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Bolsonaro não bateu recorde com gasto de cartão corporativo, mas despesa aumentou

Despesa da Secretaria da Presidência com cartão, até setembro, é a maior desde 2014

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São Paulo

Não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) “bateu recorde” de despesas com cartão corporativo, ou que consumiu R$ “8,2 milhões” com esta forma de gastar dinheiro público, como dizem postagens que viralizaram no Twitter desde domingo (26).

Segundo dados do Portal da Transparência, a Secretaria de Administração da Presidência da República gastou cerca de R$ 4,6 milhões de fevereiro a setembro deste ano. O montante não é um “recorde”, visto que em 2014, sob gestão de Dilma Rousseff (PT), o órgão gastou R$ 7,9 milhões. Os valores foram corrigidos pela inflação.

No entanto, o valor total gasto pela Secretaria de Administração neste ano é o maior registrado desde 2014. A secretaria é o órgão do governo federal por meio do qual são feitas, entre outras, as despesas do gabinete pessoal do presidente.

Tuíte afirma que "Nos primeiros nove meses de mandato, foram gastos no cartão corporativo: - Lula gastou 300mil - Dilma 350mil - BOZO 8., 2 milhões   Agora eu pergunto: adiantou usar caneta BIC e comer no bandejão? Isso se chama populismo, e do mais barato!"
Bolsonaro não é, até este ponto de seu mandato, o recordista de gastos com cartão corporativo nos primeiros nove meses de governo, mas teve a maior despesa deste tipo desde 2014. - Reprodução/Projeto Comprova

Para o Comprova, falso é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

A verificação começou com uma busca dos gastos da Secretaria de Administração da Presidência da República no Portal da Transparência, que permite a qualquer pessoa uma consulta aos gastos do governo federal.

No entanto, o portal só mostra os gastos com cartões corporativos a partir de 2013. Para conseguir informações sobre anos anteriores, solicitamos estes dados à Secretaria-Geral da Presidência da República.

Todos os valores foram corrigidos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), índice que mede a inflação do período.

Quanto Bolsonaro gastou com o cartão?

Os gastos do cartão corporativo do Governo Federal são realizados por servidores dos diferentes órgãos e ministérios. Como gastos do presidente Bolsonaro, foram consideradas as despesas da Secretaria de Administração da Presidência da República, o que não significa que o próprio presidente tenha realizado a despesa.

O Comprova obteve informações sobre gastos com cartão corporativo de duas bases de dados do governo federal: o Portal da Transparência, que tem dados sobre cartões a partir de 2013, e o Sistema de Suprimento de Fundos (Suprim), que possui dados desde 2003. Estas fontes usam critérios diferentes para registrar as despesas.

As despesas com cartão corporativo que aparecem no Portal da Transparência foram feitas no mês anterior em que foram registradas. Ou seja: um gasto que aparece no portal como sendo de setembro foi feito, na verdade, em agosto. É semelhante ao que acontece em faturas de cartão de crédito comum, por exemplo.

Entre fevereiro e setembro (último mês disponível para consulta) de 2019, a Secretaria de Administração da Presidência gastou R$ 4.649.787,28 (valor corrigido pelo IPCA) com o Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF), conhecido popularmente como cartão corporativo.

Não foram incluídas as despesas com cartão corporativo que aparecem no Portal da Transparência como sendo de janeiro de 2019 —já que correspondem a gastos de dezembro de 2018, quando Bolsonaro ainda não tinha tomado posse.

Foto de rosto do presidente Jair Bolsonaro, com dois homens ao fundo. É possível ver que ele está vestido com terno e gravata. Ao fundo ambiente com luz amarela.
Em agosto de 2019, após fazer críticas à cobertura da imprensa, o presidente Jair Bolsonaro prometeu divulgar aos veículos de comunicação seus gastos pessoais com o cartão corporativo. - José Dias/PR - 23.out.2019

Os dados do Suprim mostram que a Secretaria de Administração da Presidência teve, de janeiro a agosto deste ano, gastos com cartão corporativo um pouco maiores: R$ 5.041.609,76. Isso ocorre porque o sistema também contabiliza as devoluções de saque e eventuais restituições de crédito.

