Socorro a Bolsonaro após facada envolveu disputa entre hospital e ajuda de empresário

Após facada, presidente terá que passar pela quarta cirurgia no próximo domingo (8)

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Juiz de Fora (MG) e São Paulo  

Homem, 63 anos, com trauma abdominal causado por arma branca, sem doença associada. Nome completo: Jair Messias Bolsonaro.

Quando o então candidato a presidente da República deu entrada na Santa Casa de Juiz de Fora, na tarde de 6 de setembro de 2018, tudo o que ele significava fora dali e a razão que o levara ao hospital eram pontos secundários, segundo o médico que comandou a cirurgia de emergência nele.

“Esse era o caso clínico em si. No que isso diferiu dos outros pacientes que a gente atende? Nada”, afirma à Folha Luiz Henrique Borsato, 42, convertendo em palavras o senso de concentração e equilíbrio que diz ter aperfeiçoado em 18 anos de profissão.

​Bolsonaro era, naquela hora, apenas um paciente. E um paciente à beira da morte. Chocado, como se diz no jargão médico, ele precisava de ajuda rápida para sobreviver. Os sinais de choque eram: pressão arterial muito baixa e frequência cardíaca descontrolada. Cada segundo era precioso.

Fazia dez minutos que a barriga do candidato havia sido atravessada por uma faca de 30 cm de comprimento, em ataque executado por um detrator, Adélio Bispo de Oliveira —desde então preso pelo crime na penitenciária federal de Campo Grande (MS).

Socorrido no meio da multidão em um ato de campanha, Bolsonaro iniciava ali uma jornada que incluiria três cirurgias, transfusões de sangue, colocação de bolsa de colostomia (para recolher fezes), transferência para o Albert Einstein, em São Paulo, complicações como paralisia no intestino, febre e muitas dores.

Superado o drama, o titular do Planalto fala desde então que sua sobrevivência foi um milagre e que só se salvou por vontade de Deus. Ainda como consequência do esfaqueamento, ele terá que fazer no domingo (8) uma nova cirurgia, a quarta, para corrigir uma hérnia surgida no local.

A facada perfurou os intestinos grosso e delgado e uma veia importante para a circulação no sistema digestivo. “No trauma grave, como era o caso, o socorro na primeira hora é crucial. Quanto mais rápidos o diagnóstico e o tratamento, melhor”, diz Borsato.

O médico Luiz Henrique Borsato, 42, que coordenou a cirurgia a que Jair Bolsonaro foi submetido na Santa Casa de Juiz de Fora.
O médico Luiz Henrique Borsato, 42, que coordenou a cirurgia a que Jair Bolsonaro foi submetido na Santa Casa de Juiz de Fora - Joelmir Tavares/Folhapress

Especialista em cirurgia do aparelho digestivo, o médico juiz-forano entrou na história por obra do destino, já que era o chefe do plantão e estava a postos para o que aparecesse. Conduziu a operação com uma equipe que tinha outros três cirurgiões. Discreto, de fala tranquila, Borsato evita expressar opiniões políticas.

Ele já se acostumou, contudo, a responder a uma dúvida que une tanto simpatizantes quanto críticos de Bolsonaro: por que, afinal, não era possível ver sangramento depois de um ferimento tão sério?

“Quando o objeto penetrou o abdômen, abriu uma ferida pequena, de mais ou menos 3 cm. Não era uma grande lesão circunferencial, mas retilínea. A musculatura se contraiu e bloqueou a hemorragia externa. Havia sangue, claro, mas no interior do abdômen.”

Segundo ele, o volume espalhado entre os órgãos era algo entre 1,5 l e 2 l —um adulto tem, em média, 5 l de sangue.

A perda de uma quantidade tão grande de sangue em um intervalo curto de tempo agravava o quadro e precisava ser contida. A pressão de Bolsonaro atingiu 8 x 4, enquanto o recomendável é 12 x 8.

“Salvaram a vida dele em Juiz de Fora”, afirma o médico Antonio Macedo, 69, que assumiu o caso no Einstein. Referência no país em aparelho digestivo, ele cumpria compromissos de sua abarrotada agenda no dia da facada quando foi acionado por apoiadores de Bolsonaro pedindo que fosse para a cidade mineira.

Em uma operação que teve o dedo do empresário Meyer Nigri, fundador da Tecnisa, e de outros entusiastas da campanha, Macedo embarcou em um helicóptero no Einstein rumo a Jundiaí. Lá o advogado Victor Metta, 37, o esperava já sentado na cadeira de piloto para decolar voo.

À época tesoureiro do PSL no estado, Metta colocou sua aeronave, um monomotor com capacidade para quatro pessoas, à disposição do caso. “Eu só queria vê-lo vivo”, diz.

