Proximidade da Lava Jato com Petrobras desagradou à cúpula do Ministério Público

Em 2018, companhia se preparou para alocar seus advogados em prédio da força-tarefa em Curitiba

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Brasília

​Os bastidores das tratativas da força-tarefa da Lava Jato com a Petrobras em meio às investigações da operação e à negociação de um fundo bilionário revelam uma relação de proximidade entre os procuradores e a companhia. Isso desagradou à cúpula do Ministério Público em Brasília.

Com o objetivo de facilitar os contatos, em meados de 2018, a Petrobras se preparou para montar um escritório para alocar seus advogados no mesmo prédio onde a força-tarefa mantém uma sala, no centro de Curitiba. 

A Petrobras sublocaria uma sala de uma subsidiária, a Liquigás, que há anos ocupa parte do prédio onde a força-tarefa trabalha. Nessa sala instalaria seus advogados, que hoje ficam na refinaria Repar, em Araucária, na região metropolitana de Curitiba, e no Rio de Janeiro.

A companhia desistiu da aproximação física depois de avaliar que não era conveniente ter seus advogados entrando e saindo do mesmo prédio dos procuradores.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) havia se oposto à iniciativa, que fora comunicada aos membros da Lava Jato pela Petrobras. Segundo relatos, a procuradora-geral, Raquel Dodge, entendeu que a movimentação poderia comprometer a credibilidade do Ministério Público Federal.

Questionado sobre o episódio, o Ministério Público Federal em Curitiba afirmou que figura, junto com a Petrobras, no mesmo polo de várias ações de improbidade na Lava Jato, e, por essa razão, sempre houve contato próximo com os advogados da companhia que cuidavam desses casos.

“Entretanto, em relação aos questionamentos feitos [pela reportagem], como não são assuntos que tratam especificamente da estrutura ou do funcionamento da força-tarefa do MPF, não haverá manifestação”, informou o órgão.

No final de 2017 e início de 2018, a PGR foi formalmente avisada dos problemas enfrentados pela Petrobras nos EUA, por meio de dois documentos secretos remetidos pelo Itamaraty. O que se esperava era que a PGR fosse aos EUA defender a companhia perante os procuradores de lá.

Na ocasião, Dodge instaurou um procedimento sigiloso para apurar, de forma independente da Petrobras, qual havia sido o papel dela, como empresa, no esquema de corrupção desbaratado pela Lava Jato.

No Carnaval de 2018, a PGR enviou representantes para sustentar para os americanos que os crimes tinham sido praticados por antigos executivos, sem envolvimento da pessoa jurídica da Petrobras.

A empresa temia ser condenada se fosse a julgamento nos EUA. Por isso, preferiu fechar um acordo com a SEC, órgão regulador do mercado americano de capitais, e o DOJ, Departamento de Justiça daquele país.

Esse acordo de reparação previu que 80% das multas acertadas lá viriam para o Brasil. Em 30 de janeiro deste ano, a companhia depositou R$ 2,5 bilhões em uma conta na Caixa Econômica Federal, após firmar um segundo acordo no Brasil com a força-tarefa da Lava Jato.

Conforme esse acordo com a Lava Jato, homologado pela 13ª Vara Federal em Curitiba, caberia aos procuradores criar uma fundação privada para administrar um fundo com metade do dinheiro. A outra metade seria usada para ressarcir sócios minoritários da Petrobras no país.

Com as tratativas com os EUA e com a força-tarefa em andamento, a PGR passou a receber, ao longo de 2018, uma série de visitas confidenciais da equipe jurídica e de compliance da Petrobras, integrada à época pela ministra aposentada do STF Ellen Gracie.

O último desses encontros foi em 19 de dezembro. Segundo relatos, a equipe da estatal tangenciava pontos dos acordos no exterior e em Curitiba sem detalhar formalmente como seria efetuado o pagamento bilionário no Brasil, aos cuidados dos procuradores da força-tarefa.

A reportagem procurou a ministra aposentada para comentar as reuniões, mas foi informada que, devido à agenda cheia, ela não poderia atender. A Petrobras e a PGR não comentaram o assunto.

Em março passado, Dodge questionou no Supremo Tribunal Federal a legalidade do fundo da Lava Jato, que acabou suspenso por decisão liminar (provisória) do ministro Alexandre de Moraes. A procuradora- geral tem defendido a aplicação dos recursos em rubricas do orçamento da União, como educação.

Entenda o fundo da Lava Jato

Origem
Um acordo da Petrobras com o Departamento de Justiça americano determinou que a estatal pagasse às autoridades brasileiras parte da multa devida

Proposta
Metade dos R$ 2,5 bilhões pagos seria usada na criação de uma fundação que financiaria projetos anticorrupção. Essa entidade seria criada em processo coordenado pela Procuradoria em Curitiba

Críticas
Para críticos da iniciativa, a Procuradoria estaria extrapolando suas prerrogativas e se valendo de um subterfúgio para receber valores não previstos no orçamento

Suspensão
Em março, a pedido da PGR, o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu a criação do fundo e determinou que a movimentação dos valores estava condicionada a autorização do tribunal

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