Vetos a projeto de abuso de autoridade levam a duelo entre Congresso e Moro

Bolsonaro enfrenta pressões ao analisar proposta sobre punição a autoridades

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Brasília

A discussão sobre possíveis vetos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao projeto de abuso de autoridade virou uma partida de truco entre o Congresso e o ministro Sergio Moro (Justiça), dizem líderes partidários que estão à frente das negociações.

Segundo eles, a cada movimento do ex-juiz da Lava Jato para derrubar a proposta, o Parlamento dobra a aposta e ganha mais adeptos para impor uma derrota ao governo.

De pé, o presidente Bolsonaro e o ministro Moro sorriem e acenam durante evento no Planalto
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro, em evento no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 29.ago.19/Folhapress

O presidente tem indicado que deve utilizar o prazo limite, que termina na quinta (5), para decidir pela sanção ou veto do projeto, o que pode ser feito integral ou parcialmente.

O texto endurece as punições por abuso de autoridade de agentes públicos, incluindo juízes, promotores e policiais.

Bolsonaro afirmou neste sábado (31), em almoço com jornalistas, que pretende vetar nove dos dez pontos da lei, conforme antecipado pela coluna Painel. 

Entre os itens que o presidente estaria pensando em vetar, está o artigo que proíbe o uso de algemas em caso de não resistência do preso à atuação policial. Após a derrubada do veto na lei das fake news, ele não descartou sofrer nova retaliação do Congresso caso decida barrar trechos da lei de abuso de autoridade.

Hoje, uma ala do Congresso diz estar disposta a aceitar apenas três vetos --entre eles, o das algemas.

Mais do que isso, diz esse grupo, a proposta seria desconfigurada e Bolsonaro corre o risco de sofrer mais um revés no Legislativo. Ao todo, o texto aprovado pela Câmara tem 44 artigos.

Um parlamentar que acompanha as conversas com o Palácio do Planalto diz que o recado já foi dado aos ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, mas ele ficou ainda mais claro no último dia 28.

Naquela noite, o Congresso derrubou o veto do presidente a penas mais duras para quem propaga fake news. O resultado foi significativo: 326 votos favoráveis à queda do veto na Câmara e 48 no Senado. Pela manutenção da decisão presidencial votaram 84 deputados e apenas 6 senadores.

As negociações, porém, ainda estão em curso. Segundo deputados e senadores ouvidos pela Folha, há um grupo de parlamentares trabalhando para encontrar o que tem sido chamado de ponto de equilíbrio entre os que apoiam a proposta e as bancadas da bala e da Lava Jato, que pregam a desidratação do projeto.

O que está certo é que o presidente não atenderá aos apelos de veto integral do texto. Um grupo de senadores chegou a entregar a Moro um abaixo-assinado com o pedido. O argumento é que o texto aprovado impõe riscos a investigações contra a corrupção.

Na sexta (30), Bolsonaro afirmou que seu veto à proposta será "necessário", e não "populista". "Nós reconhecemos que existe em alguns casos o abuso de autoridade. Mas não queremos é interferir no trabalho do combate à corrupção que é importantíssimo no Brasil", disse.

A declaração, avaliam parlamentares, corrobora a tese de que Bolsonaro está "entre a cruz e a espada". A expressão foi usada pelo próprio presidente, segundo a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), após ele receber, na semana passada, um manifesto pedindo o veto de dez pontos.

Joice e os líderes do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), entregaram a Bolsonaro o documento que tem o apoio de parlamentares e de entidades como a AMB (associação de magistrados) e a Ajufe (de juízes federais).

"Tudo é uma costura política. A gente tem que fazer essa conta, porque o governo ainda tem, no mínimo, três anos e meio pela frente. Temos outros projetos para aprovar. Então, essa matemática política, que tem tantas variáveis, é o que o presidente está fazendo agora", disse a líder.

Apesar dos esforços para convencer Bolsonaro, integrantes de entidades de classe já reconhecem nos bastidores que são remotas as chances de seus pleitos prosperarem na íntegra.

Hoje, eles admitem que já ficam satisfeitos se o presidente rechaçar ao menos dois artigos: o que estabelece a detenção de magistrados que determinarem prisão preventiva sem amparo legal e o que torna crime o ato de um juiz ou delegado de violar as prerrogativas de advogados caso eles sejam presos preventivamente.

O veto ao trecho que trata das prerrogativas da advocacia também é defendido pelo Ministério Público e por associações de policiais. Para eles, o artigo estabelece o que chamam de "situação inusitada" ao responsabilizar gravemente os agentes públicos, os magistrados e procuradores por crimes de abuso de autoridade, enquanto os advogados estariam a salvo de qualquer alegação de conduta caracterizada como abusiva.

Em parecer elaborado a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o relator do projeto, Ricardo Barros (PP-PR), diz que as prerrogativas dos advogados estão "intimamente ligadas ao direito de defesa do cidadão, que, em regra, é a vítima dos crimes de abuso de autoridade".

Em 14 páginas, Barros diz que a intenção do Congresso não é "frear o combate à corrupção e à criminalidade em geral". Ele rebate 15 pedidos de vetos feitos "pelo Ministério da Justiça e por notas técnicas emitidas por órgãos públicos e associações de servidores".

"Causa estranheza que uma pequena parte dos membros das carreiras do Judiciário e do Ministério Público se insurja contra a nova lei. Por qual razão deveriam temer as novas regras, se eles mesmos serão os seus principais intérpretes e aplicadores?", diz o relator.

Entenda as regras do projeto que endurece punição para abuso de autoridade

O que pretende o projeto aprovado pelo Congresso?
O texto especifica condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade e prevê punições. Boa parte das ações já é proibida, mas o objetivo do projeto é punir o responsável pelas violações.

Que exemplos de condutas são considerados abuso de autoridade?
- Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem que antes a pessoa tenha sido intimada a comparecer em juízo;
- Usar algemas em quem não resista à prisão, não ameace fugir ou não represente risco;
- Invadir ou adentrar imóvel sem autorização de seu ocupante sem que haja determinação judicial;
- Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso sem seu consentimento com o intuito de expor a pessoa a vexame;
- Dar início a processo sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente;
- Grampear, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei;
 - Coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo;
- Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado.

Que tipo de punições são previstas?
Medidas administrativas (perda ou afastamento do cargo), cíveis (indenização) e penais (penas restritivas de direitos, como prestação de serviços à comunidade ou detenção).
Quase todos os delitos previstos têm pena de detenção --ou seja, o regime inicial será aberto ou semiaberto. A exceção é para o artigo que prevê dois a quatro anos de reclusão (o regime inicial pode ser fechado) para quem realizar interceptação de comunicações telefônicas, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

O que torna as condutas criminosas?
Para configurar abuso de autoridade, é necessário que o ato seja praticado com a finalidade de prejudicar alguém, beneficiar a si mesmo ou a outra pessoa ou que seja motivado por satisfação pessoal ou capricho.

Quem poderá ser enquadrado na nova lei?
Membros dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, do Ministério Público, de tribunais ou conselhos de contas, servidores públicos e militares.

O que é preciso para a lei entrar em vigor?
O projeto está sob análise de Jair Bolsonaro, que deve sancioná-lo ou vetá-lo (integral ou parcialmente) até quinta (5). Vetos presidenciais podem ser derrubados pelo Congresso. A norma entra em vigor 120 dias após sua publicação.

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