Normas de conduta em redes sociais desagradam juízes a favor e contra a Lava Jato

CNJ discute aprovar resolução que traz recomendações e proibições para magistrados na internet

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Brasília

A proposta de resolução discutida no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para disciplinar o uso das redes sociais por juízes desagradou membros da magistratura de diferentes grupos, tanto alinhados com a Lava Jato como críticos da operação e de seus métodos.

A norma, que deverá ser votada no conselho em agosto e precisa ser aprovada para entrar em vigor, traz recomendações e proibições que devem ser observadas por juízes em redes sociais —exceto pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, único tribunal não subordinado ao CNJ.

Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, grupo que promove a valorização dos direitos fundamentais e, em geral, critica práticas da Lava Jato, o desembargador Marcelo Semer afirmou que a liberdade de expressão é assegurada na Constituição e não cabe a uma resolução do CNJ ampliar as restrições já previstas nas leis.

“Fica evidente o intuito de estabelecer uma Resolução Mordaça, evitando críticas de juízes a comportamentos que —esses, sim— exponham abertamente o prestígio do Judiciário, como o de se colocar como agente político na elaboração de pacto político com a finalidade de auxiliar a aprovação de emenda de interesse do governo”, disse Semer, que atua no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Recentemente, o presidente do CNJ e do STF, ministro Dias Toffoli, propôs firmar um pacto com os Poderes Executivo e Legislativo pela aprovação da reforma da Previdência, bandeira do governo Jair Bolsonaro (PSL). Foi de Toffoli a iniciativa de criar um grupo de trabalho no CNJ para disciplinar a conduta dos juízes nas redes.

“As recomendações e vedações [propostas no CNJ] são extremamente genéricas, sendo próprias de estatutos autoritários, porque podem atingir a uma gama indeterminada de situações, sempre após avaliações repletas de subjetivismo”, continuou Semer.

Um exemplo de formulação genérica citada por ele é a que recomenda que o juiz não interaja nas redes “com pessoas que possam suscitar dúvidas em relação a sua integridade, idoneidade ou imparcialidade”, sobretudo advogados, membros do Ministério Público e partes em processos.

“Uma vedação absoluta impediria o juiz de ter contato quase absoluto em rede social”, disse. Em sua opinião, é preciso deixar claro que magistrados só são proibidos de manter contato nas redes com advogados e promotores que estejam, no momento, participando de processo de sua condução.

A ministra Cármen Lúcia, ao lado dos ministros Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli e Gilmar Mendes durante sessão do STF
A ministra Cármen Lúcia, ao lado dos ministros Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli e Gilmar Mendes durante sessão do STF - Pedro Ladeira/Folhapress

Para o desembargador, outro ponto controverso é o que veda opinar sobre qualquer processo em andamento, inclusive em grupos privados de WhatsApp. Em tempos de imensa judicialização, a medida poderá “recolocar o juiz em uma torre de marfim, alheio a qualquer estímulo social”.

O CNJ, destacou Semer, coloca na resolução que o magistrado deve manter o sigilo profissional. “O CNJ silenciou por mais de dois anos e evitou julgamento de representação sobre notória violação de sigilo profissional e esperou que o juiz se exonerasse para não julgar o procedimento, em ação contrária à própria norma que estampa”, disse —sem citar o nome do ex-juiz Sergio Moro, que deixou a magistratura para virar ministro da Justiça.

Ministro da Justiça Sérgio Moro durante depoimento prestado à CCJ da Câmara dos Deputados sobre as mensagens trocadas com procuradores da Lava Jato
Ministro da Justiça Sérgio Moro durante depoimento prestado à CCJ da Câmara dos Deputados sobre as mensagens trocadas com procuradores da Lava Jato - Pedro Ladeira/Folhapress


Coordenador do movimento Magistratura Independente, que reúne entusiastas da Lava Jato e defensores de Moro, o juiz Luiz Rocha, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, também vê na iniciativa do CNJ uma mordaça.

“Essa pauta, para além de interesse do presidente [Dias Toffoli], é notadamente de interesse do mesmo grupo de parlamentares que está a todo o custo buscando mecanismos para emparedar a magistratura e imobilizá-la em sua função punitiva e, naturalmente, informativa”, disse Rocha.

“É preocupante porque o prejuízo maior desse emparedamento vai ser suportado pela sociedade e pelas pessoas de bem. Uma magistratura intimidada não serve a nenhum povo.”

Para o juiz federal Leandro Cadenas Prado, que atua no Paraná, a resolução é desnecessária. Duas regras da Lei Orgânica da Magistratura já seriam suficientes, a seu ver, para regular o uso das redes: 1) a que estabelece o dever do juiz de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular e 2) a que veda opinar sobre processo pendente de julgamento e criticar decisões de colegas.

“A nova regulamentação, que não se aplica a ministros do STF, passa a impressão de buscar um indevido incremento à já longa lista de limitações a que estão submetidos todos os magistrados brasileiros”, disse Prado.

“Não se pode admitir uma regulamentação administrativa muito mais rigorosa que a legal e a constitucional a pretexto de limitar exageradamente todos os magistrados por conta de desvio de conduta de uns poucos.”

Como Semer, Prado também destacou que o caráter subjetivo e indeterminado de algumas vedações gera dúvidas —como o que proíbe “patrocinar postagens com a finalidade de autopromoção ou com intuito comercial”. “Poderia o magistrado indicar publicamente um livro doutrinário sobre determinado assunto jurídico e ser penalizado com base nesse inciso?”, questiona.

A proposta de resolução

RECOMENDA-SE AO JUIZ

  • Evitar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar a imagem de independência e imparcialidade do magistrado ou a confiança do público no Judiciário
  • Evitar manifestações que busquem autopromoção ou evidenciem superexposição, populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública
  • Evitar embates, inclusive com a imprensa, e não responder pessoalmente a ataques recebidos, mas por meio da assessoria de comunicação dos tribunais
  • Abster-se de adiantar o teor de decisões ou de atender a pedidos de partes, advogados ou interessados em processos formulados por meio de redes sociais 
  • Evitar interações pessoais que possam suscitar dúvidas em relação a imparcialidade de julgamento, especialmente com outros profissionais da justiça, como escritórios de advocacia, membros do Ministério Público ou partes em processos judiciais
  • Abster-se de compartilhar conteúdo ou apoiá-lo sem convicção sobre sua veracidade, evitando a propagação de notícias fake news 


É VEDADO AO JUIZ

  • Manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou criticar despachos, votos e sentenças de membros do Judiciário
  • Demonstrar engajamento em atividade político-partidária ou se manifestar em relação a candidato ou partidos políticos
  • Emitir opinião que caracterize discurso discriminatório ou de ódio que revele racismo, LGBT-fobia, misoginia, antissemitismo, intolerância religiosa e preconceito com condição física, idade, gênero, origem

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