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Assembleia de SP aprova projeto de Doria para extinguir a Dersa

Estatal de desenvolvimento rodoviário está no centro de escândalo de propina que atinge tucanos

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São Paulo

A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou nesta terça (10), por 64 votos a 15, a extinção da Dersa, estatal de desenvolvimento rodoviário que está no centro de um escândalo de corrupção de governos tucanos.

A votação —que teve ainda duas abstenções— era uma das prioridades do governo João Doria (PSDB), que tentou aval para extinguir a estatal no primeiro semestre, mas postergou seu plano em meio à resistência inicial dos deputados. 

Agora, a base do tucano já está mais consolidada na Assembleia, sobretudo porque partidos que se dizem independentes, como Novo e PSL (a maior bancada com 15 deputados), costumam apoiar privatizações, como foi o caso nesta terça.

Criada em 1969 e atualmente com 307 funcionários, a Dersa foi responsável nas últimas décadas pelos contratos do Rodoanel, dentre outras obras, mas deixou de ser encarregada de novas construções na gestão Doria. 

Assolada por investigações que apontam suspeitas de desvios de centenas de milhões de reais em obras durante governos do PSDB, ela é alvo de um pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) feito pelo PT e pelo PSL.

O partido do presidente Jair Bolsonaro votou pela extinção, mas a deputada Janaina Paschoal (PSL) afirmou que a sigla ainda defende uma CPI sobre a estatal.

A pressa de Doria para a extinção da Dersa tramitar na Assembleia levou à inclusão da proposta para votação no plenário sem ter passado por todas as comissões que antecedem essa etapa. 

O projeto foi apresentado em 1º de junho à Assembleia e aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, a primeira a analisá-lo, em 14 de agosto —a Casa esteve em recesso em julho.

No último dia 20, passou a constar na pauta do plenário, sem ter sido aprovado na Comissão de Transportes e Comunicações e na Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento.  Isso foi possível porque a proposta tramitou em regime de urgência.

A extinção da Dersa esteve em discussão no plenário em cinco sessões até ser aprovada (era preciso acumular seis horas de discussão). A maior parte desse tempo, porém, não foi gasta em debates de fato, mas contabilizada a partir de acordo entre os líderes partidários. 

"O projeto é um cheque em branco para Doria. Significa a demissão de trabalhadores da Dersa. Amigos do governador do setor privado vão passar a vender os serviços da Dersa", disse Teonilio Barba, líder do PT.

O líder de governo, Carlão Pignatari (PSDB), disse que a ideia é diminuir as despesas do estado e favorecer os contribuintes paulistas.

Segundo ele, os empregados da Dersa poderão aderir a um Plano de Demissão Voluntária, e as atividades da empresa serão absorvidas pela Secretaria de Logística e Transportes.

A possibilidade de investigar a estatal ficou mais distante após uma manobra do PSDB no início da legislatura, em março. Os tucanos dormiram na fila para requisitar outras CPIs à frente da CPI da Dersa—foi protocolada uma comissão para apurar, por exemplo, pet shops.

Com isso, a CPI sobre a estatal ficou para 2020. A oposição ainda tenta instalar a comissão neste ano, mas precisa obter aval de 48 deputados (de um total de 94).

Segundo Barba, deputados do PSDB trabalham para que a CPI não seja votada no plenário. Pignatari, por sua vez, diz que a sigla não vê problema na comissão. "O governo Doria não tem dificuldade com nenhum tipo de investigação", disse o tucano, afirmando que a extinção da empresa não tem relação com a possibilidade de que haja uma CPI sobre ela.

Já o deputado Paulo Fiorilo (PT) cobrou coerência do governo e afirmou que, se Doria apoia a investigação, deveria propor que a Assembleia aprove a CPI. "Não é possível encobrir os desmandos, passar a borracha no que foi feito de errado", disse o petista, que se referiu à estatal como "símbolo da corrupção do PSDB".

Em janeiro, Doria enviou à Assembleia, como seu primeiro projeto, a extinção ou fusão de seis estatais, entre elas a Dersa.

Como a proposta foi questionada até mesmo por partidos que defendem privatizações, Doria resolveu separar a Dersa em novo projeto, destravando a aprovação em relação às demais estatais, ocorrida em maio. Enquanto isso, Doria foi esvaziando as funções da Dersa, como mostrou a Folha.

A empresa pública, responsável também pela ampliação da marginal Tietê, virou alvo de suspeitas nos últimos anos frequentemente associadas ao ex-diretor Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto e apontado como suposto operador de propina de tucanos.

Extraoficialmente, a Dersa é considerada sob intervenção da Secretaria de Logística e Transportes desde que Doria assumiu. A pasta rescindiu contratos das suas duas principais obras: trecho norte do Rodoanel e contornos da rodovia dos Tamoios. 

