Bolsonaro diz que presidente do PSL está 'queimado' e expõe racha dentro do seu partido

'Esquece o PSL', afirmou a apoiador em meio a crise das candidaturas laranjas; líder no Senado e ala da sigla criticam declaração

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Brasília e São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro expôs na manhã desta terça-feira (8) uma crise dentro de seu partido ao dizer a um apoiador que era para ele "esquecer o PSL". Segundo ele, o presidente da sigla, o deputado federal Luciano Bivar (PE), está "queimado pra caramba".

As declarações registradas na saída do Palácio da Alvorada causaram reação imediata dentro da legenda, que está no centro do escândalo das candidaturas laranjas e passa por uma disputa interna de poder.

"Esquece o PSL, esquece o PSL, tá OK?", cochichou Bolsonaro no ouvido do apoiador que momentos antes se disse do Recife e pré-candidato do PSL. 

Apesar da advertência, o jovem insistiu em gravar um vídeo ao lado do presidente, em posição de selfie. "Eu, Bolsonaro e Bivar juntos por um novo Recife, aê!"

Bolsonaro então pediu que a imagem não fosse divulgada. "Oh, cara, não divulga isso não, pô. O cara tá queimado pra caramba lá. Vai queimar o meu filme também. Esquece esse cara, esquece o partido."

Luciano Bivar e Jair Bolsonaro em evento de filiação do então candidato ao PSL, em 2018
Luciano Bivar e Jair Bolsonaro em evento de filiação do então candidato ao PSL, em 2018 - Diego Nigro/JC Imagem/Folhapress

Em reportagens publicadas desde fevereiro, a Folha revelou esquema de desvio de verbas públicas do PSL por meio de candidatas femininas de fachada, caso que atinge não só o ministro do Turismo de Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio, mas também Bivar.

O presidente da sigla começou a ser investigado pela Polícia Federal após a Folha revelar que ele patrocinou a destinação de R$ 400 mil de verba eleitoral do partido para uma secretária da sigla em Pernambuco, a quatro dias da eleição. 

Maria de Lourdes Paixão oficialmente concorreu a deputada federal e, apesar de ser a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, obteve apenas 274 votos.

Nesta terça, o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), afirmou ter ficado perplexo com a declaração de Bolsonaro sobre Bivar.

"Nos pegou a todos de calças curtas. Talvez o presidente esteja vislumbrando uma situação que nós não vemos", afirmou o senador, que rompeu com Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) —também senador e um dos filhos do presidente— e já ameaçou deixar a sigla.

"O que eu vejo é o Bivar e todo o PSL tratando o presidente com toda a consideração do mundo. Por isso que não dá para entender", disse Olimpio.
 
Um dos principais responsáveis pela linha adotada nas redes sociais por Bolsonaro e o bolsonarismo, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) publicou críticas a Olimpio, afirmando que "a ingratidão se revela a cada momento".

"Com todo respeito ao Major Olimpio, lembro exatamente como foi sua campanha para senador e dos detalhes no hospital, mas que fazem parte da vida pública. Fico estarrecido da maneira como este senhor trata o presidente hoje!", publicou o vereador em suas redes.

Carlos não detalhou se o episódio seria uma referência à internação hospitalar do pai em decorrência da facada sofrida durante a campanha de 2018.  

"Ninguém é imune à críticas, mas meu Deus! É surreal!", escreveu o vereador.

 

Carlos também compartilhou mensagem de um dos principais aliados de Bolsonaro, o deputado federal Hélio Negão (PSL-RJ), que lembrou bordão do presidente. 

"Hoje a mídia noticia alarmada: 'Bolsonaro pede para esquecer o partido'. Qual é a surpresa? Brasil acima de tudo, inclusive de partidos", escreveu Hélio. 

Carlos comentou a seguir: "Simples [em letras maiúsculas]. Se for diferente as coisas continuarão as mesmas, só que disfarçadas, como sempre!"

O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), afirmou nesta terça que o partido está fechado com Bolsonaro e que não haverá retaliações por causa das críticas públicas feitas por ele. 

O próprio deputado chegou a dizer à revista Época, pela manhã, que o "quintal de Bolsonaro também está sujo", em referência a Flávio Bolsonaro, que é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. À noite, porém, Delegado Waldir mudou o tom.

"Acho que o mais importante é que todos nós aqui somos governo, todos os parlamentares que estão aqui são Brasil. Às vezes eu fico um pouco mais nervoso, falo mais alto, cada um de nós em um determinado momento se altera e fala alguma coisa que não é necessária naquele momento", afirmou após reunião de mais de duas horas da bancada do partido na Casa —Bivar não foi ao encontro, mas Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) esteve presente. 

Ao voltar para o Alvorada na noite desta terça, Bolsonaro não quis comentar suas declarações feitas pela manhã. Mas disse que não fez caixa dois —dinheiro eleitoral movimentado sem conhecimento da Justiça— na campanha.
 
“Só nesta semana, me botaram como responsável por problemas em Minas Gerais. Não tenho nada a ver. Imagine se eu for responsável por 2.000 candidatos pelo Brasil. Não fiz campanha [em referência ao atentado que sofreu]", afirmou.

"Como é que me acusam que eu fiz campanha com caixa dois? Eu não fiz nada. Não anunciei em jornal nenhum, não fiz uma passeata, não fiz nada.”

Como mostrou a Folha, um então coordenador da campanha de Álvaro Antônio e uma planilha apreendida pela PF sugerem que dinheiro do esquema das laranjas tenham abastecido, por meio de caixa dois, as campanhas de Bolsonaro e de seu hoje ministro do Turismo.

