Descrição de chapéu Legislativo Paulista

Ministério Público vai ouvir ex-servidor que denunciou 'rachadinha' no PSL paulista

Suspeita recai sobre gabinete do deputado estadual Gil Diniz, líder do PSL na Assembleia de SP

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São Paulo

A primeira medida a ser tomada no âmbito da investigação aberta pelo Ministério Público para apurar a suspeita de "rachadinha" no gabinete do deputado estadual Gil Diniz, líder do PSL na Assembleia de São Paulo, é o depoimento de Alexandre Junqueira, ex-servidor que denunciou o esquema.

O caso foi revelado pela coluna Painel, da Folha.

O deputado estadual Gil Diniz (PSL), conhecido pelo personagem das redes sociais Carteiro Reaça
O deputado estadual Gil Diniz (PSL), conhecido pelo personagem das redes sociais Carteiro Reaça - Bruno Santos/Folhapress

Gil é o braço direito da família do presidente Jair Bolsonaro em São Paulo. É próximo de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e vinha dirigindo com ele o diretório estadual do partido —rachada, a sigla decidiu que serão destituídos.

Na terça (15), Junqueira, que trabalhou no gabinete de Gil de 18 de março a 31 de julho, entregou ao Ministério Público de São Paulo um documento de duas páginas, no qual afirma que recebeu a proposta de devolver ao deputado parte do seu salário e eventuais gratificações recebidas.

"Presenciei por vezes a circulação de dinheiro em espécie e o pagamento de diversas contas particulares com esse dinheiro oriundo da rachadinha", escreveu.

A acusação de que o deputado tomava parte do dinheiro dos seus funcionários, prática conhecida como "rachadinha", é a mesma que recai sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na investigação que envolve a movimentação financeira de seu ex-assessor Fabrício Queiroz na Assembleia do Rio.

Junqueira afirma que, 14 dias após ser nomeado assessor especial parlamentar, já recusou o esquema e, por isso, foi sugerido a ele o cargo de motorista. Como também recusou, relata que foi punido e permaneceu em casa durante quatro meses sem trabalhar —ainda que quisesse.

O ex-assessor recebeu R$ 12 mil líquidos em seu último salário. Junqueira, conhecido como Carioca de Suzano, se aproximou de Eduardo Bolsonaro por meio dos vídeos que postava na internet e trabalhou nas campanhas do filho do presidente e de Gil.

Assim como Gil, passou a ter acesso à família Bolsonaro e chegou a passar o Réveillon com eles na Granja do Torto, em Brasília, na véspera da posse presidencial.

Em suas redes sociais, Junqueira fazia declarações veladas de que iria revelar algo contra Gil desde a semana passada.

Gil contesta a versão do ex-servidor. Diz que ele foi demitido por não se adaptar ao serviço parlamentar e que Junqueira trabalhava em Suzano —os funcionários dos deputados podem trabalhar em escritórios políticos estabelecidos em outras cidades.

O deputado reuniu publicações em redes sociais que mostram Junqueira o representando em eventos na região no período em que o ex-assessor diz que estava afastado e impedido de trabalhar.

Gil afirma se tratar de uma retaliação pela demissão e que a acusação visa atingir a família Bolsonaro.

O documento com a denúncia foi levado ao Ministério Público pela mulher de Junqueira, Solange, já que ele está fora do país, em viagem à Indonésia. Não foram entregues documentos que comprovassem o esquema.

À Folha Junqueira afirmou ter muitas provas e que vai apresentá-las. Questionado a respeito do teor dos documentos, ele disse que foi orientado por seu advogado a não dar detalhes sobre o assunto.

Com base na acusação, o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, determinou, na quarta (16), que fosse aberta uma investigação criminal, para apurar suspeita de peculato, e outra na esfera civil, para esclarecer se houve improbidade administrativa.

O peculato, que é a apropriação ou desvio de dinheiro por um agente público, é crime punido com pena de 2 a 12 anos de prisão. Já a improbidade pode ocasionar a perda do mandato, além do ressarcimento do valor desviado.

Em outra frente de apuração, o Ministério Público de Contas, responsável por analisar os gastos da Assembleia anualmente, requereu à Casa, na quinta, informações sobre as denúncias de "rachadinha".

O Ministério Público de Contas quer saber como a frequência dos servidores é controlada, se o controle interno da Casa detectou alguma anormalidade, se a direção da Assembleia instaurou processo administrativo interno para apurar o caso e o que é feito para coibir a prática. O presidente da Assembleia, deputado Cauê Macris (PSDB), não tem prazo para responder.

