Produtor quita dívida de ministra da Agricultura com JBS em troca de terreno

Empresa deu desconto para receber R$ 6,18 milhões; advogado de Tereza Cristina diz que negócio é privado

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Brasília

Um produtor rural de Mato Grosso do Sul quitou uma dívida de R$ 6,18 milhões que vinha sendo cobrada havia cinco anos da ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), e de seus irmãos pela J&F Investimentos, holding da empresa de carnes JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

O advogado da ministra afirmou que, em troca do pagamento, o produtor se tornou dono de uma parte de uma propriedade rural da família.

Ele, porém, se recusou a fornecer à Folha um documento público de compra e venda que detalhe o negócio imobiliário, alegando que Tereza não é “parte no contrato” de compra e venda do lote e o negócio “é de natureza privada, sem nenhuma relação com a atividade pública” da ministra do governo de Jair Bolsonaro.

A deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Pedro Ladeira/Folhapress

Antes de fechar o acordo, a J&F fez a atualização do débito com base na tabela de cálculos do Tribunal de Justiça de São Paulo e chegou ao valor total de R$ 8,5 milhões. Porém aceitou receber os R$ 6,18 milhões, uma diferença de 27% em favor da ministra e sua família.

A J&F afirmou que descontos são comuns em negociações de processos sobre dívidas vencidas há muitos anos. Indagada sobre quão comuns são esses acordos e descontos, a empresa não revelou balanços e números.

Tereza e seus familiares já haviam fechado um acordo com a J&F em dezembro passado, depois que ela foi anunciada ministra de Bolsonaro.

Contudo, segundo o processo de cobrança da dívida, Tereza e familiares não honraram os termos do acordo. Isso só ocorreu a partir de um novo acerto, em maio, quando foi quitado o pagamento.

A transferência bancária que encerrou a disputa judicial foi realizada em 9 de maio pelo produtor rural Rodolfo Paulo Schlatter.

Localizado por telefone pela reportagem, o produtor disse que comprou 500 hectares do grupo de cinco irmãos da família de Tereza Cristina e que, em troca, quitará ao todo R$ 9 milhões em dívidas contraídas pelos herdeiros.

“Não é só a JBS, não. Tem mais um pouquinho de uma firma particular, mais umas três empresas que eles devem. Então resolveram vender 100 hectares de cada um para pagar a dívida”, disse o produtor.

Schlatter disse que adquiriu o lote de 500 hectares, em Terenos (MS), após ter sido procurado por um corretor de valores, embora conheça a ministra.

“Conheço de muitos anos de deputada, eu sou do estado [de Mato Grosso do Sul], ela foi deputada, claro que já vi ela, conheço de vista, em palanque, pedindo voto”, disse o produtor.

“Eles [irmãos] botaram [o lote] numa corretora para vender. Aí o corretor me ofereceu, sabia que eu poderia comprar e me ofereceu para comprar. Então não tem nada de contato com ela, não. Não foi ela que veio me oferecer”, afirmou.

Schlatter é um conhecido produtor rural da região de Chapadão do Sul (MS) onde foi eleito, em 2016, segundo suplente no sindicato rural. Em 2013, virou notícia quando gastou R$ 6 milhões em compras de equipamentos agrícolas durante a feira de exposição Agrishow, em Ribeirão Preto (SP). “O que importa é o desconto”, disse na ocasião ao site G1.

Em 2008, Schlatter entrou no STF (Supremo Tribunal Federal) com um habeas corpus preventivo para evitar que fosse preso em decorrência de uma disputa judicial que travava com a Du Pont do Brasil.

A empresa argumentava que tinha direito a 28 mil sacas de milho em grãos, ou 1,7 tonelada de produto, avaliadas em R$ 322 mil, que estariam sob a custódia de uma empresa de Schlatter, a Rio Grande Armazéns Gerais.

O advogado de Schlatter no processo, Salvador Divino de Araújo, afirmou que não chegou a haver pedido de prisão contra seu cliente e que ele sempre negou qualquer irregularidade sobre o produto armazenado. Hoje, segundo o advogado, a questão está extinta no Judiciário.

 

Empréstimos

A história do processo movido pela J&F contra Tereza Cristina e espólio de sua família começou há dez anos na 25ª Vara Cível de São Paulo.

