Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Força Nacional espiona mulheres indígenas até na portaria do Supremo

Líderes do movimento foram fotografadas e acompanhadas por um PM em roupas civis

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Brasília

A Força Nacional, subordinada ao ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), espionou nesta segunda-feira (12) as organizadoras da Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília.

Folha foi alertada por integrantes do protesto indígena de que um homem estava fotografando ou filmando líderes do movimento, como Célia Xakriabá e Sônia Guajajara, da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Chirley Pankará (PSOL-SP), Kerexu Yxapyry, de Santa Catarina, e Telma Taurepang, de Roraima.

O responsável pela ação foi um subtenente da Polícia Militar do Ceará, que usava roupas civis.

Cerca de 3.000 mulheres indígenas estão em Brasília, segundo as organizadoras, para uma marcha que ocorreu nestas terça (13) e quarta-feira (14) na Esplanada dos Ministérios.

Na segunda-feira, elas ocuparam o prédio da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) do Ministério da Saúde, na Asa Norte. À tarde, uma comitiva foi recebida no STF pela ministra Cármen Lúcia.

O policial militar esteve nos dois eventos, conforme vídeos e fotos obtidos pela reportagem —os autores das imagens pediram para não se identificar por temer represálias.

Na Sesai, ele esteve a poucos metros das organizadoras e, quando indagado sobre sua identidade, deixou o local rapidamente. No STF, por uma parede de vidro, ele fotografou ou filmou o momento em que as indígenas se identificaram na portaria do anexo.

No térreo do STF, enquanto ocorria a reunião com as ministras na segunda-feira, a Folha localizou e abordou o mesmo homem, que então se identificou como subtenente da PM do Ceará César Fonteles. Ele reconheceu que trabalhava para a Força Nacional e que fazia um "acompanhamento dos movimentos sociais [...] por questão de segurança, prevenção".

"A gente es tá acompanhando a questão dos movimentos sociais, e dos indígenas, a gente está monitorando a situação deles. Desde a situação deles lá no Sesai, no Ministério da Saúde e aqui [no Supremo] também. [...] A Força faz esse trabalho de acompanhar os movimentos sociais, tudo o que acontece ao redor", disse Fonteles. A reportagem confirmou que há um PM no Ceará com o mesmo nome.

Segundo o policial, há dois tipos de trabalho na Força, "o ostensivo e o nosso", isto é, com roupas civis e descaracterizado. Ele disse que trabalhou em boa parte de seus 26 anos na PM "na área de inteligência".

"As informações nós encaminhamos para a Força, para o nosso chefe na Força. Tem o trabalho ostensivo e tem o nosso também, de acompanhar a situação, por uma questão de segurança, prevenção, [para que] se antecipe a problemas. Para que não haja badernas, nem pessoal na questão de destruir o patrimônio. Então a gente faz isso, informa, e faz toda a prevenção à segurança dos senhores [jornalistas], de todo mundo", explicou Fonteles.

Ele também reconheceu que fez imagens "do local" dos protestos indígenas. "A gente tira foto do local, a gente faz, a gente comunica, o mesmo jeito que os senhores fazem no trabalho de vocês."

Policial militar acompanha e fotografa indígenas na sede do STF (Supremo Tribunal Federal) em Brasília - Divulgação

O policial reconheceu ainda que "outras agências de inteligência" fazem trabalho semelhante ao dele quando há manifestações de rua em Brasília. "Todas as manifestações tem... Não só a nossa agência, mas várias agências de inteligência fazem esse trabalho de acompanhar."

Segundo Fonteles, a atividade é ligada ao gabinete da Força, e ele repassa as informações para as instâncias superiores tomarem decisões. 

"A gente faz essa atividade de identificar pessoas que estejam querendo cometer algum ato criminoso, algum ato delituoso, alguém que esteja em situação de vandalismo, essas coisas todas."

Ao mesmo tempo, ele reconheceu que não havia nenhum problema de segurança no protesto das mulheres indígenas: "Graças a Deus está calmo. O receio da gente é esse, já pensou se tem um problema maior?"

Indagado por que não se identificou corretamente às mulheres quando foi abordado na Sesai, ele disse que houve um mal entendido. "Não foi isso, não. Eu estava apenas sem o meu crachá, fui buscar meu crachá", disse Fonteles.

A pedido, ele exibiu seu crachá à reportagem e depois também pediu o crachá do repórter da Folha e fez anotações. "É só por questão mesmo de procedimento formal. A mesma minha, eu me apresentei ao senhor, o senhor se apresentou a mim."

Na semana passada, a bancada do PSOL já havia protocolado um Projeto de Decreto Legislativo para sustar o decreto que autorizava que a Força Nacional fosse usada como órgão de repressão os atos dos dias 13 e 14 de agosto (que incluíram também atos pela educação e a Marcha das Margaridas). Agora a bancada quer que o ministro Sergio Moro explique por que autorizou ação, que contou com agentes usando roupas civis, sem identificação.

Em nota, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública confirmou que foi autorizada pelo órgão uma atividade de inteligência sobre o movimento das indígenas.

A ação, segundo a nota, foi realizada para uma "verificação de locais", tendo em vista o "iminente emprego da Força Nacional de Segurança Pública".

Nesta terça (13), uma portaria do governo Jair Bolsonaro (PSL) voltou a autorizar que a Força Nacional seja acionada para realizar a segurança da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes.

A portaria foi publicada no Diário Oficial da União, assinada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e é válida para terça (13) e quarta-feira (14). Ela foi feita por recomendação do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

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