A acusação de "rachadinha" vem em momento de turbulência política no PSL.

O partido está em pé de guerra desde a semana passada, dividido entre deputados fiéis a Bolsonaro e aliados a Luciano Bivar (PE), presidente da sigla. A ala bolsonarista busca um meio de deixar o PSL sem perder o mandato.

A crise se acentuou nesta quinta, com Bolsonaro trabalhando para destituir o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), e colocar Eduardo, seu filho, em seu lugar.

Em resposta, Waldir falou que ia implodir Bolsonaro. Com isso, Bivar decidiu destituir Eduardo da presidência do PSL paulista, o que também derruba Gil de seu posto de vice.

Toda essa movimentação fez com que aliados de Gil vissem motivação política na acusação de Junqueira. Também estranharam o fato de o ex-funcionário levar meses para fazer a denúncia e estar na Indonésia.

Gil coleciona desafetos, como o governador João Doria (PSDB) e os deputados federais do seu partido aliados a Bivar, Joice Hasselmann (SP) e Junior Bozzella (SP), que pode ser nomeado presidente do PSL-SP no lugar de Eduardo.

Joice, que também é próxima a Doria, se coloca como candidata do PSL à Prefeitura de São Paulo no ano que vem, mas enfrentava resistência de Gil e Eduardo, que controlavam a máquina partidária. O próprio Gil se lançou candidato para se contrapor a Joice.

Também há um componente local no caso da "rachadinha". Junqueira é parte do diretório municipal do PSL em Suzano e seria demitido por Gil, segundo o deputado.

Enquanto a investigação não avança e sem que Junqueira apresente indícios de que houve "rachadinha", os deputados na Assembleia têm adotado cautela —tanto aliados de Gil como a oposição a ele, formada pelos partidos de esquerda.

Nos últimos anos, diversas de acusações do tipo na Assembleia de São Paulo foram levadas ao Ministério Público, e a maioria terminou arquivada. Não houve em anos recentes denúncia formalizada pelo órgão contra deputados acusados de "rachadinha".

Investigadores apontam que a prática é comum, mas a regra geral é não haver punição. Muitas vezes aqueles que fizeram a acusação não conseguem comprová-la ou desistem de fazê-lo por acertos políticos.

Os casos apontados na Assembleia tampouco foram levados ao Conselho de Ética da Casa, que não costuma apreciar acusações criminais. O colegiado se debruça sobre questões mais corriqueiras, como discussões e xingamentos entre deputados que representam quebra de decoro.

Colega de Gil na bancada do PSL, o deputado Coronel Nishikawa também é alvo de investigação sobre "rachadinha", instaurada em julho e que corre sob sigilo no Ministério Público. No seu caso, houve uma denúncia anônima apontando o esquema.

O fato de Junqueira ter vindo a público fazer a acusação agrava a situação de Gil, na opinião dos deputados. A avaliação é que ele não se exporia se não tivesse provas ou teria que responder judicialmente pela mentira. Gil já registrou um boletim de ocorrência por denunciação caluniosa.

De qualquer forma, Gil tem recebido alguns apoios na Casa. Deputados experientes acalmaram seu ânimo na terça, aconselhando-o a não usar a tribuna para defender-se do caso de cabeça quente. Os deputados do PSL preparam uma nota de apoio e recolhem assinaturas na bancada —a maior da Casa, com 15 cadeiras.

Na quarta, em reunião com a bancada, Gil deu explicações aos deputados e colocou a liderança do PSL à disposição, mas seus colegas preferiram que ele continuasse no posto.

Até a oposição foi solidária. O deputado Teonílio Barba, líder do PT na Assembleia, afirmou em plenário, nesta quinta, que ninguém sabe se a denúncia contra Gil é verdadeira ou não.

"Nós, da bancada do PT, não temos o costume aqui, quando alguém sofre alguma denúncia, de sair atacando. [...] Não vamos levar ao Conselho de Ética, não vamos fazer nada enquanto o deputado, meu adversário político, não apresentar toda sua defesa e não esgotar todo o processo. Se for culpado, vamos tomar providências cabíveis", afirmou.

Deputados dizem que todos estão sujeitos a acusações de ex-funcionários que são demitidos e avaliam que o estrago na imagem de Gil dificilmente será revertido. Quem esteve com o líder do PSL relatou que ele e a família estão abalados.

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