E, diferentemente do Portal da Transparência, o Suprim registra os gastos no mês em que eles ocorreram.
Além disso, os dados do Suprim enviados ao Comprova se referem apenas aos gastos sigilosos, enquanto as informações do Portal da Transparência consideram todos os gastos efetuados.

Os valores totais da gestão pública são abertos, mas há sigilo sobre despesas consideradas de segurança nacional, como a alimentação e o transporte do presidente e do vice-presidente.

Como comparação, dos valores do Portal da Transparência de 2019, dos R$ 4,6 milhões gastos pela Secretaria de Administração da Presidência, R$ 4,5 milhões foram sigilosos.

Além dos gastos do gabinete pessoal do presidente, a Secretaria de Administração é responsável por executar parte das despesas de outros órgãos, como a Secretaria-Geral da Presidência, Casa Civil e Secretaria de Governo.

Quanto outros presidentes gastaram?

Os dados do Portal da Transparência e do Suprim mostram que Bolsonaro não é, até este ponto de seu mandato, o recordista de gastos com cartão corporativo nos primeiros nove meses de governo, mas teve a maior despesa deste tipo desde 2014.

Segundo o Portal da Transparência, entre fevereiro e setembro de 2014, no governo Dilma, a Secretaria de Administração da Presidência gastou, em valores corrigidos pelo IPCA, R$ 7,9 milhões com cartão corporativo.

Já de acordo com o Suprim, de janeiro a agosto de 2014, a Secretaria de Administração da Presidência teve R$ 8,3 milhões de gastos sigilosos com cartão corporativo.

Como mostra o gráfico abaixo, elaborado com base nas informações do Suprim, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gastou mais em 2009.

Antes de 2008, os gastos com cartão corporativo também alcançaram valores mais altos que os atuais. Os maiores gastos foram em 2003, R$ 8,3 milhões; em 2004, R$ 10,1 milhões; e em 2006, R$ 8,4 milhões.

No entanto, o decreto 6.370 de 2008 impôs restrições ao uso dos cartões para despesas relativas a viagens (compra de passagens por meio de agências, diárias, hospedagem e transporte) e saques, o que pode ter contribuído para a redução dos gastos nos anos seguintes.

Os valores totais da gestão pública são abertos, mas há sigilo sobre despesas consideradas de segurança nacional, como a alimentação e o transporte do presidente e do vice-presidente.​

Outra mudança, segundo a CGU (Controladoria-Geral da União), foi um decreto de 2009, que definiu os valores das diárias para ministros de estado em viagem dentro do país e fez com que, nessa circunstância, o cartão não mais pudesse ser utilizado para pagamentos de hospedagem e alimentação.

E, em 2018, foram alterados os limites de gastos com cartão de pagamento, em decorrência do decreto que aumentou os limites dos valores de cada modalidade de licitação.

Para despesas de pagamento imediato relativas a compras e serviços, o valor máximo passou de R$ 800 para R$ 1.760. Já para despesas com obras e serviços, o valor passou de R$ 1.500 para R$ 3.300.

Quando o valor, ainda que pago com cartão de pagamento, passe pelo processo de empenho, os valores máximos são maiores: chegando a R$ 17.600 para compras e serviços e R$ 33.000 para obras e serviços de engenharia.

No processo normal de compras por órgãos públicos, antes de realizar um gasto, é preciso fazer um empenho. O empenho funciona como se fosse uma reserva do valor, dentro do orçamento, para garantir que não serão feitos gastos que posteriormente o governo não possa pagar.

Os gastos incluem o vice-presidente?

Nos gastos com cartão corporativo da Secretaria de Administração da Presidência, segundo informação da Secretaria Geral da Presidência, estão incluídos gastos realizados pelo vice-presidente apenas quando este está no exercício do cargo de presidente da República.

Fora dos períodos em que o vice-presidente exerce a função de presidente, os gastos são contabilizados pelo Gabinete da Vice-Presidência da República, que de fevereiro a setembro de 2019 teve gastos no total de R$ 469,5 mil.


