TJ-SP poderá julgar contrato suspeito do próprio tribunal com amigo de Temer

Suspeitas da PF sobre o tribunal se iniciaram após análise de documentos do coronel Lima

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São Paulo

Nove meses após a Polícia Federal ter apresentado o relatório final do inquérito que investigou suspeitas de envolvimento do ex-presidente Michel Temer (MDB) em pagamentos de propina no setor portuário, uma ponta da apuração, sobre obras no Tribunal de Justiça de São Paulo, permanece solta.

As suspeitas da PF sobre o tribunal se iniciaram quando foram analisados documentos encontrados na sede da Argeplan, empresa de João Baptista Lima Filho. Conhecido como coronel Lima, ele é apontado pelo Ministério Público como operador financeiro do ex-presidente Temer.

Os papéis se referiam a repasses de um contrato, em vigência de 2013 a 2018, entre o TJ e um consórcio formado pela Argeplan e pela Concremat Engenharia. Com três aditivos, o valor acertado ultrapassa R$ 130 milhões.

Segundo o TJ, chegaram a ser pagos R$ 73 milhões pelos serviços das empresas. A principal desconfiança dos investigadores é que houve superfaturamento e que parte do contrato não foi cumprida.

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O coronel João Baptista Lima Filho, apontado como operador do ex-presidente Michel Temer - Jefferson Coppola/Veja

​Esse desdobramento das investigações atualmente tramita na Justiça Federal de SP, sem decisão se será transferido para o âmbito da Justiça Estadual. Se isso ocorrer, o caso deixará de ser analisado por juízes federais e ficará sob responsabilidade de magistrados do próprio tribunal investigado.

No relatório dos portos, a PF destaca a “abstração do objeto do contrato” feito pelo TJ com a Argeplan e Concremat. O serviço prestado seria de “apoio técnico por profissionais na área de arquitetura e engenharia”. Na prática, o consórcio faria a fiscalização de obras em prédios do tribunal paulista e elaboraria projetos de acessibilidade, reformas e proteção e combate a incêndio.

Para anunciar o edital da licitação das obras, o TJ gastou só R$ 242, em um anúncio em revista de pequena circulação.

Tudo isso levantou questionamentos da desembargadora Maria Lucia Pizzotti, que coordenava as obras de restauro do Palácio da Justiça, ao então presidente do TJ, Paulo Dimas Mascaretti. Esse, que assumiu a presidência em 2016, não foi responsável pela elaboração do contrato inicial com o consórcio, mas autorizou um dos aditivos.

Entre outros problemas, Pizzotti reclamou em emails que o consórcio Argeplan/Concremat fiscalizaria a restauração do palácio —obra que teve projeto elaborado pela própria Argeplan e execução da empresa Concrejato, cuja dona é a Concremat.

Ou seja, Pizzotti afirmou que havia conflito de interesses entre o consórcio que fiscalizaria a execução e os realizadores do projeto e obra.

Após essas críticas, a desembargadora foi procurada pela PF. Aos investigadores disse que considerava o preço do contrato desproporcional, que os valores dos projetos não contavam com forma clara de cálculo e que houve triangulação de contratos e pedidos de aditivos sem necessidade justificada.

“Me levou à conclusão de que em se tratando de projetos de pouca complexidade, os valores poderiam estar supermensurados”, disse ela.

O ex-presidente do Tribunal de Justiça de SP, Paulo Dimas Mascaretti
O ex-presidente do Tribunal de Justiça de SP, Paulo Dimas Mascaretti - Eduardo Anizelli/Folhapress

Apesar das suspeitas, Paulo Dimas não encerrou o contrato e pretendia renová-lo. Chegou a preparar um novo edital de licitação no fim de 2017.

Procurado, ele afirma que “os órgãos de controle interno e a Comissão de Assuntos Administrativos, esta integrada por juízes e desembargadores, não identificaram situação de não realização dos serviços que foram pagos ou mesmo de preços superdimensionados”.

Paulo Dimas deixou a presidência do TJ no início de 2018 e se tornou secretário da Justiça na gestão João Doria (PSDB). Ao assumir a presidência do tribunal, o desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças suspendeu o edital da nova licitação.

Em novembro passado, ao encerrar o inquérito dos portos, o delegado Cleyber Malta Lopes pediu a abertura de duas novas investigações, para apurar suspeitas relacionadas ao coronel Lima.

Uma delas dizia respeito a pagamentos relacionados a contratos da empresa AF Consult com a Eletronuclear, que resultou em denúncia e na prisão preventiva de Temer e Lima, em março passado.

A outra investigação é a do TJ, que está sob a alçada do Ministério Público Federal. Embora a Procuradoria tente manter o caso sob tutela da Justiça Federal, ao alegar que há conexões com eventos investigados pela Lava Jato, o caso pode passar para o Ministério Público do Estado.

Segundo pessoas ouvidas pela reportagem, o motivo é que a investigação se trata de dinheiro estadual e não há justificativa para que ela trâmite em vara federal.

OUTRO LADO

O Tribunal de Justiça afirma que foram executadas e entregues 850 ordens de serviço pelo consórcio Argeplan/Concremat, entre projetos de engenharia e arquitetura, documentações de especificações técnicas e orçamentos, vistorias prediais, relatórios e fiscalizações.

“Foram elaborados 333 projetos de Proteção e Combate a Incêndios. Destes, 91 obras já foram concluídas e as demais encontram-se em execução, em fase de licitação ou aguardando elaboração de planilha orçamentária prévia à licitação”, diz nota do tribunal.

A corte não comenta a investigação da PF, mas diz que “o contrato e a sua execução foram submetidos aos órgãos internos e externos de controle, e os apontamentos da Diretoria de Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado foram esclarecidos no processo próprio”.

A supervisão da obra de restauro do palácio, segundo o tribunal, foi feita por servidores do TJ, e não pelo consórcio Argeplan/Concremat.

O secretário e ex-presidente do TJ Paulo Dimas afirma em nota que a prorrogação do contrato com o consórcio foi feita de forma legal após ser submetida ao Órgão Especial do TJ, composto por 25 desembargadores. Também diz que o contrato era sob demanda e apenas os trabalhos efetivamente prestados foram pagos. “Até o aditamento, em julho de 2016, foi pago o importe de R$ 49.362.242,14, sendo então possível a prorrogação da vigência, sem qualquer aumento de preços”, diz.

A Concremat, em nota, afirmou que a obra foi fiscalizada pelo corpo técnico do Tribunal de Justiça e não pelo Consórcio Argeplan-Concremat.

“Nunca houve conflito: à época, Concrejato e Concremat eram empresas independentes, com diretorias e corpos técnicos diferentes.”

O advogado do coronel Lima, Cristiano Benzonta, afirma que não procedem suspeitas de irregularidades no contrato do TJ. “O contrato foi integralmente cumprido e não existe qualquer fato que possa desabonar a conduta da Argeplan e do consórcio por esta integrado naquela contratação.”

“Ao final do contrato, o TJ-SP expediu o competente Atestado de Capacidade Técnica em favor da Argeplan e do consórcio, destacando que os serviços foram integralmente concluídos e atendem às especificações e exigências contratuais de forma criteriosa e satisfatória."

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado, o relatório final do inquérito da PF foi apresentado há nove meses, e não há sete meses. O texto já foi corrigido
 

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