Lava Jato planejou buscar provas contra Gilmar Mendes, indicam mensagens

Diálogos divulgados por Intercept e El País mostram intenção de atingir ministro do STF

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São Paulo e Brasília

Procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba discutiram coletar dados e informações sobre o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), para tentar afastá-lo de processos e até pedir seu impeachment, segundo publicação do jornal El País com base em mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil

De acordo com os diálogos divulgados nesta terça-feira (6), integrantes da operação, incluindo o procurador Deltan Dallagnol (chefe da força-tarefa), debateram apurar decisões e acórdãos do ministro para embasar a ofensiva e planejaram acionar investigadores na Suíça para tentar reunir indícios contra Gilmar Mendes.

O objetivo era rastrear um possível elo entre ele e Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, acusado de ser operador do PSDB e que está preso em Curitiba após uma das ações da Lava Jato. 

Gilmar Mendes reagiu à divulgação das novas mensagens nesta terça, disse que elas revelam "delinquência institucional" e afirmou que "está na hora de a Procuradoria tomar providências" sobre o caso.

“Tudo indica, à medida que os fatos vão sendo revelados, que nós tínhamos uma organização criminosa para investigar. Portanto, eles [procuradores] partem de ilações absolutamente irresponsáveis”, disse o magistrado.

O ministro afirmou que “quanto mais demora, mais os fatos vão assumindo mais gravidade”, mas ​não explicitou se cobrava alguma atitude da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Segundo a PGR, Deltan não poderia se​r afastado em razão de uma decisão individual de Dodge, mas somente por órgãos colegiados ligados à instituição. 

No âmbito do Ministério Público Federal, seria necessário uma decisão do Conselho Superior, por maioria de votos, em caso de membros indiciados ou acusados em processo disciplinar, segundo o órgão.

Além disso, o Conselho Nacional do Ministério Público, de controle externo da instituição, também pode determinar afastamentos de procuradores —o órgão já abriu reclamação disciplinar para apurar a situação de Deltan.  

“Pode-se imaginar, com base nesse padrão ético revelado, o que esses investigadores fizeram com a colaboração premiada. Como tenho dito, essa é a maior crise que se abateu sobre o aparato judicial desde a redemocratização”, disse Gilmar à Folha

No último dia 1º, reportagem publicada pela Folha e pelo Intercept com base nas mensagens obtidas pelo site já havia apontado que Deltan incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar Dias Toffoli sigilosamente em 2016, numa época em que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal começava a ser visto pela Lava Jato como um adversário disposto a frear seu avanço.

As mensagens apontavam que ele buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras.

Ministros do STF não podem ser investigados por procuradores da primeira instância, como Deltan e os demais integrantes da força-tarefa. A Constituição diz que eles só podem ser investigados com autorização do próprio tribunal, onde quem atua em nome do Ministério Público Federal é o procurador-geral da República.

Segundo as mensagens divulgadas nesta terça-feira (6), a suspeita dos procuradores era a de que Gilmar Mendes, que já havia concedido duas ordens de soltura em favor de Paulo Preto, aparecesse como beneficiário de contas e cartões que o operador mantinha na Suíça, um material que já estava sob análise dos investigadores europeus.

Ao falar sobre os cartões vinculados à conta de Paulo Preto na Suíça, o procurador Roberson Pozzobon comentou que um deles poderia ter como beneficiário o ministro do STF. “Vai que tem um para o Gilmar…hehehe”, escreveu Pozzobon.

Em seguida, o procurador Athayde Ribeiro disse, em tom irônico: “vc estara investigando ministro do supremo, robinho.. nao pode. rs”.

“Ahhhaha. Não que estejamos procurando. “Mas vaaaai que”, respondeu Pozzobon. 

As mensagens são reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais obtidos pelo Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas.

Os diálogos apontam que a discussão começou porque Deltan disse saber de "um boato" vindo da força-tarefa de São Paulo de que parte do dinheiro mantido por Paulo Preto em contas no exterior pertenceria ao magistrado.

À Folha Gilmar disse: “Quem se mostra capaz de fazer uma investigação sórdida, seria também capaz de inventar uma conta no exterior ou um cartão de crédito de forma fraudulenta". 

Deltan afirmou no grupo de conversas que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não tinha disposição de enfrentar Gilmar Mendes, um dos mais vigorosos críticos da atuação da força-tarefa de Curitiba.

A crítica a Dodge surgiu em um contexto em que Deltan defendia o impeachment do ministro do STF. 

“Caros a Raquel não confronta o GM [Gilmar Mendes] provavelmente por conta do sonho com uma cadeira no supremo, mas ele está passando de todos os limites. Ou passamos a falar publicamente que a sociedade tem um encontro marcado com o impeachment de Gilmar e se Vc não gosta do Gilmar a culpa é do Eunício Oliveira, ou então precisamos cobrar posição pública da PGR [Procuradoria-Geral da República]”, escreveu Deltan.