Em 20 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro questionou um texto do Antagonista, segundo o qual a Presidência aumentou 24% os gastos com cartões. Em tuíte, o presidente afirmou que "os gastos com cartões incluem as despesas do Presidente e do Vice”.

No Orçamento, os gastos do Gabinete da Vice-Presidência fazem parte do órgão superior chamado “Presidência”.

No entanto, os valores divulgados pela reportagem do Globo não se referem aos gastos do órgão superior da Presidência, mas sim da Secretaria Especial de Administração da Presidência.

Para que serve o cartão corporativo?

O cartão corporativo foi criado em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por meio de uma portaria. No início do primeiro mandato do governo Lula portanto, era o segundo ano de vigência do uso dos cartões.

A função do cartão é facilitar o pagamento de despesas pontuais e ou de gastos que devam ser pagos no ato da compra, como os realizados durante viagens.

Antes da existência dos cartões, esses gastos já existiam. Com os cartões, a principal mudança foi a forma como esse pagamento ocorre, não no gasto em si.

De acordo com Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, “se não tivesse o cartão corporativo, teria que continuar fazendo o gasto”. Ele dá como exemplo uma operação da Polícia Federal em que surja uma viagem urgente para outro estado. “Tem que comprar passagem de avião, como seria feito? Não teria como fazer nota de empenho e depois pagamento”, afirma ele.

Além disso, para a maior parte das compras e contratações feitas pelo setor público, a lei determina realizar uma licitação, que pode levar meses até ser concluída. Nesse processo, diferentes empresas podem fazer ofertas e uma delas é escolhida.

No entanto, para gastos pontuais ou de caráter urgente, nem sempre é possível fazer o empenho antes da compra, ou vantajoso realizar uma licitação. Ainda assim, em qualquer caso, é preciso que seja observado o interesse público do gasto.

Após escândalos, normas ficaram mais rígidas

Desde que passaram a ser usados em 2002, os cartões corporativos foram motivo de diversos escândalos envolvendo integrantes do governo.

Em fevereiro de 2008, após ameaça da então oposição ao governo Lula de instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar gastos irregulares com o cartão, o governo publicou um novo decreto com o objetivo de limitar o uso do cartão e evitar abusos.

Ainda assim, a CPI foi instalada e durou três meses. Como resultado de uma de suas recomendações, em outubro de 2008, a CGU lançou um manual com orientações para os funcionários e detentores de cargos públicos sobre o uso adequado dos cartões corporativos.

Um dos pontos mais questionados em relação aos gastos, no entanto, continua sem alteração: os detalhes da maior parte dos gastos realizados pelos gabinetes da Presidência e Vice-Presidência são mantidos sigilosos durante o mandato, sob a alegação de “questões de segurança”.

Os valores totais da gestão pública são abertos, mas há sigilo sobre despesas consideradas de segurança nacional, como a alimentação e o transporte do presidente e vice-presidente.

À época, uma regra baixada em dezembro de 2003 pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência impediu o acesso aos detalhes dos gastos.

Em 8 de agosto deste ano, após criticar a cobertura da imprensa, o presidente Jair Bolsonaro prometeu divulgar seus gastos pessoais com o cartão corporativo, o que ainda não aconteceu.

"Eu vou abrir o sigilo do meu cartão. Para vocês tomarem conhecimento quanto gastei de janeiro até o final de julho. Ok, imprensa? Vamos fazer uma matéria legal?", afirmou ele na ocasião.

Na transição de governo, a equipe do presidente chegou a cogitar a extinção do cartão, mas desistiu.


Também participaram desta apuração UOL, Jornal do Commercio, Correio, BandNews FM, e O Estado de S. Paulo.

Projeto Comprova

O Comprova é uma coalizão de veículos jornalísticos que visa identificar, checar e combater rumores, manipulações e notícias falsas sobre políticas públicas. É possível sugerir checagens pelo WhatsApp da iniciativa, no número (11) 97795-0022.

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