'Na Venezuela, juízes e procuradores são perseguidos e não agem com autonomia', diz Moro

Força-tarefa do Ministério Público nega ter participado de vazamento de informações sobre a Venezuela

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São Paulo e Brasília

O ministro da Justiça, Sergio Moro, reagiu com ironia à revelação de sua sugestão para que a força-tarefa da Operação Lava Jato expusesse informações da delação da Odebrecht que estavam sob sigilo por ordem do Supremo Tribunal Federal em 2017, quando ele era juiz no Paraná.

Como a Folha e o site The Intercept Brasil revelaram neste domingo (7), a força-tarefa se articulou com a Procuradoria-Geral da República para expor as informações após receber a sugestão de Moro em agosto de 2017, em meio ao recrudescimento da situação política na Venezuela.

"Novos crimes cometidos pela Operação Lava Jato segundo a Folha de São Paulo e seu novo parceiro, supostas discussões para tornar públicos crimes de suborno da Odebrecht na Venezuela, país no qual juízes e procuradores são perseguidos e não podem agir com autonomia. É sério isso?", escreveu Moro numa rede social neste domingo.

De acordo com mensagens privadas trocadas pelos procuradores da Lava Jato, Moro fez sua sugestão no dia 5 de agosto de 2017. "Talvez seja o caso de tornar pública a delação dá Odebrecht sobre propinas na Venezuela", disse o juiz ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Enviadas por uma fonte anônima ao Intercept e analisadas pela Folha e pelo site, as mensagens mostram que os procuradores dedicaram meses de trabalho ao projeto e contavam com o apoio de Moro para uma ação cujo objetivo principal era expor as informações da Odebrecht, mesmo que não houvesse consequências jurídicas.

Embora fosse responsável pelos processos da Lava Jato no Paraná, onde são examinados casos relacionados à corrupção na Petrobras, Moro não tinha nenhuma atribuição nas investigações dos crimes praticados pelos executivos da Odebrecht ao corromper governos estrangeiros.

Conforme o acordo firmado pela empresa com o Ministério Público Federal e autoridades dos Estados Unidos e da Suíça em 2016, as informações fornecidas por seus executivos só poderiam ser compartilhadas com outros países se eles se comprometessem a respeitar os termos negociados no Brasil e não tomassem medidas contra a empresa e os delatores.

O vazamento das informações sobre a Venezuela de fato ocorreu em outubro de 2017, quando a ex-procuradora-geral venezuelana Luísa Ortega Diaz publicou em seu site na internet dois vídeos com trechos de depoimentos do ex-diretor da Odebrecht Euzenando Azevedo, um dos colaboradores da Lava Jato.

Ortega foi destituída do cargo pela Assembleia Nacional Constituinte venezuelana no mesmo dia em que Moro fez sua sugestão a Deltan. Ela deixou a Venezuela pouco depois, refugiou-se na Colômbia e visitou o Brasil para propor cooperação com a Procuradoria-Geral da República mesmo após seu afastamento do cargo. 

Em nota divulgada neste domingo, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba negou ter participado do vazamento. "Os integrantes da força-tarefa pautam suas ações pessoais e profissionais pela ética e pela legalidade e é infundada a acusação de que a força-tarefa teria vazado informações sigilosas", diz a nota.

Os procuradores argumentam que, na época em que Ortega esteve no Brasil, as informações da Odebrecht não estavam à disposição da força-tarefa de Curitiba. Os vídeos com os registros dos depoimentos estavam sob a guarda da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, sob sigilo por ordem do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.

A força-tarefa afirma também que não teve contato com Luísa Ortega quando ela visitou o Brasil. Como foi noticiado na época, a procuradora venezuelana esteve em Brasília e foi recebida pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Como mostram as mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept, dois procuradores venezuelanos estiveram em Curitiba para contatos com a força-tarefa no dia 14 de setembro, três semanas após a visita de Luísa Ortega Diaz ao Brasil, e pouco antes de o vazamento dos vídeos ocorrer.

A força-tarefa informa que, em maio de 2017, defendeu junto à Procuradoria-Geral da República a prorrogação do sigilo das informações da Odebrecht e observa que "bastaria que seu sigilo não fosse prorrogado" para que o material se tornasse público na época.

O sigilo não foi imposto por decisão dos procuradores, mas por ordem do ministro Fachin, do STF. Como as mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept mostram, a decisão de fazer algo para expor as informações da Odebrecht foi tomada pelos procuradores depois, em agosto de 2017, após a sugestão de Moro.

A nota dos procuradores lembra que o próprio Ministério Público Federal pediu abertura de inquérito para apurar o vazamento, em dezembro de 2017. Mas o inquérito só foi aberto meses depois de um questionamento feito pela Odebrecht ao Supremo. 

A empresa apresentou a Fachin uma notícia-crime, com pedido de investigação do vazamento, em 17 de outubro. O STF pediu esclarecimentos à Procuradoria-Geral da República, que somente em março de 2018 comunicou à corte a existência do inquérito instaurado em dezembro, que tramita sob sigilo na primeira instância.

A força-tarefa também questionou as citações feitas pela Folha e pelo Intercept a mensagens do procurador Vladimir Aras, que em 2017 chefiava a Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal. 

"O veículo provavelmente se valeu de diálogos editados ou falsos, pois o procurador regional da República Vladimir Aras sequer participava do grupo de discussão da força-tarefa, ao contrário do que diz a reportagem", diz a nota. "Ele sempre diligenciou para manter o sigilo de milhares de documentos que tramitaram na unidade de cooperação internacional do MPF."

De acordo com as mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept, Aras não participava dos grupos de discussão da força-tarefa, mas era participante de um grupo batizado como Venezuela Dream, criado justamente para discutir a iniciativa que começou a ser debatida após a sugestão de Moro.

"As supostas mensagens que a reportagem apresenta como verdadeiras apontam a constante preocupação com o sigilo, inclusive em data posterior àquela das mensagens que embasam a acusação de vazamento", afirma a nota da força-tarefa.

Na verdade, as mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept mostram que os procuradores consideraram a possibilidade de facilitar o vazamento da delação propondo uma ação com esse objetivo.

"A solução que vejo é fazer uma comunicação espontânea para o próprio país. No caminho isso certamente vazará em algum lugar, sem qq participação nossa. Isso posso fazer de imediato", disse o procurador Orlando Martello aos colegas, em 5 de agosto, de acordo com uma das mensagens.

"Naõ dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá pra enviar informação espontãnea e isso torna provável que em algum lugar no caminho alguém possa tornar público", disse Deltan a Moro, no mesmo dia.

Além disso, integrantes da força-tarefa apontaram a visita de Luísa Ortega Diaz ao Brasil como oportunidade para o vazamento da delação da Odebrecht. "Vcs que queriam leakar as coisas da Venezuela, tá aí o momento. A mulher está no Brasil", disse Paulo Roberto Galvão aos colegas, no dia 22 de agosto.

Em 13 de outubro, numa mensagem aos colegas após a publicação dos vídeos no site de Ortega, Galvão apontou Aras e Martello como possíveis responsáveis pelo vazamento: "Nos não passamos... Só se foi Vlad. Ou Orlando, escondido." Os dois participavam do grupo e ficaram em silêncio. 

A força-tarefa de Curitiba reiterou em sua nota que não reconhece a autenticidade das mensagens obtidas pelo Intercept e afirmou que sempre atuou com independência em relação a Moro. "Inúmeros dados reforçam a independência da atuação da força-tarefa em relação ao Judiciário, como o número de recursos apresentados, de absolvições e de pedidos indeferidos", afirmou.

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