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Relato de Janot faz de 2019 o ano da crise entre STF e Ministério Público Federal

Quando o STF passou a contrariar posições de procuradores da Lava Jato, o embate veio à tona

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Ex-procurador-geral da República revelou ter ido armado ao Supremo Tribunal Federal com intenção de matar ministro. As razões expostas para o desvario, até agora, são demasiadamente humanas: filha de um, esposa de outro e negócios de ambas. O prejuízo nesse caso, porém, é todo institucional.

O episódio coroa a má relação entre procuradores da República e ministros do Supremo. Apesar de se tratar de fatos de 2017, a revelação nesse momento transforma 2019 no ano da crise entre STF e Ministério Publico Federal.

Enquanto a maioria do Supremo encampava o vale-tudo jurídico contra a corrupção impulsionado pela Operação Lava Jato, suspendendo mandatos parlamentares, promovendo prisão em flagrante de senador, permitindo a execução provisória da pena, não havia confronto público e explícito entre procuradores e ministros.

Quando o Supremo passou a contrariar posições de procuradores da Operação Lava Jato, o embate entre MPF e STF veio à tona. Às vésperas de julgar um caso referente à competência da Justiça Eleitoral para tratar de crimes comuns conexos aos eleitorais, o Supremo foi alvo de protestos por todo o país.

Nesse contexto, artigos e pronunciamentos de procuradores críticos ao tribunal fundamentaram a abertura de inquérito pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, com o objetivo de investigar “notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros, bem como de seus familiares”.

Usando palavras claras, o inquérito é uma anomalia jurídica. Indeterminado sobre os investigados e genérico sobre os fatos, o inquérito serve pra barrar qualquer crítica ou investigação contra ministros, a qualquer tempo. Instaurado e conduzido por ministro-vítima-juiz e sob sigilo, é uma violação ao sistema constitucional que exige imparcialidade do julgador.

Não é preciosismo jurídico. O resultado desastroso de ministro-vítima-juiz fazendo justiça com as próprias mãos é notório.

No âmbito deste inquérito já foi determinada a censura de matéria da revista Crusoé que criticava Toffoli, sob o argumento de “potencial lesividade à honra pessoal do presidente e institucional do tribunal”.

Pouco tempo depois, foi determinada, também, a suspensão de procedimentos investigatórios da Receita Federal que “pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos ministros do Supremo Tribunal Federal”. O Supremo que decide em causa própria saiu mais fragilizado que fortalecido em ambos episódios.

Agora, este inquérito acolhe também a investigação contra Rodrigo Janot, alvo de busca a preensão em sua casa e escritório “para verificar a eventual existência de planejamento de novos atos atentatórios ao ministro Gilmar Mendes e as próprias dependências do Supremo Tribunal Federal”.É um assombro o que foi revelado por Rodrigo Janot, de enorme gravidade. E há regras para isso: uma investigação pela autoridade competente. Porém, a resposta do Supremo foi colocar isso sob o seu inquérito que tudo pode. Dois erros não fazem um acerto. Incontáveis erros dos dois lados, muito menos.

De uma parte, procuradores da Operação Lava Jato já buscavam elementos contra Toffoli e Gilmar Mendes para alimentar pedidos de impeachment, de acordo com reportagens baseadas em mensagens vazadas de Deltan Dellagnol.

Bandos foram às ruas pedir o fechamento do tribunal, ministros foram enforcados simbolicamente em praça pública. Pouco importa se está juridicamente correta: toda decisão contrária aos interesses de um grupo do MPF foi imediatamente classificada como ameaça à Lava Jato.

De outra parte, ministros do Supremo criaram um direito constitucional da excepcionalidade e encamparam a agenda da moralização da política a qualquer preço, surfando a onda da Operação Lava Jato. Agora são reféns de suas próprias más decisões e, acuados, criam novas exceções, como o tal inquérito que pode tudo.

O futuro da Lava Jato sempre dependeu de sua própria integridade jurídica e de seus membros. A autoridade do Supremo vem da legitimidade constitucional de suas decisões. Por isso, agora, ambos naufragam abraçados.

Não faltam oportunidades para que as instituições voltem aos eixos: o Ministério Público Federal poderia assumir os seus erros na Operação Lava Jato, reorganizar sua estratégia, seguir cumprindo sua missão constitucional fundamental de defesa da ordem jurídica.

Mas prefere preservar alguns a preservar a instituição. O Supremo poderia encaminhar os fatos do inquérito às autoridades competentes e diminuir a politização de sua agenda. Parece preferir proteger a si próprio do que a Constituição.

Supremo Tribunal Federal e Ministério Público Federal parecem preferir sacar suas armas no faroeste jurídico da Lava Jato, na terra sem lei Brasil.

Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

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