Descrição de chapéu Lava Jato

Em derrota da Lava Jato, STF tem maioria a favor de tese que pode anular sentenças e beneficiar Lula

Por 7 a 3, ministros do Supremo decidem que delator e delatado são réus diferentes

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Brasília

Em uma derrota para a Lava Jato, o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta quinta-feira (26) a favor da tese que pode levar à anulação de sentenças impostas em casos da operação e beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

A maioria dos ministros entendeu que réus delatores devem apresentar suas alegações finais —última etapa do processo— antes dos delatados. Com isso, segundo eles, ações que não seguiram esse rito devem ter suas condenações revistas.

O placar até o momento está em 7 votos a 3 a favor dessa tese, que pode levar à anulação da condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia (SP), processo em que o petista foi condenado até agora somente em primeira instância em razão de reformas bancadas por empreiteiras.

Ministros do STF durante julgamento de habeas corpus no âmbito da Lava Jato nesta quarta (25) - Pedro Ladeira/Folhapress

Lula está preso desde abril do ano passado pela condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP) —que, por envolver circunstâncias distintas, não tenderia a ser afetado com a decisão do Supremo.

No julgamento desta quinta, com a ausência de Marco Aurélio Mello (que saiu no meio da sessão alegando não poder permanecer mais tempo), o presidente da corte, Dias Toffoli, suspendeu o julgamento e o remarcou para a próxima quarta-feira (2). O caso começou a ser julgado na terça (25).

Em meio ao enfraquecimento da operação, o julgamento marca o início da sequência de duros recados que o Supremo pretende dar à Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro.

A sessão foi marcada por embates entre ministros que defendem os métodos da força-tarefa e seus críticos.

Nas discussões no plenário, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Toffoli votaram pelo direito de réus delatados se manifestarem após os delatores nas alegações finais.

Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux discordaram da tese e defenderam o prazo conjunto para a manifestação de réus delatores e delatados. 

Após indicar concordância com a tese e antecipar seu voto, o presidente da corte afirmou que vai propor que o Supremo estabeleça um limite ao alcance da decisão que levou a maioria do plenário a indicar a anulação, pela segunda vez, de uma sentença da Lava Jato.

No pedido levado ao plenário por Fachin, relator da operação, a corte está analisando um habeas corpus de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

No caso concreto, foram 6 votos a 4 a favor de tornar sem efeito a condenação de Ferreira, como pede a defesa.

Em agosto, a Segunda Turma da corte anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Delatado, ele foi condenado por Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. 

A defesa de Bendine recorreu e obteve a anulação porque não falou depois dos delatores. Com a mesma argumentação, ao menos quatro réus da Lava Jato fizeram o mesmo pedido.

A ideia de Toffoli na próxima semana é definir uma régua para evitar efeito cascata em outras ações. Uma das possibilidades é que a concessão de decisões favoráveis só deve ocorrer quando os réus reclamaram do rito processual desde a primeira instância. 

O objetivo é evitar uma avalanche de pedidos ao Supremo após ser definida a jurisprudência sobre o tema. 

Fachin na terça votou contra o pedido e defendeu a legalidade das decisões.

O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a divergir. Ele votou pela anulação da sentença e disse que o delator tem o direito de falar por último no processo.

Segundo ele, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa não são "firulas". 

"Não atrapalham o combate à corrupção", afirmou. "Nenhum corrupto deixará de ser condenado porque o Estado respeitou o devido processo legal, contraditório e a ampla defesa."

Embora tenha concordado com a tese da nulidade, a ministra Cármen Lúcia entendeu que a decisão não valeria para o caso em julgamento.  

Acompanhando o relator, Luiz Fux afirmou que, com a decisão, a corte "criou um privilégio" para os delatados por causa de uma "filigrana processual", que pode ameaçar a Lava Jato. 

"Entendo que juízes devem ter em mente as consequências do resultado judicial. Nesse sentido, tenho absoluta certeza que vamos debater uma modulação da decisão para que ela não seja capaz de por terra operação que colocou o país num padrão ético e moral."

O ministro Luís Roberto Barroso, que também acompanhou Fachin, defendeu o combate à corrupção e os métodos da Lava Jato. 

Ele enalteceu a atuação da 13ª Vara Federal de Curitiba, que foi comandada por Moro. Citou, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade da condução coercitiva inconstitucional, mesmo após 80 anos de uso no Brasil, segundo o ministro.

Barroso, em seu voto, fez um resumo dos escândalos de corrupção no Brasil, como os anões do Orçamento, o caso Banestado, o mensalão e as revelações da Lava Jato.

"Não é natural desviar dinheiro, não é natural. Nós precisamos romper este paradigma. E garantismo significa direito de se saber por que é acusado, direito de apresentar defesa, direito de produzir provas, direito de ser julgado por juiz imparcial. Não significa processo que não funcione, que não acabe, prescrição", disse Barroso.

Ele foi interrompido na leitura de seu voto por Lewandowski e Gilmar, quando afirmava que os corréus se acusam uns aos outros. "Cumpra-se a Constituição", afirmou Gilmar.

Barroso propôs, porém, que caso o tribunal se posicione a favor do pedido da defesa, o prazo de alegações finais seja de cinco dias para delatores e depois cinco dias para delatados. Hoje, o prazo é igual para todos.

A regra, no entanto, só valeria daqui para frente. 

"O legislador deveria ter feito isso, não fez porque não quis. Acho que é uma interpretação criativa, construtiva, defensável, e, se a maioria assim defender, eu não me oponho. Mas eu penso que não se pode fazer isso retroativamente, anular com base numa norma processual nova.”

Gilmar, por sua vez, criticou a Lava Jato. "Não se combate a corrupção cometendo crimes", afirmou. 

"A questão não é Lava Jato. É todo um sistema de Justiça penal. Chamam a nós de vagabundos, queriam interferir na distribuição dos processos. Passam de todos os limites. Vamos um pouco honrar a calça que vestimos", afirmou o ministro, referindo-se a procuradores da Lava Jato, que temem os efeitos da decisão.

Contrário à anulação, Fachin afirmou na terça-feira que a ordem das considerações finais não está na lei e que uma decisão só pode ser considerada nula quando há prejuízo ao réu. 

“Não há na lei expressa, no ordenamento jurídico infraconstitucional, que sustente a tese da impetração [da defesa].”

O plenário do STF foi chamado a se pronunciar depois do caso Bendine. Os ministros discutiram nesta quinta a importância do HC de Ferreira e o impacto sobre outros casos. A chamada modulação —seus limites— fica para a próxima semana.

Segunda instância

Antes de apresentar seu voto, Lewandowski entregou a Toffoli uma lista com 80 processos que envolvem prisão após condenação em segunda instância. Ele quer que o plenário trate do assunto. Esse é mais um dos temas que a corte deve enfrentar neste semestre, como mostrou a Folha

Fux questionou se havia relação com o caso do habeas corpus em julgamento. 

Lewandowski respondeu que não. "Mas, para que não se pense que nós só afetamos questões relativas da Lava Jato, estou trazendo aqui um pout-pourri de casos para que o plenário possa examinar." Toffoli afirmou que encaminharia os casos à secretária do STF.

São recursos a ao menos 80 ações em que Lewandowski concedeu liberdade, mesmo com o plenário já tendo decidido em contrário.

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