Novo corta funcionários, mas contrata candidatos derrotados e assessores de campanha

Apenas 13 dos 80 auxiliares do partido na Câmara passaram por plataforma de seleção pública contratada pela sigla

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Brasília

Criado em 2015 com forte discurso a favor da meritocracia e contra os apadrinhamentos, o partido Novo estreou na Câmara dos Deputados colocando em prática uma de suas bandeiras, a tentativa de redução do desperdício de recursos públicos. A sigla sofre, porém, questionamento por, em alguns pontos, manter velhas práticas políticas.

Pelas regras da Câmara, os oito deputados federais e o gabinete da Liderança do partido têm direito a contratar 236 assessores sem concurso público, com salários entre R$ 1.025 e R$ 19.900. Até o final de julho, porém, o Novo havia ocupado apenas 80 vagas, cerca de um terço do que poderia alocar.

Desses funcionários, 13 eram oriundos de um processo seletivo realizado pela plataforma Legisla Brasil, contratada pela sigla por R$ 15 mil —sendo R$ 5 mil de recursos públicos da Câmara— para realizar a triagem de candidatos.

Ao todo, 12.179 pessoas se inscreveram nesse processo seletivo, que incluiu análise de currículo, teste de lógica, produção de vídeo e entrevistas presenciais.

 
Deputado federal do Novo Tiago Mitraud, que nega aparelhamento na sigla - Leo Martins - 10.mai.19/UOL

Embora o Legisla Brasil —que se apresenta como uma organização suprapartidária, sem fins lucrativos, e que já selecionou assessores para políticos de outros partidos— faça uma seleção de caráter público abrangente, no caso do Novo ela não é integralmente impessoal.

A sigla acompanha as fases de classificação das pessoas que serão encaminhadas para a análise dos parlamentares, a quem cabe a palavra final —em vários casos, os mais bem colocados na seleção do Legisla Brasil foram rejeitados pelos parlamentares, que escolheram outros nomes mais abaixo na lista.

As demais contratações (67) foram feitas a critério dos parlamentares e do partido, o que incluiu candidatos do Novo que não conseguiram se eleger, assessores de campanha e integrantes dos grupos que se alinham à sigla.

Todos os deputados do Novo que responderam às perguntas da Folha confirmaram que contrataram pessoas que trabalharam em suas campanhas, mas negaram entender essa prática como fisiologista.

Pelo menos quatro candidatos derrotados em 2018 também viraram assessores da bancada eleita.

Segundo o partido, mesmo aqueles que não foram admitidos por meio do Legisla Brasil passaram por algum processo seletivo, que levou em conta vários fatores, não só o trabalho anterior com os eleitos.

Contratada por meio do Legisla Brasil, a ex-coordenadora de Comunicação da bancada Carina Rabelo Brunetti afirma, porém, que o método de seleção dos assessores do partido é um jogo de cartas marcadas montado com o intuito de dar aos eleitores uma falsa sensação de rompimento com as velhas práticas fisiológicas adotadas pela maioria dos partidos políticos.

Segundo ela, vários dos selecionados pelo Legisla Brasil foram desclassificados pelos deputados nas entrevistas sem justificativa plausível, com o intuito de contratar pessoas alinhadas aos parlamentares.

"Eles desqualificavam os selecionados, informando que não tinham perfil psicológico ou engajamento necessário, sem conseguir justificar por que nenhum deles servia, e desconsiderando por completo a qualidade técnica", afirma, acrescentando: "A falta de critério técnico e de gente competente me chamou a atenção desde o início das minhas atividades na Câmara junto ao partido Novo. A hipocrisia é tão gritante que o partido é o mais fisiologista que já trabalhei."

Ela foi demitida na primeira quinzena de abril, pouco mais de dois meses após assumir o cargo.

Destacado pela Liderança do Novo para falar com a Folha, o deputado Tiago Mitraud (MG) afirma que o partido jamais se desviou do seu objetivo de usar mínimo de recursos públicos e dar o máximo de retorno à sociedade.

Um dos pontos que ele ressalta é o de que o Novo contratou apenas 80 dos 236 assessores a que tem direito pelas regras atuais. Há três outros partidos com o mesmo tamanho do Novo na Câmara (oito deputados). Todos contrataram um número bem maior de assessores —PC do B (192), PSC (181) e Cidadania (181).

