Acesso a dados sigilosos desgasta Toffoli no Senado e eleva pressão por CPI

Senadores de grupo lavajatista questionam presidente do Supremo e vão se reunir para discutir medidas

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Brasília

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de determinar ao Coaf que lhe desse acesso a todos os relatórios de inteligência financeira produzidos nos últimos três anos aumentou o desgaste do ministro no Senado.

Os relatórios têm dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas, conforme revelado pela Folha nesta quinta-feira (14).

De imediato, o episódio mobilizou os cerca de 40 senadores que integram o grupo pluripartidário Muda Senado, que vão retomar a pressão para instalação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar integrantes do STF, a CPI da Lava Toga.

Senadores lavajatistas vêm, desde o início do ano, tentando instalar a CPI. No entanto, para evitar uma crise institucional, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), conduz a questão em banho-maria.

A relação dos parlamentares com Toffoli se desgastou mais um pouco na semana passada, quando o voto do presidente do Supremo foi decisivo para barrar a prisão após condenação em segunda instância —levando à soltura do ex-presidente Lula (PT)

Este grupo do Senado, que havia começado a semana com 43 apoiadores declarados a uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para reverter a decisão do STF, chegou a esta quinta-feira informando ter agora 48 nomes, um a menos que o necessário para aprovar, na Casa, alterações na Constituição.

A revelação sobre o acesso aos relatórios do antigo Coaf  —rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira)— agrava ainda mais a relação entre a ala do Congresso e Toffoli.

"É claramente mais uma ocasião de abuso praticado pelo ministro Dias Toffoli. Não há nenhuma razão para você acessar o sigilo de milhares pessoas, a não ser que você queira criar um banco de dados clandestino com objetivos de manutenção ou reforço de poder", disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

A maioria dos senadores já havia deixado Brasília por causa da semana curta no Congresso e as discussões se concentraram no grupo de WhatsApp dos parlamentares.

Eles marcaram uma reunião para terça-feira (19), mas já concordaram em retomar a pressão para desengavetar o requerimento de criação da CPI da Lava Toga.

Os senadores, que têm a CPI, o impeachment de alguns ministros e a Operação Lava Jato como suas principais bandeiras, disseram que haviam dado um tempo no trabalho de convencimento de Alcolumbre porque o presidente do Senado havia ponderado que era necessário garantir a estabilidade para a aprovação da reforma da Previdência.

"A justificativa do presidente do Senado era não agravar a crise. Recuamos por causa deste entendimento", disse o senador Marcos do Val (Podemos-ES).

Nesta quarta-feira (13), do Val recebeu um grupo de trabalho da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A entidade demonstrou preocupação com o risco de retrocesso no combate à corrupção, o que pode dificultar o ingresso do Brasil no grupo.

"É um ato imperial. É o novo imperador do país. Temos que tomar uma atitude", disse o senador.

Toffoli determinou que o Banco Central lhe enviasse cópia de todos os relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos pelo antigo Coaf nos últimos três anos, tendo obtido, assim, acesso a dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas —412,5 mil físicas e 186,2 mil jurídicas.

Líder do Podemos, o senador Alvaro Dias (PR) afirmou que o episódio revelado pela Folha poderia afastar investidores internacionais.

"A questão é uma repercussão muito ruim. Imagina alguém disposto a investir no país diante deste tipo de procedimento. É uma medida que extrapolou os limites do bom senso, arbitrária, autoritária", afirmou Dias.

Além de determinar o envio dos relatórios de inteligência financeira (RIFs) da UIF, Toffoli requereu também as representações fiscais para fins penais (RFFPs) elaboradas pela Receita nos últimos três anos.

A UIF informou a Toffoli que não conseguiria lhe enviar cópias dos relatórios, mas deu ao ministro uma espécie de senha de acesso ao seu sistema eletrônico. Nesta quinta (14), a assessoria de Toffoli, em nota, disse que ele não acessou o sistema, apesar de ter obtido o acesso.

“O presidente Dias Toffoli não comenta processo que tramita sob segredo de Justiça. Vale esclarecer que o STF não recebeu [cópias] nem acessou os relatórios de inteligência financeira conforme divulgado pela imprensa”, diz o texto. A UIF, também em nota, afirmou que o STF não fez o acesso.

A determinação de Toffoli, obtida pela Folha, é do último dia 25 de outubro e foi no âmbito de um processo (um recurso extraordinário) no qual, em julho, o ministro já havia suspendido todas as investigações do país que usaram dados de órgãos de controle sem autorização judicial prévia.

Naquela ocasião, Toffoli concedeu uma liminar (decisão provisória) atendendo a um pedido de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, filho do presidente Jair Bolsonaro e que era alvo de uma apuração do Ministério Público do Rio. O plenário do Supremo analisará o tema na próxima quarta (20).

ENTENDA O PEDIDO DE TOFFOLI

O que Toffoli pediu ao Banco Central?
Toffoli determinou ao Banco Central que encaminhasse ao Supremo, em cinco dias, cópias de todos os relatórios de inteligência financeira (RIFs )produzidos pelo antigo Coaf (hoje UIF) nos últimos três anos. Ele solicitou também as representações fiscais para fins penais (RFFPs) elaboradas pela Receita no mesmo período. No pedido, o ministro afirma que devem ser especificados quais foram elaborados a partir de análise interna da UIF, quais foram feitos a pedido de outros órgãos (como o Ministério Público) e, nas duas situações, quais os fundamentos legais envolvidos.

Os RIFs envolvem dados de quantas pessoas?
Cerca de 600 mil pessoas (412,5 mil físicas e 186,2 mil jurídicas), muitas expostas politicamente e com foro por prerrogativa de função. Os relatórios contêm dados sigilosos.

Qual a justificativa de Toffoli para solicitar os relatórios?
Entender o procedimento de elaboração e tramitação dos relatórios financeiros. Toffoli já havia pedido informações dessa natureza antes, mas elas teriam chegado de forma genérica demais.

O que são os relatórios a que Toffoli teve acesso?
Os relatórios partem de dados de instituições como bancos, seguradoras e joalherias, que são obrigadas a informar à UIF a ocorrência de movimentações consideradas atípicas. As transações não necessariamente indicam que houve crime, mas podem levantar suspeitas.

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