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Decisão do Supremo atinge a Lava Jato no seu pior momento

Operação está em divórcio com o bolsonarismo e sob fogo por vazamento de mensagens

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São Paulo

A surpreendente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que anulou decisão de Sergio Moro pega a Lava Jato em seu momento de maior fragilidade.

Desde 2014, quando a operação irrompeu com força destrutiva nunca antes vista no cenário nacional, as ações da força-tarefa de Curitiba se tornaram uma onipresente régua a dividir as classes política e empresarial entre bandidos e mocinhos.

Por óbvio, é ocioso apontar os ganhos institucionais da Lava Jato, reconhecidos mesmo pelos seus adversários. O país adotou um grau de intolerância com a corrupção aferível em pesquisas, e as investigações desvendaram esquemas sofisticados de desmando.

O ministro Sergio Moro durante evento sobre combate à corrupção, em Brasília
O ministro Sergio Moro durante evento sobre combate à corrupção, em Brasília - Pedro Ladeira - 27.ago.2019/Folhapress

Isso dito, historicamente toda revolução traz consigo excessos e os inevitáveis contrapesos. Para cada insurreição jacobina e o Napoleão que veio a seguir, há um Congresso de Viena, para ficar na dinâmica do início do século 19. Não seria diferente no Brasil do fim dos anos 2010.

Houve injustiças e erros conhecidos da Lava Jato em seu percurso, alguns corrigidos pelo próprio Supremo. Mas a decisão desta terça (27) coloca um dos pilares da operação, o trato de delações premiadas, em dúvida.

Foi algo bastante heterodoxo, para dizer o mínimo, e a partir da mudança de visão de uma usual partidária dos métodos de Curitiba, a ministra Cármen Lúcia. Considerar delator parte da acusação ensejará uma boa discussão jurídica.

Enquanto ela não ocorre onde interessa, o Supremo, há sim o risco apontado pela força-tarefa: uma revisão em massa de sentenças, com os casos sendo reenviados para a primeira instância.

Sem se ater a isso, é preciso observar o contexto. As divulgações das mensagens entre o então juiz símbolo da operação, Moro, e procuradores a partir as divulgações do The Intercept Brasil parecem ter influenciado a inflexão de Cármen.

Para complicar a vida do pessoal de Curitiba, Moro está sendo questionado desde que aceitou o papel político de ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PSL).

Primeiro, sofreu fogo de quem viu em suas decisões uma forma preconcebida de tirar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da corrida eleitoral contra seu novo chefe. Depois, mais importante, de superministro passou a alvo de fritura constante de Bolsonaro, com a contrariedade do chefe sobre seu tamanho político e eventuais pretensões presidenciais em 2022.

Pesou também no desgaste o fato de a Polícia Federal sob seu comando ter seguido investigando os elos da família Bolsonaro e milicianos no Rio de Janeiro.

Esse racha entre o bolsonarismo e o dito lava-jatismo cria uma contradição, já que o presidente foi eleito em parte pelo discurso anticorrupção, e usou Moro como ícone de suas convicções. O arranjo não durou meio ano.

O esvaziamento das manifestações em favor do ministro no fim de semana passado já indicavam um efeito prático desse racha, uma vez que no imaginário popular Moro e Lava Jato seguem sendo uma coisa só. A paulada institucional dada pelo Supremo completa o quadro de dificuldades para os investigadores.

Silenciosamente, os sobreviventes da chamada velha política, que foi escorraçada pelo eleitor nas urnas de 2018, sorriem. E não se fala aqui apenas daqueles envolvidos em crimes: a classe política como um todo foi demonizada pela Lava Jato, inclusive seus atores mais sérios.

As ruas podem se manifestar, mas ao que indica não há mais a força de antes —aquela que ajudou a derrubar Dilma Rousseff (PT) e que apoiou Bolsonaro. O fato de haver uma difusão de foco entre Moro, o procurador Deltan Dallagnol e o pedido de veto ao projeto sobre abuso de autoridade sugere perda de eficácia.

Pode haver reviravoltas, seja por um repique nas ruas ou no plenário do Supremo, mas parece que a principal dúvida daqui em diante será o grau do revés que a Lava Jato sustentará.

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