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Modelo de ataque de Bolsonaro à imprensa tem poucos paralelos históricos

Presidente se coloca na linha de frente dos embates sem intermediários, contrariando predecessores

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São Paulo

Embora atritos entre presidentes e órgãos de comunicação não sejam algo inédito, a forma e a intensidade dos ataques de Jair Bolsonaro à imprensa têm poucos paralelos históricos.

Em transmissão pela internet feita ainda durante sua visita à Arábia Saudita, o presidente disse que a Rede Globo faz um jornalismo "canalha" e deu a entender que poderá não renovar a concessão da emissora em 2022.

Ela foi a responsável por revelar a existência do depoimento de um porteiro em que ele menciona que um dos acusados de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco teria feito contato com a casa de Bolsonaro, num condomínio fechado no Rio de Janeiro, no dia do crime.

O presidente Jair Bolsonaro durante transmissão pela internet em que atacou a imprensa, na Arábia Saudita - Reprodução de Youtube/AFP

O Ministério Público do Rio, contudo, diz que a informação dada pelo porteiro, cujo nome não foi revelado, não é verdadeira.

Bolsonaro também já fez diversas investidas contra a Folha, desde a campanha eleitoral do ano passado, quando disse em um comício na avenida Paulista que o jornal é a maior fake news do Brasil.

Além disso, o presidente entrou com processo contra o jornal em razão de reportagem mostrando que empresários bancaram disparos de WhatsApp contra o PT na campanha.

Tentativas de intimidar a imprensa também foram uma tônica dos governos petistas, embora sem ameaças tão radicais como a feita por Bolsonaro contra a TV Globo, a Folha e outros veículos.

Durante as Presidências de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), houve a defesa por parte de diversas lideranças petistas do cancelamento ou redução do volume de verba publicitária oficial para órgãos de imprensa críticos ao governo, sobretudo a revista Veja.

Tais ameaças, contudo, se restringiam ao entorno dos presidentes, e não costumavam ser feitas por Lula e Dilma de viva voz.

Em 2016, pouco após o impeachment de Dilma, o PT lamentou, em documento interno, não ter "redimensionado sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação".

Houve também tentativas de se criar um órgão para regular a atividade jornalística e o anúncio da revogação do visto de trabalho do então correspondente do jornal americano The New York Times. A forte reação negativa gerou recuo nos dois casos, contudo.

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) queixava-se frequentemente da imprensa, como deixa claro nos quatro volumes de seus "Diários da Presidência", mas nunca passava do ponto de considerá-la exagerada e futriqueira. 

A Folha era um alvo frequente, como num registro, feito em 2001, a respeito da publicação de reportagem sobre o dossiê Cayman, conjunto de papéis forjados sobre supostas contas de tucanos num paraíso fiscal.

"A Folha vai continuar sendo o que ela é: um jornal que não mede as consequências dos escândalos que gosta de provocar e de produzir", escreveu.

A Folha também entrou na mira de Fernando Collor (1990-1992), que mandou a Polícia Federal invadir o jornal, em 1990. 

Voltando mais no tempo, há embates duros entre presidentes e a imprensa. Na Primeira República, era comum Redações de jornais, sobretudo no Rio, serem "empasteladas" por turbas a mando de autoridades federais da área de segurança pública.

No Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas cometeu um dos atos mais duros de ataque à imprensa já registrados, ao intervir no comando do jornal O Estado de S. Paulo durante cinco anos (1940-1945). A direção do veículo não reconhece esse período como parte de sua história.

Na segunda passagem de Vargas pela Presidência (1951-1954), houve novos embates, mas desta vez concentrados na Tribuna da Imprensa, que tinha como sua maior estrela o jornalista e futuro político Carlos Lacerda.

O atentado a tiros contra Lacerda, que teve as digitais do então chefe da guarda presidencial, Gregório Fortunato, foi o elemento que, em última análise, levou à derrocada final de Vargas, culminando com seu suicídio, em agosto de 1954.

Durante a ditadura militar (1964-1985), é frequente atribuir como uma ação do regime e de aliados a asfixia financeira do Correio da Manhã, que viria a morrer em 1974, após uma lenta agonia.

Considerado um diário combativo e vanguardista desde seu surgimento, em 1901, até o golpe militar de 1964, o Correio acabou não resistindo ao novo clima político instalado pela ditadura, embora problemas internos do jornal também sejam apontados como uma das razões para seu desaparecimento.

O que as investidas atuais têm de incomum, além da virulência, é o fato de o próprio Bolsonaro se colocar na linha de frente dos ataques, sem recorrer a intermediários.

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