Olhar ambiental com Sínodo da Amazônia resgata atuação social do papa

Natureza é entendida pelo pontífice como criação divina, por isso deve ser defendida como os mais pobres, diz doutor em teologia

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Porto Alegre

Quando a fumaça branca saiu da chaminé da Capela Sistina, no Vaticano, para anunciar o nome do argentino Jorge Bergoglio como o novo papa, em 2013, os moradores da periferia de Buenos Aires eram os que mais tinham histórias para contar sobre o primeiro pontífice latino-americano

“Ele tinha como hábito caminhar em diversas favelas. Ele ficava bastante tempo conversando, era amigo das pessoas. Sempre teve essa preferência pelos mais pobres e marginalizados. Também tinha preocupação grande pelos adolescentes e crianças. Ele sempre se sentiu a serviço dos demais”, conta a freira argentina Mariana Szájbély, 49, que trabalha em uma ocupação em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre. 

A missionária conviveu com Bergoglio nos tempos em que ele atuou na arquidiocese da capital portenha.

O jesuíta foi bispo auxiliar e arcebispo de Buenos Aires antes de ser escolhido papa. Já no Vaticano, a irmã cruzou com o papa outras vezes. “Ele permanece divertido, com senso de humor e toma mate. O que me impressionou é o tempo que ele dedica a ouvir cada pessoa que encontra”, observa a freira.

A freira argentina Mariana Szájbély, 49, que trabalha em uma ocupação em São Leopoldo (RS) e já conviveu com o papa Francisco
A freira argentina Mariana Szájbély, 49, que trabalha em uma ocupação em São Leopoldo (RS) e já conviveu com o papa Francisco - Mariana Szájbély/Arquivo Pessoal

“Isso que ele diz, ‘rezem por mim’, ele já dizia na Argentina. Ele permanece o mesmo, tanto que sua primeira visita como papa foi aos refugiados e migrantes que chegam na Europa pela ilha de Lampedusa [Itália]”, diz Szájbély.

O argentino escolheu se chamar Francisco como o frade italiano que viveu em Assis (1181-1226) e abandonou uma vida confortável para viver junto aos pobres. São Francisco de Assis é popularmente conhecido por ser o santo padroeiro dos animais e do ambiente. 

A escolha do nome funciona como uma “chave” para compreender o papado de Francisco. O Sínodo da Amazônia, que inicia neste domingo (6), resgata sua preocupação antiga com os mais explorados, uma categoria que agora inclui a própria natureza.

“Ele introduz a criação [natureza, no sentido teológico] não como recurso natural, mas como parte da obra de Deus. Cada forma de vida tem valor em si mesma e não pelo que serve ao ser humano. Isso é uma revolução teológica. A igreja nunca tinha tratado a criação com essa perspectiva”, diz o frei Vanildo Zugno, doutor em teologia e professor da Estef (Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana), de Porto Alegre. 

Além disso, explica o professor, a grande novidade trazida por Francisco é incluir a natureza dentro do conceito do “pobre”, que tem atenção especial na Teologia do Povo que influenciou o papa, uma vertente da Teologia da Libertação que se espalhou pela América Latina. 

“As pessoas nascem iguais, mas dinâmicas econômicas e contextos sociais empobrecem muitos. Assim como a criação não nasce com árvores cortadas, com rios poluídos e ar sujo”, exemplifica o teólogo. Daí o raciocínio de que a natureza é o “novo pobre a ser defendido”.

A visão do papa sobre o ambiente é desenvolvida na encíclica “Laudato Si”, de 2015. Encíclicas são documentos que atualizam a doutrina católica. O nome desta remete ao “Cântico das Criaturas”, de São Francisco de Assis, em que o italiano diz “Louvado Seja (Laudato Si), ó meu Senhor, com todas as tuas criaturas.

Nela, Francisco, o santo, chama o Sol de “irmão” e a Terra de “irmã”. Por sua vez, Francisco, o papa, escreve: “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada”. 

O papa ainda cita a Amazônia, condena as queimadas e critica a monocultura. “Quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos”, afirma. 

Ao falar da Amazônia [e da bacia fluvial do Congo], Francisco diz que “não é possível ignorar também os enormes interesses econômicos internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem atentar contra as soberanias nacionais”. 

O argentino, portanto, é favorável à soberania dos países amazônicos que lideram o sínodo. Por causa da preocupação internacional com a floresta, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) chegou a falar que o “interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore”

Francisco reconhece que “o movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho”, mas aponta que esforços são frustrados com frequência “não só pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros”. 

Ele faz um apelo aos “negacionistas” da crise ambiental: “As atitudes que dificultam os caminhos de solução, mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções técnicas. Precisamos de nova solidariedade universal”.

ENTENDA O SÍNODO

O que é sínodo
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez.

Especial Amazônia
Anunciado em 2017 pelo papa Francisco, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental. Depois de meses de escuta da população local, bispos e demais participantes se reúnem entre 6 e 27 de outubro, no Vaticano.
 
Para que serve
O sínodo é um mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia.

Quem participa
O Sínodo da Amazônia reúne 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões.

Principais polêmicas
Este sínodo tem recebido críticas do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação na Amazônia, e da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.

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