Congresso, partidos e STF reagem a ameaça autoritária de filho de Bolsonaro

Eduardo Bolsonaro diz que, se esquerda radicalizar, resposta pode ser 'um novo AI-5'

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São Paulo e Brasília

Declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em tom de ameaça sobre a edição de "um novo AI-5" no país provocaram forte reação contrária de líderes do Congresso, governadores, dirigentes partidários de diferentes linhas ideológicas, ministro do Supremo e presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

As falas do filho de Jair Bolsonaro foram interpretadas por vários grupos como sinal de pretensões autoritárias e motivou uma tentativa do presidente da República de atenuar as interpretações e negar plano antidemocrático.

Mesmo após ser alvo de críticas, Eduardo, que é líder do PSL na Câmara, chegou a insistir mais duas vezes na exaltação à ditadura militar, nas redes sociais. Mais tarde, pediu desculpas e negou a possibilidade de um "novo AI-5".

O Ato Institucional número 5 foi editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional e renovando poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos.

Eduardo fez a ameaça em entrevista à jornalista Leda Nagle realizada na segunda (28) e publicada nesta quinta (31) no canal dela no YouTube.

"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", disse, ao tratar da possibilidade de manifestações como as ocorridas no Chile se repetirem no Brasil.

Depois, Eduardo publicou vídeo de 2016 no qual Jair Bolsonaro, então deputado federal, exalta a figura do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura e um dos principais símbolos da repressão na ditadura militar.

Horas depois, voltou a falar de AI-5, reafirmando que não se permitirá que a esquerda traga ao país protestos que ele considera ser "vandalismo e depredação" e que chegam "a ser terrorismo".

Após ampla reação de repúdio da classe política e da ameaça inclusive de processo para cassação do mandato de Eduardo (pedido feito pela oposição), Jair Bolsonaro desautorizou o filho.

"Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí", afirmou. "Cobrem vocês dele, ele é independente."

O presidente disse lamentar a declaração de Eduardo, mas disse que "qualquer palavra nossa vira um tsunami".

"Essa arma [AI-5] não existe, e nem queremos, e nem pretendemos falar em autoritarismo da nossa parte. Eu fui eleito democraticamente, ele foi o deputado mais votado na história do Brasil", disse Bolsonaro na entrevista à Band.

Depois de ser desautorizado pelo pai, Eduardo afirmou que "não existe qualquer possibilidade de retorno do AI-5" e que houve uma "interpretação deturpada" de sua fala. 

quinto ato, assinado pelo marechal Arthur da Costa e Silva (que assumira a Presidência em 1967), resultou no fechamento imediato e por tempo indeterminado do Congresso Nacional e das Assembleias nos estados —com exceção de São Paulo.

Além disso, o AI-5 renovou poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente. Também foi suspensa a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular.

AI-5, 13 DE DEZEMBRO DE 1968

  • Deu novamente ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias e Câmaras. O Congresso foi fechado por tempo indeterminado no mesmo dia
  • Renovou poderes conferidos antes ao presidente para aplicar punições, cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente
  • Suspendeu a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular
  • Deu ao presidente o poder de confiscar bens de funcionários acusados de enriquecimento ilícito

Reação

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que as declarações de Eduardo sobre um novo AI-5 eram "repugnantes" e deveriam ser “repelidas como toda a indignação”  pelas instituições brasileiras.

Maia ressaltou ainda que a "apologia reiterada de instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas". Em nota, disse que "o Brasil jamais regressará aos anos de chumbo".

O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse ser "um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática". 

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, criticou a declaração do filho do presidente. "A toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", afirmou à Folha.

O presidente do Supremo, Dias Toffoli, no entanto, silenciou diante das declarações de Eduardo, assim como Sergio Moro, ministro da Justiça.

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, afirmou que, com sua fala, Eduardo deixou claro que a gestão Jair Bolsonaro "quer seguir o caminho do fascismo". 

Santa Cruz disse à Folha que a declaração “não é apenas a de um deputado federal”. “É o pensamento do presidente da República. Como um clã no poder, a fala do presidente se dá através dos filhos”, afirmou.

Relator no Congresso da emenda constitucional que extinguiu o AI-5, o ex-presidente José Sarney (MDB) afirmou em nota: "Lamento que um parlamentar, que começa seu mandato jurando a Constituição, sugira, em algum momento, tentar violá-la". 

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a ruptura do modelo democrático era inaceitável. "As instituições funcionam e toda e qualquer ameaça à conquista do Estado democrático de Direito deve ser repelida. [...] O país quer distância dos radicais que pregam medidas de exceção e atentam contra a Constituição", disse. 

"Repudiamos a tentação autoritária e o silêncio de quem as patrocina. [...] A Nação não deixará de ter fidelidade aos seus valores democráticos", completou o governador tucano.

