Redução de partidos é efeito incerto com nova lei eleitoral

Fim das coligações para Câmara dos Deputados, Assembleias e Câmaras Municipais passará a valer nas eleições de 2020

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São Paulo

O fim das coligações para as eleições do Legislativo municipal, regra que passa a valer no ano que vem, deve melhorar a representação política, ainda que, por enquanto, não promova grande diminuição no número de partidos eleitos.

Aprovado em 2017, o projeto de reforma eleitoral prevê que, a partir do pleito de 2020, os partidos não podem mais formar blocos —as coligações— para concorrer conjuntamente às vagas para as eleições proporcionais, ou seja, para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. 

As coligações não estão proibidas, contudo, para as eleições majoritárias (cargos do Executivo e Senado). Nesse caso, a junção dos partidos serve para sinalizar apoio a um candidato e definir o tempo que cada um terá de propaganda gratuita na TV e no rádio.

Teste de urnas eletrônicas antes da eleição de 2018 no Tribunal Regional Eleitoral do DF
Teste de urnas eletrônicas antes da eleição de 2018 no Tribunal Regional Eleitoral do DF - Pedro Ladeira - 19.set.18/Folhapress

Quando a medida foi discutida no Congresso, argumentou-se que as coligações ajudavam a eleger, no Legislativo, partidos menores, que se juntavam às legendas mais fortes para conseguir pleitear um assento que, sozinhos, dificilmente obteriam. Sem elas, as Casas teriam menos partidos, o que tende a facilitar a governabilidade.

Outro argumento é que, quando um candidato tem uma votação muito expressiva, acaba por inflar o total de votos da coligação e “puxar” outros do mesmo grupo —ou seja, pode eleger políticos de um outro partido. 

Como nem sempre as coligações são formadas por simples alinhamento ideológico, uma pessoa pode votar em um candidato progressista e acabar elegendo um outro de um partido conservador, e vice-versa.

“Se fala muito que a representação política está cada vez mais desqualificada e portanto a eliminação da coligação para as eleições proporcionais foi muito com a intenção de aprimorar isso”, diz Silvana Krause, cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 

Para entender essa lógica é preciso compreender como os cargos eram distribuídos até agora. 

O que é avaliado na hora de determinar quem garante uma vaga não é só a votação individual do candidato, mas, principalmente, o número de votos que cada partido obteve. Os partidos membros de uma coligação tinham seus votos somados e concorriam como um só bloco.

Um exemplo: na última eleição para a Câmara de São Paulo, PT, PDT, PR (hoje PL) e PROS formaram uma coligação. No total, a coligação teve 1.190.807 votos —o valor representa a soma da votação de cada partido.

Sozinho, o PROS teve 44.290 votos e não conseguiria eleger um representante. Graças à coligação, conseguiu uma vaga na Câmara.

Já o PDT (128.987 votos) ficou de fora, mesmo fazendo parte da coligação e tendo mais votos que o PROS. Isso porque o voto do eleitor no candidato serve para ordenar a lista de quem entra caso o grupo conquiste cadeiras —esse sistema se chama lista aberta. 

Na seleção dos mais votados do bloco, Ricardo Teixeira (PROS) ficou em 11º. Dr. Calvo, o candidato que teve melhor votação no PDT, ficou em 18º, sem conquistar, portanto, uma das 14 vagas a que a coligação teve direito. 

Em um cenário sem coligação, porém, Calvo (21.804 votos) seria eleito, e Teixeira (28.515 votos) não.

O que muda, com o fim das coligações, é que os partidos agora concorrem sozinhos. Em tese, o cenário fica mais complicado para legendas menores, em geral menos populares e com menos recursos para campanha.

“A mudança prejudica candidatos muito bem votados de um partido insignificante, que fica sem a representação”, diz Silvana Krause, da UFRGS.

Lara Mesquita, cientista política e pesquisadora da FGV, afirma que isso não necessariamente significa que haverá menos partidos eleitos para o Legislativo. Isso porque uma outra regra, criada como uma espécie de concessão pelo fim das coligações, tende a beneficiar as legendas menores e com menos poder local.

Há duas divisões na hora de distribuir as vagas disponíveis. A primeira é baseada no quociente eleitoral (divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras disponíveis) e no partidário (divisão dos votos do partido/coligação pelo quociente eleitoral).

No cálculo do QP, despreza-se a fração —se o resultado da divisão for 5,8, o quociente partidário é 5. Isso significa que o partido ou coligação terá direito a 5 vagas. As cadeiras que restam são chamadas sobras, e a divisão atende a um critério um pouco mais complexo, mas ainda baseado no quociente partidário. 

Antes, quem não atingia QP maior que 0 estava eliminado da divisão das sobras. Isso, em geral, excluía logo de cara partidos menores que concorriam sozinhos.

Desde 2018, porém, essa regra mudou, e todos participam da repartição das sobras. Foi essa mudança que garantiu que a Rede conseguisse eleger sua única deputada federal, Joenia Wapichana (RR).

É por isso que Mesquita, da FGV, afirma que não necessariamente haverá menos partidos nas Câmaras Municipais. Ela fez uma simulação de qual seria o resultado das eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados se as coligações já fossem proibidas e concluiu que houve pouca mudança no número de legendas: em vez das 30 eleitas, seriam 29.

Mesquita ressalta que a simulação deve ser vista com ressalvas, uma vez que, com outras regras, a organização dos partidos poderia ser diferente, com consequências para o resultado final. 

A reportagem fez uma simulação similar para a Câmara Municipal de São Paulo. No cenário hipotético, considerando as regras que valerão em 2020, não haveria mudança em relação à fragmentação da Câmara: ainda seriam 18 partidos. PROS e PSC ficariam sem representação, ao passo que PC do B e PDT ganhariam uma cadeira cada. 

A legenda mais beneficiada seria o PSDB, que somaria dois assentos, e a mais prejudicada, o PR (atual PL), que perderia dois. 

O que deve impactar o número de partidos eleitos, contudo, é uma outra alteração, a chamada cláusula de desempenho, que passou a valer já em 2018. Agora, os partidos precisam obter um desempenho mínimo na eleição para a Câmara dos Deputados para poder acessar o fundo partidário, verba pública que financia o funcionamento das legendas.

A cada eleição, a regra fica um pouco mais rígida, até atingir um máximo no pleito de 2030. A lei permite que um parlamentar eleito por um partido que não atingiu o desempenho mínimo possa mudar de legenda sem perder o mandato.

O número de deputados também impacta a distribuição do fundo eleitoral, verba pública de uso exclusivo nas campanhas. Com isso, é esperado que partidos com votação pouco expressiva fiquem sem meios para viabilizar seu funcionamento e o lançamento de candidaturas, terminando por se fundir a outras legendas ou deixar de existir. 

Nas últimas eleições, 14 partidos não alcançaram o desempenho mínimo. Ainda não foi definido, contudo, se eles poderão ter acesso a recursos do fundo eleitoral.

Para Mesquita, é isso que vai fazer com que, a longo prazo, o Brasil consiga reduzir o vasto número de partidos políticos  —hoje são 33. A vantagem, ela diz, é o aumento da governabilidade e maior facilidade de articulação política. 

“Em uma coalizão majoritária com três ou quatro partidos, é mais fácil os líderes conversarem e negociarem do que se forem 10. Além disso, um líder de partido com 10 deputados tem muito menos poder que um de 100 [parlamentares]. Ele recebe menos do governo e tem menos margem para negociar e pressionar com sua base do que uma bancada que tenha 100 deputados”, diz.

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