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Autobiografia aponta discriminação como dor e redenção de Jean Wyllys

Ex-deputado conta trajetória da infância ao autoexílio e impactos de marcas profundas com insultos

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São Paulo

​Deputado do PSOL, ex-BBB, aquele viado, o amigo de Marielle. São muitas as referências quando o assunto é Jean Wyllys —a depender de quem fala, elas focam na profissão, companhias, orientação sexual.

Mas quando é Wyllys quem discursa sobre si mesmo, evidencia-se um traço específico de sua personalidade: a visão de raio-x capaz de esquadrinhar a homofobia até mesmo onde ela parece nula, e a consequente gana para lutar contra ela.

Preconceituosos dirão que é exagero. Que gay enxerga intolerância em tudo. Os argumentos do recém-lançado “O que será – A História de um defensor dos direitos humanos no Brasil”, no entanto, provam que, como diz a historiadora americana Rebecca Solnit, citada no livro, homossexuais, assim como as mulheres, frequentemente não são levados em conta —e, como mulher e feminista que sou, tendo, então, a redobrar a atenção e me abrir para a fala de Wyllys.

Jean Wyllys (PSOL), em evento no Rio, quando deputado federal pelo PSOL em 2018
Jean Wyllys (PSOL), em evento no Rio, quando deputado federal pelo PSOL em 2018 - Mauro Pimentel - 2.abr.18/AFP

Nascido na década de 1970 no interior da Bahia, em Alagoinhas, descobriu ainda cedo o poder da discriminação.

Se na rua encarava as gargalhadas dos vizinhos, em casa era do desprezo paterno por seu “jeitinho” que precisava desviar. Coroinha, inquiriu o bispo local sobre a relação da Igreja com os homossexuais. Ouviu que estava perdendo a fé, e que deveria renunciar à túnica.

Em seu quinto livro, uma autobiografia escrita com colaboração de Adriana Abujamra, Wyllys compara os LGBTs aos mutantes X-Men dos quadrinhos, já que ambos desejam ser aceitos do jeito que são. “É uma reivindicação tão simples, mas tem sido muito difícil conquistá-la”, arremata.

E é por meio deste fio que ele apresenta sua trajetória desde a infância em meio à pobreza até o caminho na política brasileira e o atual autoexílio na Alemanha, depois de ter aberto mão do mandato de deputado –todos os aspectos invariavelmente impactados pelas “marcas profundas” que os insultos generalizados e a fratura do amor do pai deixaram. Foi rompendo o silêncio e se apropriando da luta que Wyllys parece ter encontrado seu lugar no mundo.

O autor é didático. Não apenas na hora de ensinar o leitor sobre os acontecimentos de sua vida, mas principalmente ao vinculá-los a dados históricos relevantes. Por exemplo, quando conta sobre seu ingresso na faculdade e explica que o sistema de cotas —do qual não se beneficiou, vale dizer— foi criado em 2012 por Dilma Rousseff.

Além do versículo que acompanha cada compêndio de sua enciclopédia, Wyllys aproveita também para quase sempre manifestar opinião sobre aquele tema. “Sou a favor da regulamentação, não da liberação total da maconha. Até porque, na prática, a maconha já está liberada, apesar de ser formalmente proibida. Assim como o aborto”, escreve.

A participação na quinta edição do Big Brother Brasil, em 2005, vale um capítulo completo. É, inclusive, quase um contraponto às outras divisões do livro, que rendem poucas intimidades. Embora exponha com bastante veemência seu ponto de vista político no geral, e especialmente no que diz respeito aos direitos humanos, Wyllys se resguarda quase sempre da superexposição, e isso sem qualquer prejuízo ao leitor.

 

Aos curiosos sobre a relação com Jair Bolsonaro, a boa notícia: em “O processo”, penúltimo capítulo da segunda parte, Wyllys narra em detalhes o dia da sessão na Câmara dos Deputados em que foi aberto o processo de impeachment de Dilma Roussef, em abril de 2016 – “a votação da maracutaia”.

 

Estão lá a cusparada desferida após entrar “em transe”, como ele define, e os motivos que o levaram até ela. A atitude não planejada, mas da qual o autor garante não se arrepender (“enquanto houver saliva, haverá cuspe”), lhe rendeu um processo no Conselho de Ética para a suspensão de seu mandato. Mais para a frente, já em Berlim, Wyllys resume Bolsonaro em sua vida. “Fui transformado num pária pelos eleitores desse maldito”.

Até por isso, a leitura de “O que será” pode ser recomendada não apenas aos eleitores de Jean Wyllys e aos interessados na política em geral, mas também àqueles contrários às ideologias do autor. Além de uma boa forma de desmistificar alguns pares de fake news, o livro serve ao propósito de um exercício franco da democracia: entender que aqui cabem todos, mas que nem por isso somos autorizados a tudo. 


O que será – A história de um defensor dos direitos humanos no Brasil

Jean Wylllys, com Adriana Abujamra 
224 páginas
Editora Objetiva
R$ 49,90

 
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