Ausência feminina em decisões no sínodo provoca críticas entre religiosas

Mulheres são 35 dos 258 participantes de assembleia no Vaticano, mas não têm direito a votar documento final

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Cidade do Vaticano

Não é só o reconhecimento das mulheres ligadas às igrejas da Amazônia que está em discussão no Vaticano nos últimos dias.

A presença feminina dentro do próprio sínodo também tem provocado debate, impulsionado por grupos de católicas que fazem pressão por um papel mais relevante dentro da assembleia.

Além de bispos dos nove países da região, o Sínodo da Amazônia tem a participação de cardeais, outros religiosos, especialistas e convidados do papa Francisco, incluindo leigos.

O papa Francisco participa de reunião com cardeais e bispos durante o Sínodo da Amazônia, no Vaticano, no último dia 7
O papa Francisco participa de reunião com cardeais e bispos durante o Sínodo da Amazônia, no Vaticano, no último dia 7 - Vatican Media/Reuters

A função do sínodo é debater temas predeterminados e apresentar, após três semanas, um documento ao papa com uma síntese do que foi dito e sugerido.

Entre esses temas, estão possíveis soluções para suprir a falta de padres nas comunidades da floresta: a ordenação de homens casados, a incorporação de tradições indígenas nos rituais católicos e a criação de um ministério oficial para as mulheres que atuam na região. São os assuntos mais polêmicos deste evento.

Iniciada nesta semana, a assembleia tem 258 participantes, sendo que 185 são "padres sinodais", como são chamados aqueles que têm atuação mais decisiva: eles têm direito a voto durante a elaboração do documento final que será apresentado na sessão do próximo dia 25.

Embora a participação feminina deste sínodo seja recorde —35, ante 27 do sínodo do ano passado—, nenhuma delas poderá votar. Elas são auditoras (29), especialistas (4) e convidadas especiais (2) que podem discursar na sala de reuniões, mas que, por enquanto, não têm permissão para ajudar a decidir os termos do documento final.

Esse texto do sínodo, após aprovado, é encaminhado ao papa, que decide como usá-lo em sua exortação apostólica, um documento com indicações ao clero e aos fiéis.

"Por que decisões nesta igreja são tomadas somente por um clero inteiro masculino, quando a igreja mundialmente é formada por mais de 60% de mulheres?", questiona Stephanie Lorenzo, diretora de comunicação da Voices of Faith, organização com sede em Roma que milita por mais espaço para as mulheres dentro da Igreja Católica.

"Estamos perdendo as perspectivas das mulheres, suas habilidades e dons ao não permitirmos que elas liderem e tomem decisões que irão afetá-las, a seus filhos, suas comunidades e famílias. Isso não é apenas errado, é injusto e vai contra os princípios fundamentais da fé católica", afirma Lorenzo.

A poucos dias do início do Sínodo da Amazônia, as mulheres do Voices of Faith divulgaram uma carta assinada em conjunto com outros três grupos católicos femininos, em que criticam "a perpetração de um impedimento injusto às mulheres que vão fazer parte do sínodo: a proibição de votar o documento final que elas terão ajudado a desenvolver".

"Mais uma vez, decisões relativas a uma grande região habitada por homens e mulheres serão tomadas apenas por homens", diz outro trecho.

Outro coletivo signatário da carta, o Women's Ordination Conference, incentiva mulheres a reclamarem diretamente com a Secretaria Geral do Sínodo, divulgando os telefones, o endereço e um modelo de carta endereçada ao cardeal responsável pelo órgão, em que pedem para que a assembleia inclua na pauta os "direitos de voto das mulheres envolvidas".

À Folha o Vaticano disse que não irá comentar a questão do voto feminino. Duas participantes do sínodo não quiseram se manifestar, respondendo que não estão autorizadas a dar entrevistas nesta semana.

A pressão por mais representatividade feminina nas decisões dos sínodos do Vaticano vem aumentando desde 2015, quando o papa Francisco passou a permitir que alguns religiosos não ordenados (que não são sacerdotes) também possam votar junto com bispos, cardeais e padres.

O argumento das ativistas é que a exceção também pode ser estendida às mulheres que possuem o mesmo status eclesiástico.

No Sínodo da Amazônia, a lista de participantes tem dez religiosas integrantes da União Internacional das Superioras Gerais e 15 homens da União Superior Geral. Embora tenham o mesmo nível na hierarquia católica, um desses homens terá permissão do papa para votar nesta edição —um frade equatoriano.

"Apesar de fazerem parte do conselho pré-sinodal, duas mulheres religiosas não ordenadas não estão tendo essa mesma oportunidade de votar", diz a carta da Women's Ordination Conference.

Os primeiros dias de sessões do sínodo, que reuniram a portas fechadas os 258 participantes e o papa Francisco, tiveram como ponto de partida o "instrumentum laboris", uma pauta de trabalho que concentra os temas que a igreja quer debater.

Segundo os relatos oficiais do Vaticano, a criação de um ministério oficial para as mulheres, como um diaconato, já começou a ser discutida.

A questão está instalada no sínodo, mas não se sabe como será representada no documento final. De um lado, a ala conservadora da igreja se põe contra esses "novos caminhos", como o Vaticano vem chamando. De outro, a ala progressista critica a falta de reconhecimento feminino na Amazônia e o veto ao voto das mulheres dentro do sínodo.

"Acredito que veremos uma abertura para os padres casados e um esforço da igreja para avançar na direção de um reconhecimento oficial dos ministérios das mulheres que já estão nutrindo a igreja na Amazônia", arrisca Deborah Rose Milavec, uma das fundadoras da FutureChurch, que veio dos Estados Unidos acompanhar o sínodo em Roma.

A freira colombiana Alba Teresa Cediel Castilho fala durante o Sínodo da Amazônia, no Vaticano
A freira colombiana Alba Teresa Cediel Castilho fala durante o Sínodo da Amazônia, no Vaticano - Vaticannews no Twitter

Por enquanto, a única manifestação oficial sobre o assunto no Vaticano foi um comovente depoimento da religiosa colombiana Alba Teresa Cediel Castillo em uma das entrevistas coletivas desta semana.

"Estamos presentes em todos os lugares (...) e, quando os sacerdotes não podem estar presentes, nós batizamos. Se alguém deseja se casar, testemunhamos o amor do casal. E muitas vezes já aconteceu de ouvirmos confissões", revelou. A tomada de confissão é algo que, na Igreja Católica, só um padre ou outro religioso ordenado pode fazer.

​"As mulheres devem ter um maior reconhecimento, em todos os níveis. Mas não se pode forçar. É uma jornada. Chegaremos lá, pouco a pouco", finalizou.

Entenda o sínodo

O que é - O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez

Especial Amazônia - Anunciado em 2017, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental
 
Para que serve - É um mecanismo de consulta do papa. Os convocados debatem e fornecem material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia

Quem participa - O Sínodo da Amazônia reúne 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas --no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões

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