"Isso daqui é um partido e uma Liderança de boa fé. Nenhum dos oito deputados está aqui para ganhar dinheiro, para empregar o amigo, nenhum está aqui para aprovar Refis para beneficiar sua empresa [em referência a parlamentares que aprovaram projeto de refinanciamento de dívidas que beneficiaram suas empresas]. A gente está aqui porque estava puto com o que estava acontecendo do Brasil. A gente pode discordar de meio mundo, mas isso aqui é um partido de boa fé", afirmou.

Mitraud contratou seis dos seus sete atuais assessores por meio do Legisla Brasil. Os outros sete que vieram da plataforma foram contratados pelo gabinete da Liderança.

Segundo ele, a tese de apadrinhamento não prospera, entre outros motivos, porque há um sistema de avaliação de desempenho interno, feito pelos próprios funcionários.

"Ninguém entrou aqui por ser amigo ou conhecido. Quem trabalhou anteriormente com as pessoas, essa informação foi dada, tanto no caso para contratar quanto para não contratar, mas isso nunca foi avaliado isoladamente. Se isso ocorrer, na avaliação de desempenho esse cara cai", afirma o deputado, acrescentando ainda não ter participado em nenhum momento do processo que resultou na contratação de um assessor de sua campanha para a Liderança —apenas deu, diz, o relato da experiência profissional que teve aos colegas que aprovaram a contratação.

Mitraud diz ainda que quatro pessoas que participaram de sua campanha se inscreveram no processo do Legisla Brasil para a formação dos assessores de seu gabinete, mas não foram contratadas.

Segundo ele, a então coordenadora de comunicação foi demitida em comum acordo pelos deputados que atuam no dia a dia da Liderança do Novo.

O deputado Paulo Ganime (RJ) afirmou que contratou três dos seus assessores a partir de um processo seletivo com teste online, perguntas técnicas e comportamentais, análise de currículo e entrevistas presenciais. Segundo ele, outros quatro que trabalharam em sua campanha foram recrutados por serem de sua confiança e por ele ter testemunhado o afinco e determinação desempenhada por eles nas experiências passadas.

O deputado Vinicius Poit (SP) disse que todos seus assessores passaram por um processo seletivo próprio que contou com mais de 2.000 inscritos. "Alguns dos contratados já possuíam relação com a campanha do deputado e com o partido, entretanto o alinhamento com os valores do partido Novo era apenas um dos critérios de seleção."

Em nota, a bancada do Novo afirmou que defende "um modelo de contratação baseado na qualificação e preparo profissional, no alinhamento às ideias do partido e na meritocracia" e que as questões pessoais "não são consideradas como critério principal de contratação".

A bancada disse ainda que tem um centro de serviços compartilhados (fotografia, design e vídeo) para os deputados, com o intuito de reduzir os gastos públicos.

Em junho a Folha mostrou que o Novo repetia velhos hábitos da política tradicional. Uso de auxílio-moradia por um dos parlamentares e excessivos gastos com passagens aéreas estavam entre esses casos.

Contratações do partido Novo na Câmara dos Deputados

Vagas ocupadas

236 é o número de assessores que os 8 deputados federais e o gabinete da Liderança do partido têm direito a contratar

80 vagas foram ocupadas, cerca de um terço do que poderia alocar. É um número menor do que o contratado por outros partidos do mesmo porte na Casa:

  • PC do B - 192
  • PSC - 181
  • Cidadania - 181

Tipo de seleção

67 foram feitas a critério dos parlamentares e do partido, o que incluiu candidatos do Novo que não conseguiram se eleger, assessores de campanha e integrantes dos grupos que se alinham à sigla

13 eram oriundos de um processo seletivo realizado pela plataforma Legisla Brasil, que incluiu análise de currículo, teste de lógica, produção de vídeo e entrevistas presenciais. Desses:

  • 6 estão no gabinete do deputado Tiago Mitraud (MG)
  • 7 estão no gabinete da Liderança

R$ 1.025 a R$ 19.900 é quanto ganham assessores sem concurso público na Câmara

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