Em 2009, a mãe da ministra, Maria Manoelita, emitiu duas cédulas de produtor rural (que são títulos que valem como promessa de entrega de produtos) pelas quais tomou empréstimos financeiros no banco BTG no valor de R$ 2,1 milhões.

Como garantias, ofereceu 2.000 bois e o aval de Tereza. Em 2010, como as obrigações das cédulas foram descumpridas, o BTG ajuizou uma ação de execução da dívida contra Manoelita e Tereza. Chegou a ser emitida uma ordem judicial de busca e apreensão dos bois, mas não chegou a ser concretizada.

Em agosto de 2010, houve um primeiro acordo entre o banco, Manoelita e Tereza, para a quitação do débito. Ele não foi cumprido, segundo a ação ajuizada pela J&F.

Na mesma época, os créditos do BTG foram cedidos para o então Banco JBS, que depois passaria a se chamar Original.

Com a morte da mãe de Tereza, em 2010, ela foi nomeada pela Justiça inventariante do espólio. Após uma série de desdobramentos, a J&F ajuizou, em dezembro de 2014, uma ação de execução de título judicial.

Em novembro passado, a Folha revelou que Tereza concedeu, no cargo de secretária estadual de Desenvolvimento Agrário durante o governo de André Puccinelli (MDB-MS), cargo que ocupou de 2007 a 2014, incentivos fiscais ao grupo JBS na mesma época em que manteve uma parceria pecuária privada com a empresa de carnes. Ela arrendava uma propriedade em Terenos (MS) para criação de gado.

Delatores da JBS disseram ao Judiciário que o pagamento de propina a agentes públicos estava vinculado a essa política de incentivos fiscais —Tereza negou qualquer envolvimento.

A ministra foi confirmada no cargo mesmo após a reportagem de novembro. No mês seguinte, ela, o espólio e a J&F fizeram novo acordo para encerrar a ação judicial —o que só ocorreria em maio, com a transferência bancária de Schlatter.

 

Outro lado

Escalado pela ministra Tereza Cristina para falar sobre o assunto à Folha, o advogado Dorvil Vilela Neto afirmou que a venda de terreno em Mato Grosso do Sul que permitiu a quitação da dívida com a J&F não foi realizado pela ministra, mas pelo espólio da mãe dela, Maria Manoelita, morta em 2010. A Justiça de São Paulo nomeou, em 2010, Tereza inventariante do espólio.

O advogado afirmou ainda que o terreno vendido a Rodolfo Schlatter é parte de imóvel rural que “pertence à sua família há várias décadas, cuja venda foi pedida por todos os herdeiros ao juízo do inventário, autorizada previamente em decisão judicial e, depois, lavrada em escritura pública”.

Ele afirmou que não revelaria o local da propriedade comercializada ou apresentaria cópia da escritura porque seria um negócio privado entre o espólio e Schlatter.

"O negócio concerne apenas às partes e ao juízo do inventário. A escritura e o registro cartorial têm natureza pública; o negócio, não", disse.

Segundo o advogado, o juiz do inventário permitiu “a venda de área rural única e exclusivamente para pagamento de obrigações do espólio”, por isso Schlatter “pagou diretamente à credora do espólio”.

“Aliás, o pagamento direto pelo comprador ao credor do vendedor, com devida declaração contábil, é prática legal e corriqueira no mercado imobiliário de áreas rurais”, disse o defensor.

O advogado afirmou ainda que a dívida cobrada pela J&F não era da ministra, mas do espólio de sua mãe. “A senhora Tereza Cristina era apenas avalista, como consta da ação judicial finda”, disse o defensor.

Em nota, a J&F Investimentos afirmou que “para garantir o recebimento da dívida, ainda que parcialmente, é praxe no mercado de crédito os credores buscarem acordos com os devedores”.

A empresa informou que o crédito referente ao processo entrou na carteira de recebíveis em 2013 com o valor original de R$ 2,1 milhões.

“Desde então, o pagamento da dívida está sendo cobrado pela empresa na Justiça e houve diversas tentativas de acordo com os representantes da devedora. Em 2018, chegou-se a um acordo entre as partes, o qual foi homologado pelo juiz, porém não honrado pela devedora. Por essa razão, a J&F informou à Justiça o não pagamento do valor acordado entre as partes", disse a empresa. Novo acordo foi selado em maio e quitado.

Rodolfo Schlatter afirmou à Folha que pretende plantar soja na propriedade.

 
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