Moro diz que juízes têm o dever de recusar benefícios excessivos para delatores

Mensagens apontam interferência dele em negociações na Lava Jato; lei prevê atuação só após acordos

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São Paulo

O ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou nesta quinta-feira (18) que juízes têm o dever de recusar ou exigir mudanças em acordos de colaboração premiada que ofereçam benefícios excessivos a criminosos interessados em cooperar com a Justiça.

“O juiz tem não só o poder, mas o dever legal de não homologar ou de exigir mudanças em acordos de colaboração excessivamente generosos com criminosos”, disse Moro no Twitter. “Não foi, aliás, essa a crítica a acordos como os dos sócios da JBS (que não passaram por mim)?”

O ministro da Justiça, Sergio Moro, durante solenidade em Brasília - Pedro Ladeira - 3.jul.2019/Folhapress

Reportagem publicada pela Folha nesta quinta, baseada em mensagens privadas de procuradores da Operação Lava Jato obtidas pelo site The Intercept Brasil, mostra que Moro interferiu nas negociações com executivos da Camargo Corrêa que se tornaram delatores em 2015, quando era o juiz responsável pelas ações da Lava Jato no Paraná.

A Lei das Organizações Criminosas, de 2013, que estabelece regras para os acordos de colaboração premiada, diz que os juízes não devem participar das negociações e têm como obrigação apenas "verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade", após a assinatura dos acordos.

A lei prevê que as informações fornecidas pelos colaboradores e os benefícios oferecidos em troca de sua cooperação sejam avaliados pelo juiz na sentença, ao final do processo judicial, após terem sido submetidos a questionamentos da defesa dos acusados pelos delatores.

Embora os juízes possam se recusar a homologar os acordos, ou mesmo propor modificações após examinar seus termos, como o ministro argumentou nesta quinta, não foi isso que ocorreu no caso das delações da Camargo Corrêa, de acordo com as mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept.

Na verdade, os diálogos em que a reportagem se baseou mostram os procuradores da Lava Jato discutindo condições apresentadas por Moro durante as negociações dos acordos, antes das audiências realizadas para sua homologação e antes de qualquer decisão judicial.

Moro voltou a criticar a divulgação das mensagens obtidas pelo Intercept. “Mais uma vez, não reconheço a autenticidade de supostas mensagens minhas ou de terceiros, mas, se tiverem algo sério e autêntico, publiquem. Até lá não posso concordar com sensacionalismo e violação criminosa de privacidade.”

O acordo fechado pela Procuradoria-Geral da República com os donos da JBS em 2017 concedeu imunidade aos colaboradores contra ações penais e foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Os procuradores sempre justificaram a concessão do benefício apontando o valor da colaboração do empresário Joesley Batista, que gravou uma conversa comprometedora com o então presidente Michel Temer.

Poucos meses depois da homologação do acordo, o Ministério Público Federal propôs sua rescisão após revelações sobre a extensão do envolvimento do ex-procurador Marcello Miller com os donos da JBS, que ele assessorou quando estava de saída da instituição mas ainda não havia se desligado dela. O caso deve ser julgado pelo STF neste ano.

Consultados pela reportagem, professores de direito penal afirmam que o juiz só pode sugerir que o Ministério Público faça mudanças em delações no momento em que despacha sobre o pedido de homologação do acordo. Ou seja, após o fim das negociações entre as partes e, ainda assim, apenas a respeito de questões previstas na legislação.

"Ele [Sergio Moro] está errado [em sua justificativa]. A lei é muito clara, o juiz não participa das negociações realizadas entre as partes. A ele comporta apenas decidir se irá ou não homologar ou adequá-la ao caso concreto", diz o professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino.

Em 2017, o ministro Ricardo Lewandowski rejeitou proposta de acordo negociado pelo Ministério Público Federal com o marqueteiro Renato Pereira, responsável por várias campanhas do PMDB do Rio. Lewandowski considerou ilegais alguns benefícios oferecidos e só homologou o acordo em 2018, após a revisão dos seus termos.

"Quem, em tese, tem esse poder de apreciação de qual benefício deve ser atribuído ao delator é o Ministério Público, que é o titular da ação penal. O juiz tem que analisar se está dentro da lei", diz o advogado João Paulo Martinelli, professor da Escola de Direito do Brasil.
 

Colaborou José Marques

O papel do juiz nas delações premiadas

O que diz a lei
O artigo 4º da Lei de Organizações Criminosas afirma que "o juiz não participará das negociações". Cabe ao magistrado avaliar, após a assinatura do acordo, as informações fornecidas pelo delator e os benefícios oferecidos em troca de sua cooperação. Ao analisar a delação, o juiz pode homologar o pedido, adequá-lo à legislação, negá-lo ou remeter os autos de volta ao Ministério Público para que o adeque

O que disse Moro
Pelo Twitter, afirmou que "o juiz tem não só o poder, mas o dever legal de não homologar ou de exigir mudanças em acordos de colaboração excessivamente generosos com criminosos”

O que dizem especialistas
Professores de direito penal consultados pela reportagem afirmam que Moro errou ao interferir na negociações, o que é vedado ao juiz

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