Mestre da dialética, sociólogo Francisco de Oliveira morre aos 85 anos

Nome influente das ciências sociais ajudou a fundar PT, mas se decepcionou com partido após Lula assumir

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São Paulo

Em 1992, o crítico literário Roberto Schwarz escreveu um texto em homenagem ao sociólogo e economista Francisco de Oliveira, que se tornava professor titular da USP àquela altura.

“O marxismo aguça o senso de realidade de alguns e embota o de outros. Chico evidentemente pertence com muito brilho ao primeiro grupo”, disse Schwarz sobre o amigo. E arrematou: “Chico é um mestre da dialética”.

O sociólogo Francisco de Oliveira com braço levantado
O sociólogo Francisco de Oliveira - Fabio Braga - 24.jun.13/Folhapress

O meio acadêmico brasileiro acaba de perder o seu “mestre da dialética”. O pernambucano Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, mais conhecido como Chico de Oliveira, morreu aos 85 anos na madrugada desta quarta-feira (10).

A informação foi confirmada pela USP, que também afirma que os familiares não divulgaram a causa da morte. O velório acontecerá no salão nobre do prédio administrativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da universidade, na rua do Lago, 717, das 17h às 22h.

Um dos mais influentes nomes das ciências sociais no Brasil a partir da década de 1960, Oliveira lançou ensaios que se tornaram referências, como “Crítica da Razão Dualista” (1972), “Elegia para uma Re(li)gião” (1977) e “O Ornitorrinco” (2003). Teve presença notável em instituições como a USP e o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)

Ajudou a fundar o PT em 1980, mas decepcionou-se profundamente com o partido quando Lula chegou à Presidência. Também esteve no núcleo de criação do PSOL em 2004, porém, logo se desencantou com a sigla.

Nascido no Recife em 1933, graduou-se em ciências sociais em 1956 na antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco. Nesse período, foi um dos fundadores do Movimento Estudantil Socialista de Pernambuco.

Sem oportunidades na área em que havia se formado, passou a atuar como economista. Trabalhou na Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), sob a orientação de Celso Furtado, que o influenciou decisivamente nesta época.

O golpe militar em 1964 levou Oliveira à prisão no Recife, onde permaneceu por quase dois meses. Depois de ser solto, deixou o país e viveu três anos entre Guatemala e México.

Em 1970, dois anos depois de voltar ao Brasil, Oliveira foi convidado a integrar o Cebrap, em São Paulo. O centro de pesquisas havia sido criado em 1969 por um grupo de professores afastados das universidades pela ditadura, como Fernando Henrique Cardoso, Elza Berquó e Paul Singer.

Foi nesse período que ele se aproximou da corrente marxista das ciências sociais, como contam Fabio Mascaro Querido e Ruy Braga na apresentação do livro “Brasil: Uma Biografia Não Autorizada”, lançado por Oliveira em 2018.

Como a ditadura militar mantinha a vigilância, ele voltou a ser preso em 1974, quando participava de um grupo de estudos de “O Capital”. Levado ao Dops, onde permaneceu por dois meses, foi torturado no pau de arara.

Não houve sequelas, no entanto, o que lhe permitiu manter as atividades no Cebrap, ao qual esteve ligado até 1995. Foi ainda professor de economia na PUC-SP até se transferir para a sociologia da USP em 1988. Tornou-se titular em 1992 e emérito em 2008.

O ano de 2003 é determinante para a compreensão da trajetória intelectual e política de Oliveira. Foi nesse período em que publicou um de seus textos fundamentais, o ensaio “O Ornitorrinco”.

Grosso modo, o bicho –meio réptil, meio mamífero— é como a sociedade brasileira, não mais subdesenvolvida, embora sem condições para um arranjo capitalista moderno, menos desigual.

É também nesse ensaio que ele chama a atenção para uma “nova classe social”, formada pela elite sindical que comanda os fundos de pensão. O livro que reuniu os ensaios “Crítica à Razão Dualista” e “O Ornitorrinco” ganhou o prêmio Jabuti na categoria ciências humanas.   

Além disso, em 2003, meses depois de Lula assumir a Presidência, o sociólogo se afastou do PT e tornou-se cada vez mais crítico das medidas tomadas pelo partido que havia fundado. “Lula não tem objetivos porque não tem inimigos de classe”, escreveu em ensaio publicado na revista piauí em 2007. Com iniciativas como o Bolsa Família (“um desastre”), o líder petista “despolitiza a questão da pobreza”. 

Em 2010, à Folha, voltou a criticar o presidente do PT: “O ciclo neoliberal é Fernando Henrique Cardoso e Lula. Coloco ambos juntos. Só que Lula está levando o Brasil para um capitalismo que não tem volta. Todo mundo acha que ele é estatizante, mas é o contrário”.

Os últimos anos foram marcados por um acentuado ceticismo em relação à política e à economia do país. No livro “Brasil: Uma Biografia Não Autorizada”, o mais longo ensaio tinha como título “O Adeus do Futuro ao País do Futuro”.

Políticos se manifestam

Nas redes sociais e na Câmara, políticos lamentaram a morte do sociólogo. O legado de Oliveira para a esquerda aparece na maioria das mensagens. Fernando Haddad, que disputou a presidência pelo PT em 2018, afirmou em sua conta no Twitter: "Chico de Oliveira, o sociólogo mais criativo destas paragens, nos deixou. Muita admiração e respeito."

Guilherme Boulos, também candidato à presidência em 2018, mas pelo PSOL, escreveu que o legado do sociólogo é imortal. "Solidariedade aos familiares. Que dia triste!"

Colega de partido de Boulos, a deputada federal por São Paulo Luiza Erundina lamentou, na Câmara, a morte do sociólogo e do jornalista Paulo Henrique Amorim. Chamando-os de "aliados na luta pela democracia", disse que "os dois sempre [estiveram] à frente na defesa daquilo que é certo, dos interesses nacionais, da conquista de direitos para o povo brasileiro".

Francisco de Oliveira foi lembrado como um "intelectual de grande densidade na sociologia política" pelo ex-presidente nacional do PSOL e deputado federal Ivan Valente.

Tanto o PSOL quanto o PT, partidos que ajudou a fundar, manifestaram-se. O PSOL, em redes sociais, emitiu nota afirmando que "suas ideias inspirarão as gerações que virão." O PT lembrou que Oliveira foi crítico ao partido. "Nunca foi, no entanto, adversário. Marchava por caminho diferente, mas em busca de um horizonte comum."

Ambos encerraram as notas com a frase: "Chico de Oliveira, Presente!"

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