A Dersa também presta outros serviços, como a operação de balsas que fazem as travessias Guarujá/Santos e São Sebastião/Ilhabela, no litoral paulista.

As travessias, no entanto, não são consideradas sustentáveis pelo governo, e foram incluídas na carteira de concessões e privatizações que Doria planeja. 

O secretário dos Transportes, João Octaviano Machado Neto, disse na justificativa do projeto enviado para a Assembleia que a Dersa "está em vias de ser caracterizada como empresa estatal dependente", precisando neste ano de R$ 50 milhões do Tesouro estadual para pagar despesas de pessoal e custeio.

O passivo da estatal decorrente de ações judiciais, aponta a justificativa, pode chegar a R$ 1,13 bilhão. Em 2018, a empresa teve lucro de R$ 29 milhões e prejuízo acumulado de R$ 435 milhões. Os ativos da companhia somam R$ R$ 1,46 bilhão. 

O secretário defendeu na justificativa aos deputados que a extinção da Dersa atende ao interesse público. 

"A companhia não mais realiza operações diretas de rodovias, que têm sido concedidas à iniciativa privada de acordo com os métodos de gestão pública mais modernos. [...] Quanto às atividades de orçar, contratar e vistoriar obras, hoje realizadas pela empresa, estima-se que poderão ser assumidas pela administração direta, sem prejuízo à continuidade do serviço público."

A gestão Doria é de continuidade da administração, também tucana, de Geraldo Alckmin (2011-2018). Apesar disso, vê com desconfiança as informações fornecidas por funcionários da Dersa a respeito dos pagamentos feitos a empreiteiras nas administrações passadas.

Além dessas questões, a imagem do órgão associada a escândalos também preocupa Doria, que teve como plataforma de campanha ações de combate à corrupção e que postula ser candidato à Presidência da República em 2022.

Paulo Preto, preso desde março em Curitiba, foi diretor de Engenharia da Dersa no governo do tucano José Serra (2007-2010) e tem duas condenações, a 27 anos e a 145 anos de prisão, por desvios e formação de cartel em obras no estado —sobretudo no Rodoanel Sul.

A alça norte do Rodoanel, tocada na gestão Alckmin, também virou alvo da Lava Jato no ano passado, resultando na prisão preventiva de Laurence Casagrande, ex-secretário de Transportes, e de Pedro da Silva, sucessor de Paulo Preto na Engenharia.

O Ministério Público Federal apresentou denúncia em que acusa o ex-secretário de fraudes em licitações que teriam resultado em superfaturamento de R$ 480 milhões nos contratos da obra. Laurence e Pedro negam irregularidades e respondem em liberdade.


RAIO-X DA DERSA

Criada em 1969, com a função de ser a operadora, intermediadora e gerenciadora de empreendimentos viários do Governo de São Paulo. É responsável por implantar obras como as rodovias dos Imigrantes, Bandeirantes e por trechos do Rodoanel Mario Covas. Atualmente, tem 307 funcionários

OBRAS INCONCLUSAS

Contornos da Tamoios
Em construção desde 2013, foi projetada para melhorar o fluxo de veículos e o acesso às cidades do litoral norte paulista. A entrega estava prevista para 2016 (contorno norte) e 2017 (contorno sul). Apesar de terem sido gastos R$ 2 bilhões, as obras não foram concluídas. A gestão Doria rescindiu os contratos

Rodoanel Norte
Também iniciado em 2013, o trecho norte do Rodoanel tem custo atual de R$ 10 bilhões. O projeto tem 44 km de extensão. O governo já pagou pelo menos R$ 3,9 só com as obras, mais R$ 2 bilhões em desapropriações

INVESTIGAÇÕES RELACIONADAS À EMPRESA

Pedra no Caminho
Operação prendeu, em 2018, o ex-secretário de Transportes Laurence Casagrande e o ex-diretor de Engenharia Pedro da Silva. Ambos estavam na Dersa na gestão Geraldo Alckmin (PSDB).
Eles são réus sob suspeita de fraude em licitação que, segundo o Ministério Público Federal, resultou em um superfaturamento de R$ 480 milhões no Rodoanel Norte. Ambos negam ter cometido crimes

Paulo Preto
Diretor de Engenharia entre 2007 e 2010, na gestão José Serra (PSDB), Paulo Vieira de Souza foi condenado duas vezes em processos relacionados à Dersa.
Em um deles, por supostos desvios de aproximadamente R$ 10 milhões (corrigidos) em desapropriações do Rodoanel sul. Em outro, por fraude em licitações e formação de cartel. Também é réu sob acusação de lavagem de dinheiro. Ele nega as acusações.

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