Nas últimas semanas, o presidente tem avaliado a possibilidade de deixar o PSL e se filiar a uma outra sigla pequena ou a um partido em formação. 

Na segunda (7), Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto a advogada Karina Kufa, que está em embate interno dentro do PSL contra o grupo de Bivar.

Uma ala do partido também decidiu preparar um manifesto de apoio ao presidente da legenda, como revelado pelo Painel.
 
O texto que começou a circular exalta a importância da sigla nas eleições de 2018 e prega que Bivar redistribua postos de comando da legenda nos municípios —medida que poderia até mesmo desfazer arranjos impostos por Flávio no Rio e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em São Paulo.

Um dos defensores do texto é o deputado Júnior Bozella (PSL-SP). Ele afirma que o PSL não pode se tornar um “PT da direita”, acobertando casos que criam desgastes à sigla. 

Os dois mais ruidosos, lembra ele, foram poupados de críticas pelo presidente: o que envolve Fabrício Queiroz —ex-assessor de Flávio suspeito de organizar uma rachadinha de salários no gabinete do filho do presidente— e o caso do laranjal do PSL de Minas.

"Temos o caso do Queiroz e o do ministro do Turismo, e o presidente tenta encobrir esses dois assuntos ao mesmo tempo em que desfere ataques indevidos ao PSL", disse Bozella.

O PSL foi criado em 1998 por Bivar e, nos 20 anos seguintes, foi uma sigla nanica, de baixíssima expressão política nacional. 

Somente no começo de 2018 a sua história mudou ao acertar a filiação de Bolsonaro, que desistiu de ingressar no Patriota e sacramentou a sétima mudança de partido em sua carreira política.

Com a onda que deu a vitória a Bolsonaro em outubro de 2018, o PSL foi a sigla mais votada e acabou elegendo a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados.

Os cofres do partido também ficaram recheados. Em 2018 a sigla recebeu pouco mais de R$ 9 milhões do fundo partidário, que é a fonte pública de receita das legendas. Com os votos recebidos na onda Bolsonaro, o partido terá essa verba multiplicada por 12 neste ano, sendo a número 1 do ranking, com cerca de R$ 110 milhões.

A Folha tentou entrar em contato com Bivar ao longo do dia, mas não obteve resposta. Ele evitou andar pelos corredores do Congresso nesta terça. 

Raio-X do PSL

271.195 filiados (em ago.19)

3 governadores

53 deputados federais

3 senadores

R$ 110 milhões em repasses do fundo partidário em 2019 (estimativa)

VEJA COMO FUNCIONOU O ESQUEMA

Qual a origem da suspeita de esquema envolvendo candidatura laranja do PSL?
Folha revelou, em 4.fev, que o ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em MG, patrocinou um esquema de candidaturas de laranjas no estado, abastecidas com verba pública do PSL, em 2018.

Como funcionou esse esquema? 
Álvaro Antônio era presidente do ​PSL em Minas e tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. As quatro candidatas receberam R$ 279 mil de verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro.

Quais as evidências de que as candidaturas eram de laranjas?
Não há sinais de que elas tenham feito campanha efetiva durante a eleição. Ao final, juntas, somaram apenas cerca de 2.000 votos, apesar do montante recebido para a campanha.
Em buscas realizadas pela PF em MG no fim de abril, os policiais não encontraram nas gráficas citadas nas prestações de contas nenhum documento que indicasse que elas de fato prestaram os serviços declarados à Justiça Eleitoral.

O que foi apurado até agora?
A PF afirmou que há indícios concretos de que houve irregularidades na prestação de contas das campanhas e que Álvaro Antônio era a cabeça do grupo que organizou o esquema. A suspeita é que os valores relatados foram desviados para outros candidatos ou para terceiros. Um depoimento e uma planilha obtidos pela PF sugerem que recursos do esquema foram desviados para abastecer, por meio de caixa dois, a campanha de Jair Bolsonaro e a de Álvaro Antônio.

Qual a origem da suspeita de caixa dois?
O coordenador da campanha do ministro a deputado federal disse à PF que acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas foi usada para pagar material de campanha de Álvaro Antônio e de Bolsonaro. Em uma planilha há referência ao fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro com a expressão "out", o que significa, na compreensão de investigadores, pagamento "por fora".

Álvaro Antônio foi alvo de denúncia sob que acusação?
Ele é acusado de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa. O ministro nega ter cometido irregularidades.

O que se sabe sobre candidatura laranja em Pernambuco? 
Folha revelou em 10 de fevereiro que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018.

Como funcionou esse esquema? 
Maria de Lourdes Paixão, 68, virou candidata de última hora para preencher vaga remanescente de cota feminina. O PSL repassou R$ 400 mil do fundo partidário no dia 3 de outubro, quatro dias antes da eleição —ela foi a terceira que mais recebeu dinheiro do partido no país.

Quais as evidências de que ela era laranja? 
A candidata sustenta que gastou 95% do dinheiro em uma única gráfica para a confecção de 9 milhões de santinhos e 1,7 milhão de adesivos. Para isso, cada um dos quatro panfleteiros que ela diz ter contratado teria, em tese, a missão de distribuir, só de santinhos, 750 mil unidades por dia —sete panfletos por segundo, no caso de trabalharem 24 horas ininterruptas.

Folha foi a endereços vinculados à gráfica e não encontrou sinais de que ela tenha funcionado durante a eleição. Não há também sinais de que a candidata tenha de fato feito campanha. Lourdes teve somente 274 votos. O advogado que defende Lourdes na investigação tem seus honorários pagos pelo PSL.

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