Candidato do PT à Presidência da República em 2018, o ex-prefeito Fernando Haddad afirmou que “a única punição cabível” à fala de Eduardo “é a perda do mandato”. O presidente do DEM, ACM Neto, emitiu nota na qual classifica a fala de Eduardo Bolsonaro como uma “inaceitável afronta à democracia”.

Também candidato a presidente, Ciro Gomes (PDT) disse que "este bando de lunáticos está ultrapassando qualquer limite". "Este tolete de esterco é mais perigoso com a mão suja do que exercendo um poder que pensa ter em seu deslumbramento de boçal", escreveu em uma rede social.

Presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, que disse em uma rede social que "parece que não restam mais dúvidas sobre as intenções autoritárias de quem não suporta viver em uma sociedade livre". 

A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), defendeu que o Ministério Público e o STF (Supremo Tribunal Federal) tomem providências contra as declarações. "A população precisa saber o que vocês estão fazendo", disse.

Os nove governadores do Nordeste divulgaram nota conjunta dizendo repudiar ameaças autoritárias e afirmando que defender a democracia é fundamental para que haja paz no país.

A direção nacional do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, emitiu nota na qual, "com veemência", diz repudiar "qualquer manifestação antidemocrática que, de alguma forma, considere a reedição de atos autoritários". "A simples lembrança de um período de restrição de liberdades é inaceitável", diz o texto.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, disse que a declaração de Eduardo Bolsonaro não é um fato isolado e mencionou episódios anteriores, como a afirmação de que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal, e o vídeo que mostra a corte como uma hiena atacando a Presidência da República.

Após a fala do presidente, parte da ala militar tentou também fazer ponderações.

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, declarou: "Por mais imperfeito que seja o sistema democrático, já dizia Winston Churchill [ex-primeiro-ministro do Reino Unido]: 'é o melhor de todos'".

"Precisamos buscar serenar ânimos. Não podemos criar fantasmas onde não existe. Opiniões não podem servir para distorcer os fatos ou potencializar diferenças políticas", escreveu nas redes sociais o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.

O também general Eduardo Rocha Paiva, da Comissão de Anistia do governo federal, disse que o contexto atual do país é diferente ao de 1968.

"Só uma convulsão social, com risco de guerra civil e perda de autoridade dos poderes da União, justificaria uma intervenção das Forças Armadas para cumprir a missão de defender a pátria", disse.

Voto de censura

A bancada do Cidadania no Senado informou que vai protocolar um requerimento solicitando voto de censura a Eduardo Bolsonaro por sua manifestação.

O voto de censura é um instrumento previsto no Regimento Interno e representa a opinião do Senado quando aprovado pelo plenário da Casa.

Líderes da Rede, do PSD, do PT, do Cidadania e do PDT, além dos comandos dos blocos que reúnem PT e Pros, e PSB, PDT, Rede e Cidadania no Senado divulgaram uma nota conjunta de repúdio em que consideram as declarações "um verdadeiro atentado contra a Constituição Federal do Brasil".

"De forma leviana, o parlamentar defende a volta de um instrumento ditatorial antagônico ao artigo primeiro da nossa Carta Magna. [...] É um ultraje contra os fundamentos do Estado democrático de Direito, em especial a garantia do pluralismo político e a independência e harmonia entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário", diz a nota.

Os parlamentares consideraram este "um dos episódios mais lamentáveis da história deste Parlamento". "Não existe mais espaço para ameaças de aventuras autoritárias."

Marcos Pereira, presidente do Republicanos, divulgou nota em que diz "repudiar veementemente" a declaração de Eduardo e pediu "bom senso, equilíbrio, moderação e diálogo".

O líder do bloco que reúne MDB, PP e Republicanos, o senador Esperidião Amin (PP-SC) disse que a manifestação é "absolutamente desconectada de fatos e realidades". "De forma que acho que ela [a manifestação] é irrelevante pelo conteúdo e por quem explicita o conteúdo", afirmou o senador.

Em nota, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) afirmou que repudia “qualquer tentativa de se reeditar a barbárie dos anos de chumbo”. Segundo a entidade, cabe à sociedade brasileira, e ainda mais aos seus representantes democraticamente eleitos, “a defesa intransigente da efetivação das liberdades individuais e coletivas garantidas pela Constituição” de 1988.

A associação acrescentou que a democracia “é conquista inegociável do povo brasileiro”. “Cogitar a edição de atos institucionais, em especial, com conteúdo idêntico ou similar ao do AI-5, é flertar com um passado tenebroso, responsável pela censura à imprensa e à classe artística, pelo fechamento do Congresso Nacional, por milhares de torturados e centenas de desaparecidos políticos.”

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