados indícios da prática de ilícitos a serem comunicados às autoridades competentes”, afirmou em nota.

“Assim, o encaminhamento apenas de dados globais não proveria as autoridades destinatárias com elementos suficientes para seguir a 'rota do dinheiro' e atuar com efetividade no combate à lavagem de dinheiro.”

O Coaf compartilha informações sobre movimentações suspeitas por meio de RIFs (relatórios de inteligência financeira). O órgão informou que, por precaução, solicitou à sua assessoria jurídica uma análise sobre como devem ser elaborados esses relatórios, uma vez que a decisão de Toffoli não traz determinações específicas.

Ao suspender investigações e ações penais que tenham usado dados detalhados de órgãos de controle sem autorização prévia da Justiça, Toffoli atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Para a defesa de Flávio, o Ministério Público fluminense driblou o controle judicial ao pedir ao Coaf dados detalhados de transações bancárias sem que um juiz tivesse autorizado a quebra do sigilo.

O senador é investigado no Rio de Janeiro sob suspeita de ter desviado parte dos salários dos funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa. A apuração sobre Flávio é uma das que foram paralisadas. Ainda não há um levantamento oficial do impacto da decisão de Toffoli sobre outros casos.

EXEMPLOS DE SITUAÇÕES AFETADAS

O Coaf forneceu três situações em que o compartilhamento de dados meramente globais não permitiria às autoridades investigar transações suspeitas.

A primeira delas é quando há fragmentação de saques ou depósitos em espécie, técnica muito usada pelo narcotráfico, na qual uma única operação de alto valor é fracionada em pequenas operações feitas no mesmo dia ou em dias próximos para tentar evitar que o banco comunique as autoridades.

“A comunicação da instituição financeira poderia ainda estar enriquecida com detalhes como o fato das cédulas depositadas estarem úmidas ou com forte cheiro, reforçando os indícios dessa tipologia clássica. Nessa situação, a análise apenas do montante global não permitiria a identificação dessa prática”, disse o Coaf.

A segunda situação em que dados globais não bastam é quando um banco relata que determinado cliente tem características de ser “laranja”: “Consta como diretor de uma empresa, movimenta valores expressivos, mas não demonstra conhecer detalhes do negócio nem de suas operações”, explicou o Coaf.

“Atuando dentro da política de 'conheça seu cliente', premissa do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro, o banco fez uma visita ao local onde seria a sede da empresa e verificou a inexistência de instalações condizentes com o ramo de negócio e com a movimentação financeira apresentada.”

O terceiro exemplo é o de um hipotético supermercado popular, que efetua suas vendas principalmente em dinheiro, mas os recursos chegam na conta da empresa por meio de transferências eletrônicas.

“Isso não é normal, pois seria esperado que a conta [do supermercado] recebesse depósitos em dinheiro. O que pode estar ocorrendo, por exemplo, é a venda de reais para doleiros. A movimentação global não demonstraria essa realidade. Nesse caso é importante a forma como os recursos chegam na conta e quem remete os valores”, explicou o Coaf.

Na visão do órgão, a lei complementar 105/2001, invocada pelo presidente do Supremo em sua decisão, trata a Receita e o Coaf de formas distintas. O entendimento de Toffoli teria igualado ambos.

Quanto à Receita, o artigo quinto da lei complementar trata do compartilhamento de dados com a “administração tributária da União”, aí, sim, restringindo o repasse a “informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados”.

Já a atuação do Coaf, segundo o órgão, é respaldada pelo artigo primeiro da mesma lei, que estipula que “não constitui violação do dever de sigilo”, entre outras coisas, “a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa”.

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