A menção ao ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE)  foi feita porque à época ele era presidente do Senado, onde podem tramitar processos de impeachment contra ministros do STF.

O tema do pedido contra Gilmar Mendes também surgiu em mensagem de 5 de maio de 2017.

Na oportunidade, Deltan comentou sobre a possibilidade de requerer o impeachment do ministro do STF caso ele determinasse a soltura do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que foi preso e depois fez delação na Lava Jato.

“Caros estive pensando e se perdermos o HC do Palocci creio que temos que representar/pedir o impeachment do GM”, comentou o procurador.

Chamadas telefônicas

Segundo o El País, em uma das mensagens Deltan sugeriu buscar chamadas telefônicas de Paulo Preto ao Supremo Tribunal Federal.

“Vale ver ligações de PP [Paulo Preto] pra telefones do STF”, disse Deltan.

Em seguida, o procurador Paulo Roberto Galvão comentou: “Mas cuidado pq o stf é corporativista, se transparecer que vcs estão indo atrás eles se fecham p se proteger”. 

Dias depois, os procuradores obtiveram um relatório de uma operação da força-tarefa que indicou que o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) havia ligado para o gabinete de Gilmar Mendes no dia 11 de fevereiro de 2019.

Delatores da Lava Jato apontaram que Paulo Preto afirmava ter vínculo com Aloysio, que sempre negou qualquer envolvimento em atos de corrupção.

Em 21 de fevereiro deste ano, no mesmo chat, Pozzobon afirmou: “Acho que tem uma chance grande de ALOYSIO ter colocado GILMAR no STF”.

Aloysio e Gilmar trabalharam na administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e o ministro foi indicado ao STF por FHC em 2002.

Sobre esse tema, o procurador Paulo Roberto Galvão comentou: “Mas calma que isso não quer dizer muita coisa rs”. 

Deltan, então, discutiu uma maneira para levar o assunto à imprensa. “Tem q botar no papel. Mostrar suspeição. Pegar quem trabalhava nessa época no mesmo local. Imprensa é o ideal”, disse ele. 

Em seguida, os procuradores Galvão e Pozzobon recomendaram cautela com o assunto. “Mas não é novidade que Gilmar veio do psdb e de dentro do governo fhc!!! Cuidado com isso”, disse Galvão.

Sobre Gilmar Mendes, Deltan concordou que era preciso tomar cuidado. “Nós não podemos dar a entender que investigamos GM”.  “Caso se confirme essa unha e carne, será um escândalo”, completou sobre a suposta proximidade.

Outro Lado

​A força-tarefa de Curitiba diz que não reconhece as mensagens divulgadas desde junho e atribuídas a seus integrantes.

"O material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade", afirmou em nota. 

Ela disse ainda que não surgiu nas investigações nenhum indício de que cartões da conta de Paulo Preto tenham sido emitidos em favor de qualquer autoridade sujeita a foro por prerrogativa de função. "Qualquer ilação nesse sentido, por parte de quem for, seria mera especulação." 

Segundo a nota da força-tarefa, em todos os casos em que há a identificação de pagamentos de vantagens indevidas e lavagem de ativos no exterior, o Ministério Público busca fazer o rastreamento do destino de todos os ativos ilícitos, para identificar os destinatários desconhecidos.

"Sempre que surgem indícios do envolvimento em crimes de pessoas com foro privilegiado, a força-tarefa encaminha as informações à procuradoria-geral da República e ao Supremo Tribunal Federal, na linha da jurisprudência dessa corte", afirmou. 

Inquérito

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida sua imparcialidade como juiz no julgamento dos processos da operação.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele podem ser anuladas. Isso inclui o processo de Lula, que está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado no segundo semestre deste ano.

Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de  comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito". 

Tanto Moro como Deltan têm repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contém ilegalidades.

Na segunda (5), a Polícia Federal entregou ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, cópia da investigação sobre a invasão a contas de Telegram de autoridades, incluindo procuradores da Lava Jato. A entrega havia sido determinada por Moraes na última quinta-feira (1).

O inquérito foi aberto no início de junho, após Moro, ex-juiz e atual ministro da Justiça de Bolsonaro, dizer que havia sido vítima de uma invasão. Menos de dois meses depois, a PF deflagrou a Operação Spoofing, que prendeu quatro pessoas suspeitas de terem participado do ataque.

Um dos presos, Walter Delgatti confirmou em depoimento ter sido autor do hackeamento e também ter sido responsável pelo repasse do conteúdo capturado ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do The Intercept Brasil. Delgatti  disse à Polícia Federal que as mensagens que obteve foram encaminhadas de forma anônima, voluntária e sem cobrança ao jornalista.

Os quatro suspeitos estão presos preventivamente para não atrapalhar as investigações, segundo decisão do juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal do DF.

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