Livro aborda função de ombudsman em jornais no país

Criação do cargo no Brasil foi anunciada pela Folha há 30 anos

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Rio de Janeiro

Há 30 anos o leitor brasileiro de jornais passou a conviver com um personagem novo, de nome esquisito: ombudsman. Em setembro de 1989, a Folha anunciou que passaria a ter um profissional com a função de criticar o jornal e examinar queixas de leitores.

De lá para cá, a iniciativa, pioneira no Brasil, foi seguida por poucos e, com frequência, teve curta duração. O momento atual é de reavaliação da função. As empresas de comunicação enfrentam concomitantemente crises de modelo e financeira, ataques de autoridades, ondas de críticas —justas ou injustas— de cidadãos-leitores em redes sociais.

É nesse contexto que acaba de ser lançado "Ombudsman no Jornalismo Brasileiro" (ed. Insular), livro organizado por Elaine Javorski e Sérgio Gadini, ex-ombudsmans do Jornal da Manhã, de Ponta Grossa, o único jornal do Paraná a criar o cargo.

 

São 13 textos inéditos (entre relatos e entrevistas), apresentados em sequência cronológica sobre as experiências de ombudsmans em seis jornais brasileiros.

 
Tratam das dificuldades e dos desafios enfrentados e levam à reflexão sobre o sentido e a importância da existência de uma crítica à mídia. Com diferentes estilos e tamanhos, os autores descrevem em detalhes o cotidiano nem sempre tranquilo de quem exerceu o cargo e oferecem elementos para a reflexão sobre o futuro da instituição.

Como sintetiza Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha de 2008 a 2010, a missão do crítico de mídia tem três eixos fundamentais: mediar desentendimentos entre consumidor e produtor da informação; estimular o aperfeiçoamento técnico do veículo; ajudar a expandir a consciência pública sobre o papel dos meios de comunicação na sociedade e refinar a relação entre eles e ela.

O panorama histórico que surge da leitura é desalentador. As experiências brasileiras são pontuais e efêmeras. A maior parte delas durou menos de cinco anos.

Exercício profissional nem sempre compreendido interna e externamente, a função por vezes é assimilada com clareza por leitores, mesmo aqueles não familiarizados com a palavra que o define.

"Caro O-Bunda-Men. Parabéns pelo texto. Sua profissão é muito legal. Mete o pau no jornal e ainda recebe por isso", resumiu bem-humorado um leitor ao jornalista Plínio Bortolotti, quando este atuava como ombudsman do jornal O Povo, de Fortaleza.

Em 2019, apenas a Folha, pioneira na criação da função, e O Povo (desde 1994) mantêm um profissional dedicado a ouvir e representar os leitores e a criticar o jornal e a mídia de forma mais ampla.

Alguns exemplos do passado revelam como a resistência de jornalistas e proprietários de jornais praticamente inviabilizou a função.

Outros escancaram as contradições de uma imprensa contaminada pela política, como a conturbada experiência do Correio da Paraíba, que culminou com o assassinato do dono do jornal.

Ou com a interferência direta do dono contrariado, como ocorreu no Diário do Povo, de Campinas (SP), que considerou "histórico" o dia do anúncio da nomeação do ombudsman e dois anos depois viu a função ser extinta pelo proprietário do jornal, Orestes Quércia, então pré-candidato à Presidência da República.
Importante que o livro traga a voz dissonante de João Paulo Soares, diretor de Redação do jornal campineiro, que faz uma avaliação negativa da instituição do ombudsman, que considerou "precipitada", "de pouca serventia" e "mera ferramenta de marketing".

É inegável, entretanto, que o leitor chega ao fim da obra convencido da importância e da necessidade da figura do ombudsman para o jornalismo e para a sociedade nos tempos digitalizados e disruptivos. Assim como forma a convicção sobre a necessidade de que ele se reinvente e se revalorize.

Do prefácio escrito por Caio Túlio Costa, primeiro ombudsman da América Latina, ao posfácio de Estrela Serrano, a primeira a assumir o cargo em Portugal, no Diário de Notícias, o leitor pode tirar algumas lições:

  1. o ombudsman é figura fundamental na conexão do jornal com o leitor. Ao ouvi-lo e ao explicar como o jornal é feito, ao expor as fragilidades/falibilidades do processo jornalístico, exerce também função didática;
  2. melhora os profissionais ao estimular o jornalista a aceitar críticas, ser menos arrogante e ter mais humildade;
  3. as redes sociais não são substitutas do ombudsman; usuários estão longe de fazer crítica técnica à qual imprensa e jornalistas devem ser submetidos.

Enfim, o cargo de ombudsman continua a ser importante na busca por uma imprensa melhor, mas também precisa enfrentar o desafio de se reinventar diante do jornalismo digital e da comunicação direta que as redes proporcionam.

Ombudsman no Jornalismo Brasileiro

  • Preço R$ 40 (184 págs.)
  • Autor Elaine Javorski e Sérgio Gadini (orgs.)
  • Editora Insular
 
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