Antes, precisou enfrentar o trânsito por terra para chegar a Jundiaí, onde guarda o avião. “Era véspera de feriado [Sete de Setembro]. Sair da capital estava horrível, tudo travado”, relembra ele, hoje assessor especial do ministro Abraham Weintraub (Educação).

Chegando ao destino, já no fim da noite, novo obstáculo: o tempo estava péssimo em Juiz de Fora. “Aí, na raça, a gente conseguiu achar um buraco entre as nuvens e pousar. Não foi um pouso muito fácil.”

Quando Macedo finalmente entrou na Santa Casa, já estavam ao lado de Bolsonaro três médicos enviados pelo Sírio-Libanês, que conseguiram chegar algumas horas antes.

O médico e cirurgião Antonio Luiz Macedo, que operou no hospital Albert Einstein o presidente Jair Bolsonaro - Bruno Santos/Folhapress

O “passe” do paciente ilustre foi disputado pelos dois hospitais de ponta, Sírio e Einstein. Relatos da ocasião dão conta de que as equipes chegaram a discutir, versão oficialmente negada pelos envolvidos.

Prevaleceu, segundo médicos e pessoas próximas, o entendimento de que o Einstein seria o mais adequado para a continuidade do tratamento, inclusive por ser o lugar onde Macedo atendia desde 1978 —há dois meses, ele migrou para a Rede D’Or São Luiz.

A família também preferiu o estabelecimento, que é administrado pela comunidade judaica, grupo no qual o candidato tinha apoiadores influentes, como Fabio Wajngarten, atual secretário de Comunicação da Presidência.

Transferido para o Einstein no dia seguinte ao ataque, Bolsonaro ficaria 23 dias internado e passaria por uma nova cirurgia de emergência, para a retirada de aderências (quando tecidos grudam) que obstruíam o intestino delgado.

O tratamento, que afastou o presidenciável da campanha entre setembro e outubro de 2018, continuou neste ano. Já eleito, ele passou por uma outra internação, de 17 dias, entre janeiro e fevereiro.
Nessa segunda etapa, foi feita a cirurgia para retirar a bolsa de colostomia e restabelecer o trânsito intestinal.

Apesar da gravidade do quadro inicial, a recuperação foi considerada completa e bem-sucedida, conforme Macedo. Ele diz que Bolsonaro não ficou com sequelas, embora tenha perdido, nas cirurgias, cerca de 25 cm do intestino.

“A quantidade retirada é pequena. Isso não muda a vida do paciente. O intestino grosso chega a ter 7 m. O presidente possui uma saúde de ferro”, afirma Macedo, sem deixar de mencionar o fator sorte.

A facada, por muito pouco, não pegou a veia cava inferior, vital para a circulação. “A lâmina parou ao lado dessa veia. Se ele [Adélio] tivesse enfiado a faca mais 2 cm para a direita do paciente, ia rasgar a cava, e nenhum cirurgião conseguiria resolver.” O risco de morte seria altíssimo.

Bolsonaro já chorou em entrevistas e eventos ao falar do que enfrentou. No processo judicial aberto sobre o caso, o presidente foi questionado e deu um depoimento por escrito. “Segundo os médicos, minha sobrevivência foi um milagre. Muito sofrimento em três cirurgias e, até hoje, sofro as consequências dessa tentativa de execução”, afirmou.

Ele também respondeu que não percebeu a aproximação de Adélio nem viu que carregava uma faca em meio aos militantes. Relatou ainda que não teve tempo de se defender (o que, no direito penal, é tido como agravante de crime).

O juiz Bruno Savino, da 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora, decidiu aplicar ao autor a chamada absolvição imprópria, usada para casos em que o réu não pode responder plenamente por seus atos.

Peritos concluíram que Adélio é inimputável, por ter uma doença mental, o transtorno delirante persistente.

Para a saúde de Bolsonaro, a única consequência provável do ataque era o surgimento de hérnias no abdômen (quando parte de algum órgão escapa por uma cavidade na parede). A ocorrência do problema foi confirmada em exame feito neste domingo (1°) por Macedo, que conduzirá a cirurgia no próximo domingo.

“Como o paciente foi aberto três vezes, a cicatrização nem sempre é perfeita, e pode se formar a hérnia”, explica o médico.

No mais, vida normal. Bolsonaro está liberado para comer o que quiser e fazer exercícios físicos. “Ele tem uma condição de atleta. E é durão. Nunca se queixava de dores.”

A relação com o paciente, ele conta, foi tão próxima que evoluiu para amizade. O cirurgião declarou voto nele e foi convidado para a posse em 1º de janeiro, dia em que o presidente estava “muito feliz, afinal ele quase morreu, esteve mais pra lá para do que pra cá”.

A convivência com Bolsonaro no hospital permitiu ao médico ver uma faceta até então desconhecida. “Ele é extremamente cordial, supereducado com todo mundo, de fácil relacionamento. É gostoso tratar dele, porque é uma pessoa tranquila, sossegada.”

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